O destino de Biden também ameaça Lula

Assim como no caso do norte-americano, o atual mandato do petista ainda não debilitou os seguidores de seu antecessor ultradireitista

24 jul 2024 - 05h28
(atualizado às 07h27)
Lula e Biden durante visita do presidente brasileiro à Casa Branca em 2023
Lula e Biden durante visita do presidente brasileiro à Casa Branca em 2023
Foto: DW / Deutsche Welle

Saída do democrata do páreo presidencial deve servir de advertência para o PT e o presidente brasileiro, que terá 80 anos em 2026: Está mais do que na hora de a esquerda e o centro prepararem um sucessor para Lula.É trágico Joe Biden ter se retirado das eleições presidenciais. Com sua insistência em manter a candidatura e a renúncia não exatamente voluntária, ele desvalorizou uma admirável carreira política: sete vezes foi senador, duas vice-presidente e, por fim, foi presidente dos Estados Unidos.

Seu maior sucesso político até hoje foi a vitória contra Donald Trump, após apenas um mandato do republicano. O democrata Biden estabilizou as instituições de Estado de Direito e democráticas americanas, voltando a ser um parceiro confiável das nações democráticas da Europa e da Ásia.

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No entanto, Biden colocou tudo isso em risco - e agora perdeu de modo dramático. Ele entrará para história como a imagem do ancião egomaníaco que acreditou por tempo demais ser o único capaz de vencer novamente o adversário Trump. Um erro de avaliação fatal, de que participaram sua família, os democratas e diversos meios de comunicação.

No entanto meu temor é que nas eleições do Brasil, dentro de dois anos, possa ocorrer um drama semelhante.

Lula vai seguindo o roteiro Biden

Refiro-me a Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco menos de três anos mais novo do que Biden, ele terá 80 anos em 2026. Até agora não demonstrou sinais de fraqueza senil, como seu homólogo, mas também para o americano até pouco tempo atrás não era algo que estivesse em questão.

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Não considero discriminação etarista exigir um indivíduo totalmente apto para o árduo trabalho à frente da maior democracia, nestes tempos turbulentos. Nos EUA, porém, os aliados e adeptos de Biden ignoraram essa necessidade. E no Brasil, muito indica que o Partido dos Trabalhadores, seus seguidores, o próprio Lula e sua família vão seguir o mesmo roteiro.

Pois, assim como Biden, Lula até agora não conseguiu, no atual mandato, debilitar os seguidores de seu antecessor ultradireitista e fechar a fissura na sociedade. Pelo contrário: os bolsonaristas no Congresso e na sociedade dominam o debate político com seus projetos de lei populistas.

Cada vez menos Lula consegue iniciar reformas importantes, nem mesmo em temáticas de centro-esquerda ele pôde estabelecer uma linha. Seu governo age como que impelido pela maioria de centro-direita do Congresso, e parece antiquado num mundo que se transforma em alta velocidade.

Hora de preparar a sucessão

No entanto o paradoxo é que, quanto menos o governo petista é capaz de se impor e quanto mais influência perde, maiores são as chances de que Lula se veja como o único capaz de vencer um candidato direitista. Do mesmo modo que, após sua vitória apertada sobre Trump em 2020, Biden estava convencido de que só ele venceria novamente o populista de direita.

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O argumento do democrata era o passado: em 2016 ele renunciou à candidatura presidencial para dar lugar à suposta favorita Hillary Clinton - que aí perdeu contra Trump. Se ele tivesse concorrido, teria vencido, é a avaliação de Biden.

No PT o quadro não é diferente: lá se diz, até hoje, que Jair Bolsonaro só chegou ao poder em 2018 porque Lula estava na prisão, o que permitiu que o populista de direita derrotasse Fernando Haddad. Lula teria vencido, com certeza - é o consenso da esquerda até hoje.

Os paralelos entre Lula e Biden vão além da idade avançada e do mito da suposta superioridade em relação à ultradireita: os partidos de ambos não permitem competição entre possíveis candidatos à sucessão; eles estão convencidos que a experiência política dos dois líderes é uma vantagem; o entorno lhes recorda sem cessar que o mundo mudou; crítica é tabu.

Erros de avaliação grosseiros são aceitos sem crítica. Assim, Biden retirou precipitadamente o exército americano do Afeganistão. O consequente caos em Cabul e a imediata tomada de poder pelo Talibã representaram uma enorme perda de prestígio para os EUA.

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As declarações espontâneas de Lula - sobre a Ucrânia, Israel, Venezuela - têm prejudicado sua antiga reputação internacional, assim como a do Brasil. Portanto está mais do que na hora de a esquerda e o centro da política brasileira prepararem a sucessão de Lula. Não é fácil, mas não há alternativa.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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