Desde a chegada da lama da barragem da Samarco em Mariana (MG) ao Espírito Santo, biólogos em Linhares tentam evitar que filhotes de tartarugas marinhas entrem em contato com o mar contaminado após saírem dos seus ninhos.
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Nesta semana, uma equipe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Tartarugas Marinhas (Tamar/ICMBio) abriu dois ninhos de tartaruga-cabeçuda, para retirar de lá filhotes recém-nascidos e transportá-los para um ponto mais ao sul da praia de Regência, afastado da foz do Rio Doce. "Eles já haviam saído de dentro dos ovos. Nós percebemos e resolvemos abrir o ninho de areia, como se fosse uma cesárea mesmo", disse à BBC Brasil a bióloga Jordana Freire, que participou da operação.
"Eles estavam na iminência de sair na noite seguinte, mas nós os tiramos dos ninhos antes, para evitar que eles entrassem naquele mar cheio de lama", disse a bióloga referindo-se ao movimento natural dos filhotes em direção ao mar.
No domingo, segundo Freire, outros dois ninhos haviam sido abertos. Estes são os primeiros filhotes de tartaruga marinha nascidos na área afetada pelos rejeitos da barragem de Mariana.
O "tsunami marrom" chegou ao mar em Linhares pela foz do Rio Doce no último domingo (22), mas tartarugas continuam saindo das águas contaminadas pela lama para depositar seus ovos nas praias locais, segundo o coordenador nacional do Tamar, João Carlos Thomé.
E é provável que elas sejam velhas conhecidas dos pesquisadores. "Estamos fazendo 30 anos do trabalho de proteger todas as desovas. Este ano, reparamos que as fêmeas são menores que as dos anos anteriores. Isso quer dizer que os jovens filhotes que protegemos lá atrás estão começando a voltar para as praias onde nasceram. Estamos recebendo a segunda geração", disse o biólogo à BBC Brasil.
Depois de vencer desafios como o lixo jogado no mar e a pesca predatória, os biólogos consideravam bem sucedidos o trabalho de conservação dos animais até aqui – esta temporada de reprodução teve o maior número de desovas em Linhares, segundo Thomé –, mas agora temem o impacto da lama no seu ciclo de vida.
"A sensação é de impotência. Estamos numa instituição que luta há 35 anos e começava a ver resultados positivos, de uma possível recuperação das espécies de tartaruga marinha, e, do dia para a noite, a gente volta para a uma situação de incerteza", lamenta Jordana Freire.
Segurança
Desde o anúncio do rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, que fez transbordar uma segunda barragem de rejeitos, a de Santarém, os pesquisadores do Tamar em Linhares intensificaram o deslocamento os ninhos das tartarugas para locais mais seguros, fora do alcance da lama, quando ela chegasse à foz do Rio Doce e ao mar.
"Nem deu tempo de chorar, só estamos trabalhando", afirma Thomé.
"Os ninhos já são depositados pelas fêmeas nas áreas secas da praia, onde a maré não banha. Mas estamos movendo porque a praia pode avançar, pode haver erosão natural. Preferimos fazer isso por segurança."
Desde setembro, quando começou o período de reprodução das tartarugas, mais de 30 ninhos foram mudados nas praias de Regência e Povoação. No início, apenas para deixá-los fora do caminho da água do Rio Doce até o mar. E depois do dia 5 de novembro, para impedir o contato com os rejeitos de minério.
A maior parte dos ninhos são de tartarugas-cabeçudas, que põem, em média, 100 ovos. De acordo com o biólogo, entre 70 e 80% destes ovos eclodem com filhotes e apenas um deles chegará à idade adulta, em cerca de 25 anos.
Para proteger os filhotes, os biólogos redobraram a atenção sobre o rumo que a mancha marrom tomará por causa dos ventos e das correntes marítimas – na terça-feira, ela já se estendia por cerca de 15 km ao norte da costa, 7 km ao sul e 10 km mar adentro, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo.
O objetivo é garantir que as pequenas tartarugas tenham um trecho de mar limpo para navegar. Por isso, monitoram os ninhos para acompanhar a abertura natural dos ovos e levam os filhotes a trechos da praia que estão mais distantes da mancha.
"Queremos que eles possam correr para o mar livres de lama. Esse percurso é importante porque eles o memorizam para voltar no futuro."
Peixes perdidos
O bem-estar das tartarugas, no entanto, parece estar mais assegurado do que o dos peixes da região, diz Thomé, já que elas não respiram na água e se alimentam na superfície. "Ainda não sabemos o impacto que a lama pode ter nelas. Já os peixes estão morrendo porque os sedimentos são muito finos, entram nas brânquias (órgãos de respiração) e eles não conseguem respirar."
Além disso, as tartarugas-marinhas não são espécies residentes. Elas visitam a região para depositar seus ovos e só retornam anos depois, para fazê-lo novamente.
O rejeito de mineração de ferro é composto por terra, areia, água e resíduos de ferro, alumínio e manganês, provenientes das operações da Samarco (joint venture entre a Vale e a BHP).
Desde que a lama atingiu o Rio Doce, toneladas de peixes mortos foram retirados de diversos trechos entre Minas Gerais e Espírito Santo, segundo pesquisadores.