Carla Azhderian está em Kiev, longe de sua casa na Califórnia. Ela viajou para a capital da Ucrânia para finalizar um processo de adoção que já durava um ano.
Siga Terra Notícias no Twitter
Quem também espera o fim desse processo é Serhiy, órfão de 11 anos que foi retirado da zona de guerra no sul do país logo depois do início do conflito, em 2014.
"Nos apaixonamos por Serhiy quando ele foi aos Estados Unidos como parte de um programa que traz crianças em dificuldades para passar um tempo com uma família. Sentimos muita falta dele quando ele foi embora e decidimos adotá-lo", disse a americana à BBC.
Não é a primeira vez que Azhderian e o marido passam por um processo de adoção internacional: eles já adotaram quatro filhos em quatro países diferentes. E já tinham quatro filhos biológicos antes da decisão de expandir a família, em 2006.
A Guatemala foi a primeira escolha - um voo curto e, na época, o principal país de origem de crianças adotadas por famílias americanas.
Eles viram a foto de uma menina e imediatamente sentiram que ela poderia ser a filha deles. Mas ela morreu baleada antes do fim do processo.
Até que a ONU advertiu sobre o tráfico de crianças no país centro-americano, e os EUA fecharam as portas para a adoção de crianças guatemaltecas.
Mas eles não desistiram e foram para a Etiópia, onde adotaram uma menina de um ano. Em seguida, outra menina de Gana e, há um ano, um garoto polonês de 13 anos.
"Nunca foi um objetivo continuar adotando. Toda vez que adotávamos pensávamos que iríamos parar, mas continuamos (indo a) estes países e vendo a necessidade... Então pensávamos, 'bem, temos espaço para mais um'. E o resto da família sempre concorda", disse Azhderian.
"Mas ficou mais difícil com o passar do tempo. Eu diria que, todas as vezes que você vai a um país não integrante de Haia (em referência aos países que não ratificaram convenção de 1993 sobre adoção internacional), sempre há corrupção e problemas éticos. Ficou mais complicado (adotar), mas é por uma razão: há uma necessidade de controlar estes processos", disse a americana que, assim que adotar Serhiy, será mãe de nove.
A questão apontada por Carla Azhderian é observada no mundo todo: uma tendência de queda nos números de adoções internacionais.
Nos últimos dez anos e depois de décadas de crescimento constante, o número de crianças adotadas por famílias de outros países caiu em 65%.
"Houve um ápice em 2004. A China sempre foi a principal 'origem', com sua população enorme, mas mesmo lá os números caíram em quase dois terços", afirmou à BBC o sociólogo Peter Selman, da Universidade de Newcastle.
Na outra ponta desse processo estão os Estados Unidos, o destino principal de crianças adotadas. Mas o número de crianças encontrando um novo lar caiu 70% na última década, de acordo com o Departamento de Estado americano.
No Brasil também houve queda nas adoções de crianças brasileiras por famílias estrangeiras, segundo dados da Polícia Federal compilados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Em 1999, o número de crianças adotadas por estrangeiros chegou a 452. Em 2014, caiu para o nível mais baixo: 126 crianças.
No mundo inteiro o tema preocupa porque cresce o número de crianças vivendo em lares que não são permanentes. Há, também, o crescente número de "novos órfãos", vindos de países mais pobres e em conflito – o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que existam 13 milhões deles.
Filhos da guerra
A popularidade de adoções internacionais cresceu depois da Segunda Guerra Mundial, com pelo menos 50 mil casos registrados entre 1948 e 1969.
Segundo Jade Gary, da Universidade de Loyola, em Chicago, e autora da pesquisa Entendendo o Declínio dos Canais de Adoções Transnacionais, a Segunda Guerra deixou "inúmeras crianças belgas, polonesas, alemãs, gregas e italianas refugiadas, resultando na primeira grande onda de adoções internacionais".
Uma segunda onda veio depois da Guerra na Coreia, com crianças que eram "resultado de relacionamentos inter-raciais entre soldados americanos e nativas coreanas".
Mas foi com a abertura da Rússia e da China, na década de 1990, que houve um aumento ainda maior nas adoções internacionais.
O colapso da União Soviética teve um papel importante, colocando as antigas repúblicas do bloco comunista na lista dos países de origem de crianças a serem adotadas.
Na China, enquanto isso, a adoção internacional se transformou em efeito colateral da política do filho único. E foi uma forma de lidar com o problema das crianças abandonadas em orfanatos - a maioria delas meninas.
Os efeitos dos programas de adoção de crianças desses dois países duraram até o século 21, e o número de ações saltou de 25 mil em 1995 para mais de 45 mil em 2004, segundo dados da Universidade de Newcastle.
A China se transformou no mais popular país de origem de adoções internacionais, um recorde que ainda pertence ao país atualmente.
E os EUA se estabeleceram como o principal destino, adotando quase o mesmo número de crianças estrangeiras que todo o resto do mundo junto.
