'O novo pode ser um Hitler', diz Dilma Rousseff sobre renovação na política

Em entrevista à BBC, ex-presidente afirma que Lula é o candidato do PT para 2018 e diz que acusações contra ele são tentativa de tirá-lo da disputa presidencial.

11 ago 2017 - 18h00
(atualizado às 18h01)
Dilma Rousseff
Dilma Rousseff
Foto: BBC News Brasil

Um ano depois do processo de impeachment que a retirou da Presidência da República, Dilma Rousseff afirma que o país não necessariamente precisa de uma novidade na disputa presidencial de 2018. "O novo pode ser um Hitler. Não há garantia nenhuma", diz.

Em entrevista à correspondente da BBC no Brasil, Katy Watson, ela garante que não irá se retirar da política, mas não confirma os rumores de que se candidatará a deputada ou a senadora no próximo ano.

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Na interpretação da petista, o arquivamento da denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer na Câmara, na última semana, é apenas mais um movimento da engrenagem que passou a se mover depois de sua reeleição, em 2014, e que culminou em seu afastamento.

"Construíram com o maior corrupto da história desse país, chamado Eduardo Cunha, um impeachment" e "colocaram no governo uma quadrilha", acusa.

Na mesma lógica, a ex-presidente afirma que a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sergio Moro, no âmbito da operação Lava Jato, teria como objetivo meramente causar um empecilho para a candidatura dele no próximo pleito.

"Lula não tem mala de dinheiro", diz, em referência à mala com R$ 500 mil entregue a um assessor de Temer por um emissário do empresário Joesley Batista, da JBS. O episódio foi a justificativa usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para denunciar o pemedebista.

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A BBC Brasil procurou o Palácio do Planalto e a defesa de Cunha para comentar as acusações, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida nesta quinta-feira em São Paulo.

BBC - Como a senhora avalia a situação do Brasil?

Dilma Rousseff - O Brasil passa por uma situação extrema, drástica. Não tenho conhecimento de um momento tão difícil na vida política econômica e social do Brasil. Insistem numa política fiscal que está levando as creches ao fechamento, uma parcimônia de recursos absurda, com hospitais fechando, enfim, uma situação muito grave com perda de direitos na área social.

Para se ter uma ideia, quando saí do governo, o Bolsa Família abrangia 13,9 milhões de famílias. Hoje, numa situação de crise, são 12,7. Todos os programas sociais que nós fizemos estão sofrendo redução.

Por exemplo, um programa importante como o Minha Casa, Minha Vida, para as pessoas que mais precisam, que são aquelas que moram em fundo de rio, sofrendo enchente, ameaçadas, está sendo desestruturado em nome de uma pretensa eficiência. Numa gestão que hoje mesmo está discutindo que não vai cumprir o deficit que se propôs.

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Além disso, você tem uma grave situação política, com o governo inteiro envolvido em acusações sérias de corrupção. O grande orquestrador do governo, a mesma pessoa que presidia a Câmara na época do meu impeachment (Eduardo Cunha, do PMDB), está preso em Curitiba. Ele (ainda) controla uma parte do Congresso. Uma situação que só posso ter palavras muito negativas para descrever.

BBC - A senhora se sente responsável pela situação em que o país está?

Dilma Rousseff - Um país entra em crise levado por uma conjuntura. Nós evitamos por seis anos a crise econômica que atingiu todos os países da Europa e EUA, em 2008 e 2009, cuja responsabilidade é do absoluto descontrole financeiro.

No Brasil tivemos uma política anticíclica assim como outros emergentes, como a China, por exemplo. E sofremos uma grande ameaça no final de 2014, quando a crise chegou aos emergentes. O preço do petróleo despencou juntamente com o preço de todas as commodities.

Depois que ganhamos quatro eleições seguidas, a nossa oposição percebeu que não tem outra forma de chegar ao poder, pois através do voto não chega. Então, logo no início do meu segundo mandato, eles começam a falar em impeachment.

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É como aconteceu com o (Donald) Trump ameaçando impeachment caso a Hillary (Clinton) vencesse. Logo depois da minha eleição todo processo de construir as condições políticas que inviabilizassem meu governo tiveram andamento. Ocorre que ao invés de aprovarmos medidas para tirar o Brasil da crise, a Câmara e o Senado adotaram a política do quanto pior melhor.

