O apelo de vítimas de Brumadinho à Justiça alemã

23 out 2019 - 13h29

Grupo que denunciou a TÜV Süd em Munique tem esperança de que um processo alemão pressione autoridades brasileiras e evite a impunidade. "Nossas vidas nunca mais serão as mesmas", conta jovem que perdeu irmã na tragédia.As vidas de Angélica Amanda da Silva Andrade e Marcela Nayara Rodrigues sofreram uma reviravolta em 25 de janeiro de 2019, quando uma barragem da Vale se rompeu em Brumadinho. A tragédia deixou 270 mortos, entre eles a irmã de Angélica e o pai de Marcela, ambos funcionários da mineradora. Nove meses após o desastre, as duas jovens vieram para a Alemanha em busca de justiça.

Angélica Andrade e Marcela Rodrigues seguram fotos da irmã e do pai que morreram no rompimento da barragem
Angélica Andrade e Marcela Rodrigues seguram fotos da irmã e do pai que morreram no rompimento da barragem
Foto: DW / Deutsche Welle

Angélica e Marcela fazem parte do grupo de cinco mulheres - filhas, esposas e irmãs de mortos na tragédia - que apresentaram na semana passada em Munique uma denúncia contra a certificadora TÜV Süd, que atestou a estabilidade da barragem, e contra um diretor da empresa no país, sob acusações de homicídio culposo, negligência e corrupção.

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"Se a TÜV Süd tivesse agido da forma correta e não dado o laudo de estabilidade, talvez a Vale seria obrigada a encerrar as atividades no local e talvez o dano de vidas humanas seria muito menor. A TÜV Süd tem uma grande responsabilidade ao ter emitido esse laudo falso", afirma Angélica, de 25 anos, que perdeu a irmã Natália na tragédia.

Natália, de 32 anos, era funcionária da Vale e estaria no refeitório no momento em que o mar de lama, liberado no rompimento, varreu o local. "Nossas vidas viraram de cabeça para baixo e acredito que nunca mais será a mesma coisa. Estamos enfrentando vários problemas, lidando com depressão, com o estresse pós-traumático, e é muito difícil levar a vida cotidiana", conta Angélica.

"Brumadinho é uma cidade em luto. Em qualquer lugar, encontramos pessoas que perderam parentes ou que nos desejam condolências. A memória da tragédia está viva, também porque ainda conseguimos ver a lama tóxica na ponte no centro da cidade", acrescenta.

O desastre também causou uma reviravolta na vida de Marcela, de 25 anos, que perdeu o pai Denílson. O trauma e as lembranças são tão dolorosos que a impossibilitaram de continuar morando em sua casa em Brumadinho, cidade onde vivia há 17 anos, desde que o pai arrumou um emprego numa antiga mineradora adquirida posteriormente pela Vale. Na última notícia que enviou à família antes de morrer, Denílson contou que estava esperando o médico para depois ir almoçar.

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Além da dor, a insatisfação com a lentidão da Justiça brasileira e a ameaça de impunidade uniram as jovens em sua luta na Alemanha. Do outro lado do oceano, elas buscam a responsabilização de pelos menos parte dos culpados pelo desastre.

"A princípio espero alcançar a justiça, fui afetada com a morte de meu pai. Mas particularmente também desejo evitar que essa situação volte a acontecer com outras pessoas", diz Marcela sobre o que a motivou a fazer a denúncia em Munique.

As duas têm esperança de que um processo internacional, ao atrair a atenção da sociedade e de governos no exterior, renda frutos no Brasil, promovendo o endurecimento de leis no país. Também esperam que a ação possibilite regulamentos e controles mais rigorosos em países que sediam empresas que compram recursos e produtos brasileiros. "As pessoas precisam saber como a matéria-prima trabalhada aqui está vindo suja", ressalta Marcela.

Processo na Alemanha

A denúncia na Alemanha só foi possível graças às investigações realizadas no Brasil, que reuniram indícios concretos de que a sede da TÜV Süd em Munique e um diretor alemão da certificadora tinham conhecimento e poder de decisão sobre as questões da subsidiária brasileira, a Bureau de Projetos e Consultoria Ltda.

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As investigações sobre a tragédia indicam que os engenheiros da subsidiária sabiam que a barragem tinha problemas de segurança desde março de 2018. Um diretor da certificadora na Alemanha, que supervisionava a equipe brasileira e viajava cerca de uma vez por mês ao Brasil, teria sido informado sobre o caso e questionado pelos funcionários sobre como eles deveriam agir naquela situação.

Apesar das dúvidas quanto à segurança e da recomendação de um dos engenheiros para não confirmar a estabilidade, a TÜV Süd atestou a estabilidade da barragem em junho e setembro de 2018, poucos meses antes do rompimento da estrutura. E-mails indicariam que os funcionários da certificadora estavam sendo pressionados pela Vale para assinar o relatório.

"A TÜV Süd deveria ter se recusado a atestar a estabilidade, o que traria consequências para a Vale e, provavelmente, teria salvado vidas. Segundo informações que obtivemos, os problemas na barragem eram conhecidos desde novembro de 2017", afirma a jurista Claudia Müller-Hoff, do Centro Europeu para Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR, na sigla em inglês), uma das instituições que endossam a denúncia contra a certificadora ao lado da organização católica de ajuda humanitária Misereor.

A jurista, que trabalhou na denúncia apresentada em Munique, está otimista sobre a abertura de uma investigação pela Promotoria alemã. Caso dê continuidade ao inquérito, caberá ao órgão decidir se há indícios suficientes para que a certificadora e seu funcionário sejam processados na Alemanha.

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"Esperamos que essa investigação na Alemanha ocorra e que os governos brasileiro e alemão trabalhem juntos para descobrir o que realmente aconteceu e quem é responsável por essa tragédia, levando à punição de pessoas e empresas culpadas", destaca Angélica.

Ela e Marcela vieram à Alemanha para entregar pessoalmente a denúncia às autoridades. Há uma semana no país, elas participaram de um protesto em frente à sede da TÜV Süd em Munique e de palestras sobre a tragédia, além de se reunirem com autoridades e parlamentares alemães. Nos encontros, os impactos do desastre e a reação da Vale são temas constantes.

Deputado fala em conluio entre Vale e TÜV Süd

Nesta terça-feira (22/10), as jovens participaram de um evento aberto ao público em Berlim, que debateu a responsabilidade de empresas alemãs na tragédia e como o governo da Alemanha poderia impedir violações de direitos humanos ao implementar leis que obriguem empresas a seguir padrões europeus no exterior.

Na plateia do evento estavam os deputados federais brasileiros Júlio Delgado (PSB-MG) e Rogério Correia (PT-MG), que são presidente e relator, respectivamente, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o rompimento da barragem em Brumadinho na Câmara. Os dois estão na Alemanha para entregar a parlamentares alemães documentos reunidos durante o inquérito, inclusive sobre a atuação da TÜV Süd no caso.

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"No nosso entendimento, houve um conluio entre a Vale e a TÜV Süd. A Vale precisava da declaração para a mina continuar funcionando e, infelizmente, a TÜV Süd, mesmo sabendo da fragilidade da barragem, concedeu o atestado de estabilidade. Portanto, as duas empresas têm responsabilidade neste crime que ocorreu", diz Rogério Correia. Ele afirma ainda que a certificadora alemã não tem colaborado com as investigações.

Os dois parlamentares brasileiros também se reuniram com representantes das organizações que estão atuando na denúncia feita em Munique. "Julgamos essa ação na Alemanha importante para o ressarcimento dos atingidos e também para a apuração das responsabilidades criminais", acrescenta o deputado petista.

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