Nas primeiras horas após o incêndio que atingiu o Museu Nacional no domingo, alunos do curso de museologia na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) começaram a conversar no WhatsApp sobre reunir as fotos que tinham do espaço.
A ideia era tentar manter com as imagens a memória do acervo de mais de 20 milhões de itens que se perdia em meio ao fogo de grandes proporções.
Os alunos - do primeiro ao último semestre do curso - também divulgaram a ideia para amigos, e a mensagem viralizou. Até às 11h da manhã de segunda-feira, tinham recebido mais de 5 mil e-mails, com milhares de fotografias.
"Nossa ideia é trabalhar em conjunto com o Museu Nacional, estamos esperando eles responderem. É nossa forma de ajudar, já que eles vão ter um monte de coisa para resolver agora", diz Luana Santos, de 28 anos, aluna do 4º período de museologia da Unirio e uma das integrantes da iniciativa.
A ideia é manter essas fotos em um acervo digital que o público possa acessar, mas os alunos não decidiram o formato nem conseguiram catalogar as imagens que receberam.
"Ainda estamos atônitos e cansados, vários colegas estavam agora na Cinelândia (onde houve uma manifestação de luto pelo descaso com o museu)", diz a estudante.
Luana diz que o que se perdeu "é insubstituível", e que a ideia é lembrar não apenas do acervo, mas da tragédia que levou à destruição da maior parte dele. "Não podemos deixar isso acontecer de novo", afirma ela.
A iniciativa é importante não porque irá preencher o vazio deixado pelo incêndio, mas porque amplia a discussão sobre o descaso com a cultura no Brasil, segundo a professora da USP Giselle Beiguelman, especialista em preservação de arte digital.
"A memória da tragédia não são só as imagens do fogo, mas do quão mobilizatório isso se tornou. Espero que isso de fato produza uma corrente coletiva de conscientização" diz ela.
Memória da tragédia
"É obvio que essas imagens não vão recuperar o museu. Mas ao menos criam uma memória desse presente absurdo que estamos vivendo, de um museu desse porte ir ao chão em poucas horas", afirma Beiguelman.
Beiguelman afirma que a súbita mobilização gerada pela iniciativa dos estudantes deixa ainda mais claro que "o futuro da nossa memória passa por esses registros, que vão criando esses arquivos coletivos e espontâneos".
A digitalização, no entanto, nunca substitui a interface pessoal, diz ela.
"Ver um fóssil ao vivo é uma coisa, outra coisa é ver a foto. Estamos diante de uma tregédia que levou milhares de anos pras cinzas. É irreparável, não tem como cicatrizar, uma vergonha para a nossa história. Privamos o mundo de uma parte do seu passado", afirma Beiguelman.
Calculando as perdas
No caso do Museu Nacional, as imagens dos alunos que estão sendo reunidas - enviadas por visitantes e tiradas em maior parte com celular - não seriam suficientes para fazer um registro virtual 3D ou em alta definição dos itens que foram destruídos. Esse tipo de digitalização precisa ser feita com muito cuidado, com equipamento específico, com o acervo ainda intacto.
O custo, além disso, é elevado. "É caro porque o patrimônio é delicado, e fica em uma mídia que é programada para obsolescência. Não pode ser armazenado em um serviço comercial (como YouTube ou Dropbox, por exemplo), pois eles podem acabar de uma hora para outra", pondera Beiguelman.
A digitalização normalmente é uma ferramenta de pesquisa, o que também não pode ser feito com as imagens enviadas pelos visitantes.
Muitas peças do acervo eram itens únicos - esqueletos de dinossauros, múmias egípcias, utensílios produzidos por civilizações ameríndias durante a era pré-colombiana.
Em nota, o Museu Nacional afirmou que ainda está mensurando os danos ao acervo.
Um dos únicos itens até agora que se sabe que restaram do acervo do prédio central é o meteorito Bendegó. As coleções de botânica, parte da zoologia e a biblioteca central também não foram perdidas, pois estavam em um prédio anexo.
Localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, o Museu Nacional é mais antigo do país e uma das instituições científicas mais importantes do Brasil. Fundado por Dom João 6º no dia 6 de agosto de 1818, acabara de completar 200 anos - mas tinha itens de milhões de anos.