A queda
A queda pode ser atribuída a vários fatores, incluindo mudanças econômicas e uma reação a crimes como tráfico de crianças, segundo Peter Selman, uma das mais importantes autoridades do mundo no tema.
Esses temores, no entanto, não são novos: em 1993, a Convenção de Haia se transformou no modelo para regular esse fluxo de crianças entre os países. Mas muitas nações que entregam as crianças para adoção não ratificaram essa convenção.
O professor de Direito americano David Smolin escreveu a respeito do "lado obscuro" desse "mercado internacional" depois de descobrir que as duas crianças que tinha adotado da Índia tinham sido sequestradas.
Smolin afirmou que algumas adoções internacionais são semelhantes ao tráfico: um processo no qual crianças retiradas de suas famílias de forma ilegal são colocadas no fluxo legalizado de adoções aparentemente pelos canais legítimos (por traficantes que lucram com o processo e frequentemente em conluio com autoridades).
Suspensão
Devido a suspensões por tempo indefinido em vários dos principais países de origem dessas crianças, as adoções internacionais praticamente pararam.
Na China, a principal mudança ocorreu em 2005, com a descoberta de um esquema de tráfico de crianças envolvendo seis orfanatos na Província de Hunan. Os orfanatos entregavam a pais ocidentais bebês levados por traficantes - alguns sequestrados e outros "comprados", em troca de indenizações de valores baixos para os pais biológicos empobrecidos.
A China, então, estabeleceu regras mais severas para a adoção, mas a população nos orfanatos do país chegou a dobrar.
A Rússia - que por muitos anos esteve no segundo lugar entre os países de origem destas crianças e agora está em terceiro, atrás da Etiópia - também desacelerou o processo.
Um famoso caso de 2008 colocou o sistema de adoção no país sob os holofotes: um bebê morreu depois de ter sido deixado pelo pai adotivo dentro de um carro estacionado debaixo do sol forte nos EUA, meses depois de a criança ter sido adotada na Rússia.
Mais recentemente, Moscou aprovou uma lei proibindo a adoção de crianças russas por americanos, devido a casos de abuso por parte de pais adotivos. No entanto, alguns viram isso como uma retaliação a uma sanção americana de 2012 aos abusos de direitos humanos na Rússia.
Restrições
Outros países que também participavam desse fluxo de adoções internacionais agora também enfrentam restrições.
A Guatemala, onde anos de conflitos civis levaram ao aumento no número de crianças órfãs, tinha um fluxo de milhares de adoções por ano para os EUA até 2006.
A falta de controle fez o número de adoções irregulares aumentar junto com o das adoções legalizadas. A ONU condenou o sistema e, em seguida, os EUA suspenderam todas as adoções envolvendo crianças da Guatemala.
Adoções de Gana, Butão, Camboja, Nepal e Quirguistão, entre outros países, também foram suspensas pelos EUA.
Romênia e Bulgária, outros países que estavam entre as principais origens de crianças adotadas, reduziram a disponibilidade de crianças à adoção depois de entrarem para a União Europeia em 2007, para cumprir as regras mais severas do bloco.
África
Enquanto isso, a África parece ter um papel em reverter essa queda, ou pelo menos evitar que caia ainda mais.
Antes de 1995, adoções entre os países do continente eram raras. A publicidade que cercava as "adoções de celebridades" - Madonna no Malauí, Angelina Jolie no Camboja, Etiópia e Namíbia - ajudou a mudar isso, em parte.
"O conceito ocidental de adoção não era totalmente compreendido na África, principalmente em países predominantemente muçulmanos, como a Nigéria, onde a adoção é vista como algo inaceitável, mas há uma tradição de crianças cuidadas por outras pessoas que não os pais", afirmou Selman.
Grande parte do aumento é atribuída à Etiópia, onde o número de crianças e adolescentes enviados para o exterior aumentou 600% entre 2000 e 2009.
Essa cifra caiu posteriormente, mas a Etiópia ainda está em segundo lugar na lista de principais países de origem.
O número de adoções aumentou muito em Uganda e República Democrática do Congo, mas a participação do continente africano como um todo no fluxo de adoções ainda é modesta em comparação com outras regiões.
No entanto, uma em cada três crianças órfãs do mundo vive no continente.
Especialistas sugerem que é preciso enfrentar o declínio das adoções expandindo o perfil das crianças adotadas.
Por muitos anos a adoção internacional foi atraente para americanos pela possibilidade de encontrar crianças mais jovens do que as adotadas nos EUA, disse Selman.
Mas isso mudou nos últimos anos: bebês e crianças pequenas estão encontrando lares em seus próprios países, e a adoção internacional tem atendido crianças mais velhas, grupos de irmãos e crianças com necessidades especiais.
"Em muitos países da América Latina, como Brasil e Chile, apenas crianças mais velhas e aquelas com necessidades especiais estão disponíveis para adoção internacional. Isso também se aplica para países da Europa Oriental, como Lituânia", afirmou.
Esta é uma solução tanto para pais que realmente querem adotar quanto para crianças mais velhas com menos chances de ser escolhidas, disse Selman.