'Não tenho carisma e quase não me elegi deputado', diz Maia às vésperas de indicação à Presidência

19 jan 2018 - 07h42
(atualizado às 07h57)
O presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Rodrigo Maia
O presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Rodrigo Maia
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Enquanto caciques do DEM garantem que Rodrigo Maia será lançado como único pré-candidato do partido à Presidência em fevereiro - semanas depois do julgamento de Lula e da última chance de votação da reforma da Previdência -, o homem mais forte da Câmara dos Deputados se articula para reverter uma difícil contradição.

Em entrevista à BBC Brasil na Embaixada brasileira em Washington, onde se hospedou durante viagem oficial de cinco dias aos Estados Unidos, Maia afirmou que tem mais apoio dentro do parlamento do que nas ruas - e disse que sua agenda política "não gera empatia inicial" na sociedade, apesar de ser "importante para o futuro" do País porque não é "populista ou demagoga".

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"Eu não sou carismático, não sei contar piadas, não tenho frases de efeito. Então, sair de um patarmar de 1% das intenções de voto para 7% ou 8% não é um caminho fácil", ponderou, acrescentando que "quase não teve votos suficientes" para se eleger deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2014 (29º candidato mais votado do Estado, ele só foi para Brasília graças aos votos de sua coligação, puxada pelo PMDB).

Dentro do parlamento, entretanto, uma coleção de vitórias políticas marcantes - como a reeleição na presidência da Casa e as aprovações do teto de gastos e da reforma trabalhista -, somadas ao respeito do presidente Michel Temer e à simpatia de representantes de diferentes legendas, transformaram a pré-candidatura de Maia ao Planalto em realidade.

"Maia é neste momento o único pré-candidato do DEM ao Planalto e seu nome será apresentado na Convenção do partido no mês que vem", disse à BBC Brasil o senador Ronaldo Caiado, um dos principais caciques do partido, recentemente apontado como principal nome da sigla para a vaga. "O Rodrigo teve uma estratégia bem elaborada e hoje eu não sou mais um nome viável."

A mesma certeza ressoa no gabinete do presidente, segundo o ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo). "Rodrigo Maia tem uma candidatura respeitável", disse o ministro à reportagem. "Quem sabe ele não se torna o candidato do presidente Michel? As possibilidades estão na mesa."

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Rodrigo Maia (ao centro) com o presidente Michel Temer
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Nos EUA, sem confirmar nem negar o pleito assegurado pelos aliados, Maia citou repetidamente uma "agenda própria" de projetos para o país, ressaltando temas comuns a candidatos em campanha, como saneamento básico, defesa ao funcionalismo público, imigração, saúde e educação.

Questionado sobre planos efetivos de ocupar a cadeira de Temer, Maia deixou mais de uma vez escapar um raro sorriso. "Agora não. Não depende de mim. Não fecho nenhuma porta."

Hesitação e cautela

Em agenda cheia com políticos e empresários americanos, por quem foi elogiado pelo pragmatismo e "abertura para o diálogo", Maia elogiou feitos de sua gestão e repetiu que a aprovação de reformas consideradas fundamentais pelo governo, como a trabalhista e o teto de gastos, são fruto do esforço do Congresso - não de Temer.

"Os resultados positivos são sempre creditados ao governo. Mas a reforma trabalhista que o governo encaminhou era só 10% da que a gente aprovou. O papel do Legislativo na reforma foi maior que o do governo", disse Maia à reportagem.

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Entre as principais razões para o partido apostar na pré-candidatura está a esperança de que os deputados aliados de Maia se tornem espécies de cabos eleitorais do político em diferentes Estados e municípios.

"O relacionamento que a gente tem hoje na Câmara, para qualquer candidato à Presidência, pode valer muito. Eu tenho amizade com muitos parlamentares", reconheceu à reportagem.

A hesitação em anunciar a candidatura é descrita por pessoas próximas como cautela - a ideia seria não "queimar a largada", o que teria acontecido com o prefeito tucano João Dória, que aparece em trajetória de queda nas pesquisas.

Opositores lembram do risco de perda de foro privilegiado em caso de derrota - junto ao pai, Maia foi citado nas delações da Odebrecht como suposto beneficiário de caixa 2 em campanhas eleitorais e responde a inquéritos - ambos negam irregularidades.

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Segundo um dos líderes do DEM, a ideia de lançar Maia ao Planalto seria um "balão de ensaio".

"Nós temos experiência política. Este é o momento certo para uma testar uma candidatura que tem tempo de ser avaliada."