Esse país sempre combinou duas coisas: a exclusão de uma brutal desigualdade e a lógica do privilégio, em que a elite brasileira acha que tem direito de ter as coisas e o povo, não.

Outro dia assisti a uma entrevista do (filósofo) Noam Chomsky em que ele faz uma comparação entre o Brasil e a Coreia do Sul. O Brasil em 1980 tinha um patamar de desenvolvimento pouco superior ao da Coreia. A Coreia fez um processo de recuperação muito forte. Eles conseguiram implantar uma indústria sofisticada e o Brasil ficou para trás.

A meu ver a avaliação de Chomsky é bastante precisa para entender porque perdemos tantas oportunidades: porque nós temos uma elite econômica e política que não tem compromisso com seu próprio povo. Que tem uma imensa dificuldade de enfrentar uma coisa que eu acho que nós conseguimos a partir do Lula. Nós fizemos distribuição de renda, fizemos distribuição de riqueza.

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Mas é algo muito pequeno perto da riqueza e da desigualdade que existe ainda. Isso não foi do agrado. Acharam que era necessário tirar os pobres do orçamento e a população do voto popular.

BBC - Michel Temer continua na Presidência apesar das acusações contra ele.

Dilma Rousseff - Construíram com o maior corrupto da história desse país, chamado Eduardo Cunha, um impeachment. Esse mesmo Eduardo Cunha foi eleito por 267 votos (à Presidência da Câmara). Há indícios absolutos de que ele comprou a sua eleição com o auxílio de alguns empresários, e através de processos de corrupção.

Veja, o presidente Temer comprou sua impunidade com quase o mesmo volume de votos. São as mesmas pessoas que votaram para eleger o deputado Eduardo Cunha, as mesmas impediram que o atual presidente da República fosse julgado.

Acontece que colocaram no governo uma quadrilha. Não pense que o que ocorreu naquele dia do meu afastamento se encerrou.

BBC - O ex-presidente Lula foi condenado na Lava Jato. Então, em que o PT é melhor do que outros partidos?

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Dilma Rousseff - A diferença é que a acusação do Temer tem vídeo, que mostra a mala. Do que acusam o Lula? De ter um apartamento que não está no nome dele. Que está no nome da empresa. E que a empresa deu esse apartamento como garantia para um banco. Mas podia não ser propriedade dele. Ele nunca usou esse apartamento.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Foto: BBC News Brasil

O Ministério Público disse que ele recebeu esse apartamento porque era presidente e, portanto, por benefício que poderia conceder à empresa na Petrobras. Só tem um pequeno problema. O juiz disse que não foi assim. Que ele não recebeu, que não foi por conta da Petrobras... Lula não tem mala de dinheiro. Não usou o apartamento, nunca morou.

No Brasil você tem dois pesos e duas medidas. O presidente Lula eles condenam a nove anos. A pergunta é: por quê? É porque eles são maus, perversos? Até podem ser, mas não é por isso. O golpe tem um primeiro capítulo que é meu impeachment. Mas tem um segundo, que é impedir que o presidente Lula seja candidato em 2018.

BBC - A senhora acredita que Lula é a resposta que o Brasil precisa? O país não precisa de um novo líder, sangue novo?

Dilma Rousseff - Desde quando o novo é necessariamente novo em relação a um conceito positivo? O novo pode ser um Hitler. Não há garantia nenhuma. O povo reconhece o Lula porque durante o governo do presidente o povo viveu melhor. Não tem nenhuma manipulação.

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Nós sabemos que a democracia tem suas falhas, mas continua sendo o melhor regime possível. Eu acredito que eles não vão simplesmente tirar o Lula da eleição. Tem a 3ª fase do golpe, que é implantar o parlamentarismo. Que já perdeu em plebiscito duas vezes. E esse processo vai vir com a tentativa de manter o controle político conservador do Congresso.

BBC - A ideia de que "sem Lula o PT não é nada" te preocupa?

Dilma Rousseff - No Brasil, somos o único partido reconhecido pela população. Nós temos 18% da simpatia. O próximo só tem 6%. Que história é essa que não tem partido, só tem Lula? O PT representa uma corrente progressista de esquerda, com uma composição bastante diversificada. Tem trabalhadores, classe média.

