Sentada em frente a uma montanha de vidro e concreto retorcido, seis horas depois da primeira faísca do incêndio que destruiu todas as suas roupas e documentos, a dominicana Reyna ainda escutava os gritos apavorados das crianças que viviam no edifício Wilton Paes Almeida, que desabou na madrugada desta terça-feira, no centro de São Paulo.
"Elas gritavam e choravam muito, pediam muito socorro. E a gente não tinha condição de ajudar porque era muita fumaça, muito fogo, muita gente correndo."
Ela morava "há cinco ou seis meses" no sétimo andar do prédio, no Largo Paissandu.
Concluído em 1966, o prédio já abrigou a Polícia Federal, o INSS e está abandonado há pelo menos 17 anos. De lá para cá, foi ocupado irregularmente diversas vezes - atualmente, os moradores pagavam em torno de R$ 200 mensais por um cômodo em um dos 24 andares do prédio. A ocupação estava a cargo do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD).
O prédio desabou após o incêndio, que teria começado por volta de 1h30. Ainda não há confirmação sobre número de mortos, mas os bombeiros afirmam que pelo menos uma pessoa que estava presa no 12º andar desapareceu após o desabamento.
Botijão de gás
Vinda da República Dominicana há quase 20 anos em busca de oportunidades em São Paulo, Reyna conta que a principal suspeita dos moradores é que um botijão de gás tenha explodido e dado início ao incêndio.
Narrando uma corrida às cegas pela escadaria precária do edifício, ela descreve um cenário caótico e um calor insuportável.
"Só Deus sabe como eu saí. Não sei mesmo como consegui porque o fogo começou no quinto andar e subiu até onde eu estava, então precisei atravessá-lo", conta. "Era muita fumaça, muita, não dava para enxergar as pessoas", diz.
Enquanto tateava pela escadaria e fugia das chamas, tentando ajudar quem conseguisse pelo caminho, ela conta que teve que se jogar do segundo andar, junto a outros vizinhos, para escapar antes que o prédio despencasse.
A saída do prédio, segundo Reyna, estava congestionada e o maior medo era que o fogo alcançasse a multidão que se acumulava em direção ao portão principal.
"(Era muita gente) pedindo socorro e a gente não podia dar auxilio a todos, não dava para a gente ajudar", conta, com a voz trêmula.
Fuga com cinco filhos
"Acordei com meu marido me puxando e dizendo que o prédio ia cair", diz à BBC Brasil Francisca Santos Silva. O casal morava no terceiro andar do edifício com cinco filhos.
"A gente desceu, atravessou a rua e já estava tudo em chamas. Em mais uns segundos, veio ao chão", afirma.
Silva - que tem servido de ponte entre os moradores e o serviço social da prefeitura - diz que a situação no prédio "era bem ruim".
"Água tinha, mas luz faltava sempre. Não tinha lugar melhor para ir. As pessoas criticam, mas a gente não mora aqui porque gosta, mas porque precisa."
Muito lixo e rato
Ana Cristina Macedo, 43, diz ter morado na ocupação até meados de 2017 com o marido e um primo dele. Saiu a pedido da irmã, porque ela morava no oitavo andar e precisava subir muitas escadas.
Foi para outro prédio do mesmo movimento na Bela Vista. "As condições eram precárias, faltava luz todo dia, tinha muito lixo e rato."
Segundo Macedo, porém, os moradores achavam que o edifício era seguro.
Coordenador do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD), Ricardo Luciano não estava no edifício no momento do incêndio.
"Se o movimento tiver que ocupar outro local abandonado e sem função social, vai ocupar, porque nos albergues (da prefeitura) as pessoas ficam de lá para cá. Elas precisam de uma oportunidade de habitação, uma moradia digna", afirma.
Ele criticou a lentidão para a entrega de residências pelo governo. "As pessoas esperam de 30 a 40 anos por uma unidade da Cohab (Companhia de Habitação Popular). Quando conseguem, já estão indo para um jazigo."
Resgate frustrado
Em nota, a prefeitura diz que "248 pessoas, de 92 famílias" que moravam no local foram cadastradas, "receberam alimentação e foram encaminhadas para abrigos municipais".
A prefeitura diz ainda que "uma força-tarefa de engenheiros e técnicos da Defesa Civil está no local para avaliar os danos causados aos imóveis vizinhos ao prédio que desabou" e que a "Secretaria Municipal de Habitação atuava na ocupação do edifício por meio do grupo de mediação de conflitos, uma vez que no local estava previsto haver a reintegração de posse, movida pela Secretaria de Patrimônio da União".
O prefeito Bruno Covas foi ao local nesta manhã e disse que a prefeitura "vai prestar solidariedade" às famílias.
O coronel Max Mena, comandante dos bombeiros, diz que houve uma tentativa fracassada de resgatar uma pessoa que estava presa no 12º andar do edifício.
"Estávamos entrando pelo prédio do lado e chegamos a colocar o cabo de aço nela, mas o prédio ruiu e levou ela junto", diz Mena.
"Não acreditamos que haja muitas pessoas embaixo, mas trabalhamos com a pior hipótese. Mas não acho provável, porque já fizemos o cadastramento e a maioria está aqui fora", afirma.
Mena diz que os trabalhos dos bombeiros na área devem durar entre sete e dez dias.
De acordo com o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Marcos Palumbo, a ausência de elevadores no prédio e a presença de muito lixo no local teriam agravado o incêndio, funcionando como combustível para o fogo.
"Ele tinha elevadores que foram substituídos (retirados). Então, esses dutos de ar que eles tinham no meio, pelo fosso do elevador, eles acabam formando uma chaminé. Você tinha muito material combustível: madeira, papel, papelão, algo que fez com que essa chama se propagasse com rapidez", disse Palumbo.
"E a própria estrutura do prédio, sem os elevadores, formando essa chaminé, fez com que causasse o incêndio de forma generalizada na edificação."
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