Plano B

Se a tentativa não decolar, o plano B seria retirar a candidatura do carioca e oferecer apoio a candidatos mais fortes e simpáticos à política econômica de Temer - caso de Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, ou Henrique Meirelles (PSD), atual ministro da Fazenda.

Como nunca admitiu a pré-candidatura, não está descartada a possibilidade de Maia recuar e vetar qualquer anúncio sobre seu futuro político.

Um dos motivos seria a expectativa pelo julgamento do ex-presidente Lula - cujo resultado pode reorganizar o jogo político para as eleições, aumentando as chances de candidatos "nanicos" em caso de condenação.

"É ilusão contar com isso", afirmou à BBC Brasil o deputado petista Paulo Teixeira. "Esse jogo ainda vai longe. Erra quem acha que vai terminar no dia 24, seja qual for o resultado em Porto Alegre. Isso vai até os tribunais superiores e Lula será candidato", disse, afirmando que um suposto lançamento informal de candidatura de Maia nos Estados Unidos "é bastante sintomático".

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Em Nova York, Maia negou que a viagem oficial tenha fins eleitorais e disse que o compromisso foi marcado há três meses. "Estou no recesso (parlamentar). Não há problema nenhum de eu estar aqui, inclusive participando de eventos falando um pouquinho sobre a situação do Brasil."

Enquanto trabalha ativamente nos bastidores pela candidatura - que inclui encontros com economistas para simplificar o discursos sobre temas áridos e negociações avançadas para alianças com o PP (de Paulo Maluf) e o Solidariedade (de Paulinho da Força) - Maia diz querer que Lula participe da disputa ("Para perder nas urnas").

A discussão sobre o Planalto segue no plano dos "sonhos".

"Todos os políticos com uma trajetória na política nacional sonham um dia em ser presidente. Eu e todo mundo. Mas Presidência da República é destino. E é para poucos."

"Michel é muito formal"

Após trocas de farpas com Henrique Meirelles em Brasília, Rodrigo Maia preferiu concentrar suas críticas ao presidente Temer durante a visita aos EUA.

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Depois de reclamar de atrasos do Planalto no envio de projetos de lei, o presidente da Câmara afirmou à BBC Brasil que "Michel é muito formal", e disse que "o governo se comunica mal e deveria ter jovens publicitários pensando a imagem do presidente, já que ele é de uma geração mais velha".

Maia, que tem 47 anos, se referiu novamente à idade quando questionado sobre a aproximação entre Temer e Geraldo Alckmin. "É natural, até pela geração deles, que tenham proximidade", afirmou.

"O governador Geraldo já é candidato, então para ele ter apoio do presidente é legítimo por parte dos dois."

Após discutir a situação de mais de 1300 venezuelanos abrigados em Roraima com o secretário-geral da ONU, António Guterres, Maia ressaltou a importância da "diplomacia parlamentar" em encontro com o par republicano Paul Ryan, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA.

No encontro, ele propôs "uma rotina de reuniões entre as Câmaras de Deputados brasileira e americana" para a discussão conjunta de reformas.

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Previdência

Ele se referia especificamente à reforma Previdência, prioridade número um do Planalto, sobre a qual mostrou pessimismo, diante da proximidade das eleições.

À reportagem, Maia ressaltou que um eventual fracasso não será uma derrota pessoal.

"No cronograma que nós montamos, ela seria aprovada em junho. Variáveis de fora da votação inviabilizaram a votação no final do primeiro semestre, início do segundo."

Na véspera, em mesa redonda com a Câmara de Comércio americana, o democrata detalhou as variáveis, citando um encolhimento de 110 deputados na base do presidente Michel Temer após o furação causado pelas delações premiadas da JBS.

"Todos aqui sabem o que aconteceu em maio de 2017 (quando vieram a público os áudios dos irmãos Batista), o que basicamente, não vou dizer que paralisou, mas basicamente reduziu a atividade parlamentar por cinco meses", afirmou.

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Ainda assim, Maia defendeu a reforma em todos os eventos que participou nos EUA e prometeu fazer de tudo para aprová-la em fevereiro.

Questionado sobre como convenceria um trabalhador de um estado com baixa expectativa de vida, como o Maranhão, a aceitar a proposta, o político respondeu que "já fez isso na baixada fluminense do Rio, com trabalhadores ouvindo".

"A reforma beneficia a todos, mas beneficia mais ao trabalhador que ganha um ou dois salários mínimos porque, com a economia crescendo, é óbvio que com o aumento da geração de empregos será o trabalhador, claro, que terá o benefício principal."

"Eu nunca tive problema em lugar nenhum quando pude explicar com tranquilidade esta matéria", completou.

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