BBC - Quem seria o candidato do PT caso Lula não concorra?

Dilma Rousseff - Primeiro, nós teremos um grande empenho para o Lula ser candidato.

BBC - Há muito tempo o PT apoia o governo da Venezuela. Recentemente, a presidente do partido, Gleisi Hoffman, reafirmou o apoio. Qual é a sua opinião sobre isso?

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Dilma Rousseff - Eu vi a Venezuela antes do Hugo Chávez. Eu acho que Chávez foi o grande líder. Ele teve a sorte de pegar a evolução do preço do barril do petróleo chegando a US$ 140. Uma situação bastante confortável. Quando o preço começa a cair, não é só a Venezuela que sente. E aí a situação começa a ficar difícil.

Acho que o presidente Nicolás Maduro não tem a mesma estatura do Chávez. E com isso eu não estou fazendo nenhuma análise de valor. São pessoas diferentes. Acho que o Maduro pegou a Venezuela numa situação extremamente drástica, com uma queda violenta do preço do petróleo, que é um elemento fundamental no orçamento dele. Pega sem recursos, com crise elétrica…

Então, você corre um risco imenso. Porque a Venezuela é um país dividido. O que se tem que se tentar é uma saída não sangrenta. Se continuar do jeito que está, vai ter guerra civil na Venezuela.

Eu acredito que a visão que se divulga no Ocidente a respeito da Venezuela é irresponsável. Acho um absurdo o tratamento da imprensa internacional à Venezuela. Vão criar, aqui na América Latina, depois de 140 anos de paz, um grande conflito armado, assim como fizeram no Iraque e no Afeganistão.

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BBC - Mas a senhora não acha que o presidente Maduro é culpado pela situação?

Dilma Rousseff - Não vou culpar apenas o Maduro. Existe um conflito. É que nem o que fizeram com o Saddam Hussein. O criminoso era o Saddam Hussein. Mataram-no da forma mais bestial possível. Quando fizeram isso destamparam a caixa de pandora e saíram todos os monstros possíveis. A ponto de armas iraquianas financiarem os terroristas do Mali.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela
Foto: BBC News Brasil

De onde saiu o EI? O (grupo extremista autodenominado) Estado Islâmico saiu do fato de os EUA acharem que tinha ali uma posição democrática. E não tinha.

BBC - Mas a senhora não pode culpar os Estados Unidos por todos os problemas da Venezuela.

Dilma Rousseff - Não estou culpando os EUA. Estou culpando a comunidade internacional. Não pode ter essa atitude. Eu até uma vez apelei ao Vaticano para entrar como intermediário, para tentar construir um clima de pacificação.

Eu não acho que a questão é ficar falando mal do Maduro. Na Venezuela estão lidando com forças sociais reais. Se querem guerra civil, terão. Com ou sem Maduro. Há um conflito lá. Não posso ser irresponsável e ser a favor de que o conflito seja resolvido intensificando a contradição. Ou tenta-se construir uma solução pacífica ou vai ter guerra civil. Os dois lados estão armados.

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BBC - A senhora tem algum arrependimento?

Dilma Rousseff - Muitas vezes me perguntam isso. Eu vou te explicar porque não tenho. Eu iniciei minha vida política na ditadura e fui presa. Fiquei presa três anos. Imagine se eu passasse minha vida pensando e se aquele dia não tivesse ido àquele encontro. Eu não teria sido torturada e não teria visto as coisas que vi.

Dilma Rousseff
Foto: BBC News Brasil

Não existe "e se". Eu posso ter arrependimentos, mas o "e se" eu não tenho. Eu tenho de ter uma interrogação para sempre: tive um vice-presidente traidor. Mais arrependimento do que isso é impossível. E ele foi com a minha aceitação indicado a vice-presidente. Então eu só posso arrepender-me disso. Porque tenho responsabilidade nisso.

BBC - A senhora tem aspirações de voltar à política?

Dilma Rousseff - Meu primeiro cargo eletivo foi ser presidente da República. Não comecei a fazer política quando virei presidente. Ou nos anos anteriores. Comecei com 16 anos, presa aos 21. Não precisarei de cargo para fazer política, mas política não deixarei de fazer. Política é pensar no bem comum.

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