Depois de faltar a quatro convocações do Ministério Público do Rio alegando emergências médicas, Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, enfim deu explicações formais - por escrito - sobre suas movimentações financeiras atípicas.
Em documento enviado à Promotoria fluminense, Queiroz afirmou que fazia "gerenciamento financeiro" dos salários recebidos pelos outros funcionários do gabinete para ampliar, informalmente e sem o conhecimento de Flávio, a base de funcionários ligados ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. A informação foi divulgada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" nesta sexta-feira.
Segundo o jornal, Queiroz negou que tenha embolsado o dinheiro. Ele afirmou que buscava "ampliar a rede de colaboradores" que atuavam na base eleitoral do então deputado, hoje senador, a partir do salário de alguns funcionários do gabinete.
Como Queiroz passou a ser investigado?
Queiroz se tornou alvo de investigadores depois de o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro, identificar movimentações atípicas em suas contas durante uma investigação ligada à Operação Lava Jato.
Segundo o Coaf, Queiroz movimentou quase R$ 7 milhões em três anos, enquanto sua renda mensal gira em torno de R$ 20 mil. Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, ele recebeu depósitos e fez saques num valor total de R$ 1,2 milhão - movimentação que seria incompatível com seu patrimônio e ocupação.
O órgão também descobriu que outros funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro repassavam dinheiro a Queiroz, na maior parte das vezes em datas próximas ao dia de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio. O Ministério Público fluminense, que assumiu a investigação, suspeita que o ex-assessor embolsava o dinheiro para si mesmo ou repassava a quantia para Flávio.
A movimentação financeira de Queiroz começou a ser analisada durante uma investigação que buscava identificar assessores legislativos que pudessem estar ligados a um suposto esquema de pagamento de propina a deputados estaduais no governo de Sérgio Cabral, que está preso. O Ministério Público Federal não encontrou indícios de que as transações tenham relação com o esquema central da Lava Jato, mas há suspeitas de que crimes possam ter sido cometidos.
O que ele disse ao Ministério Público?
Em seu depoimento por escrito à Promotoria, o ex-assessor Fabrício Queiroz confirmou que os funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositavam parte de seus salários em sua conta, segundo o portal G1, que também teve acesso ao documento do depoimento.
Segundo o documento enviado ao MP-RJ, ele "entendeu que a melhor maneira de intensificar a atuação política seria a multiplicação dos assessores de base eleitoral, valendo-se, assim, da confiança e da autonomia que possuía para designar vários assistentes de base, a partir do gerenciamento financeiro dos valores que cada um destes recebia mensalmente".
Queiroz afirmou que "jamais se beneficiou de qualquer recurso público para si ou terceiro" e que "sempre buscou preservar a finalidade pública dos recursos oriundos da remuneração de assessores parlamentares que - sempre por ajuste prévio, livre e espontâneo - foram postos sob sua administração, ao idealizar, organizar e gerir rede de colaboradores informais de sua confiança, modicamente remunerados por atividades externas clara e firmemente alinhadas com a atividade-fim parlamentar."
De acordo com essa defesa, com o salário de apenas um assessor, ele "conseguia designar alguns outros assessores para exercer a mesma função, expandindo, dessa forma, a atuação parlamentar do deputado".
Sua defesa, no entanto, não deu informações sobre quem seriam essas pessoas contratadas, quantas seriam, em quais datas, e como seria feito essa pagamento - mas afirma que vai apresentar os nomes no futuro, segundo a Folha de S. Paulo.
Queiroz também disse que exercia atividades econômicas que lhe rendiam uma "renda extra", como serviço de segurança particular e compra e venda de carros e eletrônicos, e que administrava os salários de sua filha e de sua mulher.
Em entrevista ao SBT, Queiroz afirmou: "Eu sou um cara de negócios. Eu compro e revendo. Compre e vendo carros. Gosto de comprar carros de seguradoras, mando arrumar e vendo".
'Desconcentração de parte de sua remuneração'
O ex-assessor afirma acreditar que "agiu de forma lícita" porque o objetivo era "multiplicar e refinar os meios de escuta da população por um parlamentar".
Ele diz também que os superiores não tinham conhecimento nenhum do esquema.
"Queiroz nunca reputou necessário expor a arquitetura interna do mecanismo que criou ao próprio deputado e ao chefe de gabinete", porque tinha "elevado grau de autonomia no exercício de sua função, resultante de longeva confiança que nele depositava o deputado", diz o documento, segundo a Folha de S. Paulo.
Flávio Bolsonaro negou, em diversas ocasiões, ligação com qualquer tipo de irregularidade.
O ex-assessor do hoje senador afirma que procura a "concordância prévia das pessoas que indicava para as funções quanto à desconcentração de parte de sua remuneração" e que "o emprego dos recursos se revestia de evidente finalidade pública".
Um depoimento dado ao Ministério Público do Rio por um dos servidores do gabinete, no entanto, trazia uma versão diferente dos repasses. Agostinho Moraes da Silva disse que depositava dois terços do salário na conta do ex-assessor como "investimento" em um negócio de venda de carros.
A BBC News Brasil procurou a assessoria da Flávio Bolsonaro, que disse que "não haverá nota oficial sobre o assunto" por parte do senador.
Segundo o G1, o documento enviado por Queiroz ao MP afirma que o ex-assessor, que também trabalhava como motorista e segurança, conheceu Flávio Bolsonaro nos anos 1980 e foi convidado em 2007 a trabalhar em seu gabinete na Alerj.
"O então deputado sempre teve grande apoio em setores da segurança pública e Forças Armadas. Para atender a esta base eleitoral, foi confiada a relação superior e institucional ao chefe de gabinete parlamentar. (...) De outro lado, porém, ainda se fazia necessário ter alguém na organização e com trânsito na base de tais instituições. É neste contexto que se apresenta o peticionante [Queiroz], que fora paraquedista do Exército Brasileiro e era sargento da Polícia Militar", diz o depoimento.
Veja também: