O preço da violência: quanto os brasileiros pagam por não viverem em paz?

7 fev 2017 - 18h21
A cada ano, cerca de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil
A cada ano, cerca de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Desde o começo do ano, mais de 130 pessoas perderam a vida em meio aos conflitos que se multiplicam nos presídios, mortes que são apenas o aspecto mais evidente da crise crônica de violência vivida pelo país.

A cada ano, cerca de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil, o que equivale a uma taxa de 29 homicídios por 100 mil habitantes, números excepcionalmente altos para um país que não está em guerra, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

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Para tentar entender o custo econômico que a violência impõe aos brasileiros, a BBC Brasil conversou com especialistas que organizam diferentes estudos sobre o assunto.

Os levantamentos apontam impactos que podem oscilar de 3,78% a 13,5% de toda a riqueza produzida anualmente, dependendo dos fatores avaliados. Mas independentemente da proporção percentual, trata-se de centenas de bilhões de reais saídos dos bolsos dos brasileiros.

Na última sexta, foi divulgado um relatório do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que estimou o gasto com violência em 16 países da América Latina e Caribe.

O estudo mostrou que em 2014 o crime custou ao Brasil 3,78% do seu PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a US$ 124 bilhões (R$ 386 bilhões).

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Segundo o relatório, os gastos públicos com crime são seis vezes maiores do que os investimentos com o programa social Bolsa Família, por exemplo.

O estudo ressalta ainda que seu cálculo é conservador - avalia o impacto dos homicídios em 0,23% do PIB, enquanto um estudo do pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, sugere 0,61%. "O custo dos homicídios pode ser consideravelmente mais alto que as nossas estimativas", diz o documento.

Para Cerqueira, o banco se ateve a estimativas modestas porque é necessário encontrar uma referência padronizada entre todos os países pesquisados para poder traçar um comparativo.

"Talvez, para acomodar todas essas nações, eles não cheguem a calcular muitos detalhes, como nós fizemos em outros estudos", sugere.

O economista contribuiu para o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que na edição de 2014 estimou o gasto do Brasil com segurança em 5,4% do PIB. Nessa soma entram policiamento, prisões e unidades de medidas socioeducativas - mas ficam de fora investimentos militares, por exemplo.

Cerqueira afirma que os valores mais atuais excedem essa estimativa: "Pelos meus cálculos, o custo da violência hoje está em 5,9% do PIB. Desses, 1,4% é gasto com segurança, 0,4% é gasto com sistema prisional. Outros 2,5% é o custo intangível, que tem a ver com as mortes por homicídios. Além disso tem 1,6%, que é a soma dos custos com segurança privada e com seguro."

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Índice mundial

O principal estudo mundial sobre o tema, o Índice Global da Paz, inclui o orçamento das Forças Armadas em seu cálculo.

O ranking anual é publicado pelas ONGs Vision of Humanity e Instituto para Economia e Paz. De acordo com a última edição, o Brasil está na posição 105 entre 162 países - um retrocesso em relação à centésima posição obtida em 2015.

O relatório serve de base para um estudo mais detalhado, chamado O Valor Econômico da Paz, que afirma que a violência custa ao mundo anualmente US$ 13,6 trilhões, ou US$ 1.876 dólares por pessoa, em valores ajustados por paridade de poder de compra.

Desse montante, US$ 1,79 trilhões estão relacionados a homicídios, tipo de violência preponderante na América Latina e no Brasil.

Esse levantamento explora o conceito de "preço" da violência em custos diretos e indiretos e avalia que o Brasil perdeu em 2016 mais de US$ 338 bilhões - ou seja, mais de R$ 1 trilhão - com o problema.

Por esse cálculo o Brasil, desperdiça cerca de 13,5% do seu PIB com violência. Na média são US$ 1.640, ou R$ 5.140, para cada cidadão ao ano.

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Nesse número estão contabilizados gastos diretos com orçamento militar, policial, judicial e em saúde pública, além de perdas indiretas como o prejuízo da queda em produtividade de sobreviventes traumatizados.

O cálculo também estima a redução do desenvolvimento econômico gerado pelo conflito prolongado e pela perda de vidas produtivas.

"A violência contínua destrói o capital humano e físico, o que por outro lado restringe o ambiente de negócios, dificultando a construção de uma paz duradoura", explica Camilla Schippa, pesquisadora do instituto.

Segundo ela, o homicídio custa muito caro para países emergentes, como o Brasil e o México.

"As empresas precisam investir na proteção de seus funcionários com câmeras de segurança, guardas, seguros, etc. É um custo que torna o país menos competitivo, pois esse dinheiro poderia estar indo para aumento de produção, pesquisa e desenvolvimento. Nosso relatório mostra que altos níveis de violência afetam negativamente o investimento estrangeiro direto, o turismo e afins."

Perda econômica

Mas o modo como os custos diretos estão avaliados nesse levantamento não são necessariamente uma perda econômica, avalia o professor Paulo dos Reis, diretor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP.

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"No caso do Brasil, não estamos em guerra com nenhum país, mas há um custo enorme de administração dessa violência. Gastos com presídio, com toda a infraestrutura de segurança pública, com a manutenção do nosso parque militar, tudo isso faz parte da avaliação", diz.

"O relatório parte do pressuposto de que isso tudo seria um desperdício de dinheiro, mas essa é apenas uma perspectiva. Certamente há outra perspectiva mais esclarecedora, que é a seguinte: não se tratam de gastos errados, ou desperdício, é simplesmente uma questão de prioridades", acrescenta.

"Obviamente, em situações de violência há grupos que ganham com isso. Ou seja, existe gente lucrando, realmente ganhando muito dinheiro com essas dimensões da violência social."

Em resposta à crise penitenciária, o presidente Michel Temer anunciou R$ 900 milhões para ajudar na construção de presídios em 25 unidades da federação.

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"O estudo tem uma proposta política de apontar o que seria uma irracionalidade do gasto público de não investir em capacidade produtiva", diz. "Mas quando olhamos a situação e pegamos as empresas privadas que fornecem serviços, veja bem, elas estão lucrando. Há agentes, pessoas, instituições, grupos que lucram em situações que esse relatório avaliaria como desperdício de dinheiro."

O levantamento afirma que existe um equilíbrio ideal entre a necessidade de se gastar com segurança para garantir a paz e o aporte irracional de recursos em militarização.

"Nenhum país que investe menos de 0.8% do seu PIB em segurança interna está entre os 42 mais bem colocados no ranking. Por outro lado, nenhum país que investe mais de 2% do seu PIB em segurança está entre os 20 mais pacíficos", diz o documento.

"Compreender o nível ideal de contenção da violência é importante para melhorar os níveis de paz", acrescenta.

"Sem dúvida, a violência é um negócio. Não só do lado de segurança, mas também do lado ilícito do mercado de drogas. Mercado ilícito e crime organizado só funcionam se existir corrupção do Estado. Tem muita gente ganhando de todos os lados", reforça Cerqueira, do Ipea.

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Custo para a indústria

Um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), divulgado em novembro, avaliou que as empresas perdem quase 4,2% do seu faturamento com o problema.

"A cada ano R$ 130 bilhões deixam de ser investidos na produção industrial em função da violência no país", afirmou à BBC Brasil Renato Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa e Competitividade da entidade.

A estimativa está baseada em relatório de 2009 do Banco Mundial, com valores corrigidos para 2016. O montante representa o volume que a indústria de transformação gasta com custos de segurança privada e perdas decorrentes de vandalismo e roubo de carga.

"A CNI foi estudar isso por causa da produtividade. Como o Estado não entrega o serviço de segurança pública, você tem empresas que precisam absorver esses custos. Ao invés de investir em uma nova máquina, o empresário tem que investir em uma cerca elétrica, em uma escolta armada. É como burocracia, é difícil se precificar esse custo."

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Segundo a entidade, a demanda por segurança privada está crescendo - entre 2004 e 2014, os empregos no setor tiveram uma alta média de 7,2% ao ano.

Soluções

Cerqueira, do Ipea, concorda com a ligação entre a violência acarreta e uma piora no cenário econômico do país. Para ele, a educação é a solução a longo prazo.

"A redução de 1% na taxa de desemprego e evasão escolar dos homens jovens, de 15 a 29 anos, contribui para o recuo da taxa de homicídio de 2,5%", exemplifica.

Autor do Mapa da Violência, o professor e pesquisador Júlio Jacobo Weiselfisz reforça essa recomendação: "Até hoje a humanidade não inventou melhor forma de mecanismo de inclusão social e mitigação da violência que a própria educação".

Em um levantamento que relaciona nível escolar com a criminalidade, Jacobo concluiu que jovens na faixa de 15 a 19 anos de idade têm uma taxa de homicídio de 44 por grupo de cem mil habitantes - muito superior à média geral de 29.

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E dentro desse grupo, a diferença entre os indivíduos com maior e menor educação é brutal.

"Jovens de 15 a 19 anos de idade com 0 a 3 anos de estudo (analfabetos ou com alfabetização deficitária) têm 4.473% mais chances de morrerem assassinados do que aqueles que têm pelo menos 12 anos de estudo (finalizaram o Ensino Médio ou mais)", afirma o estudo.

"De forma proporcional ao tamanho de ambos os universos, para cada um jovem com estudo superior que é vítima de homicídio, morrem outros 46 analfabetos", completa.

"Todos os trabalhos são unânimes em apontar que a educação é o grande caminho de saída do crime. A médio e longo prazo, se não tivermos educação de qualidade para um grande contingente de pessoas, que estão marginalizadas no sistema econômico, a gente não vai dar conta. Somente policiamento e coerção não adianta", diz Cerqueira.

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