Organizações não governamentais internacionais e associações de jornalismo criticaram a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, nesta terça-feira (21).
O MPF denunciou o americano por associação criminosa, argumentando que ele participou ativamente dos crimes de invasão de aplicativos de mensagens de autoridades públicas, ao ter supostamente orientado hackers a apagado arquivos "para dificultar as investigações".
A Anistia Internacional (AI) qualificou a denúncia como "profundamente grave", afirmando que o caso representa "uma escalada da ameaça à liberdade de imprensa" no país. "Causam-nos estranheza as informações de que Glenn Greenwald foi denunciado sem sequer ser investigado", ressaltou, em nota, a organização.
A ONG União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), dos Estados Unidos, pediu a imediata condenação da denúncia por parte do governo americano. "Nosso governo deve condenar imediatamente esse ataque ultrajante à liberdade de imprensa e reconhecer que os seus ataques às liberdades de imprensa em casa têm consequências para os jornalistas americanos que trabalham no exterior, como é o caso de Glenn Greenwald", escreveu a ACLU no Twitter.
Também a Electronic Frontier Foundation (EFF), que luta pela liberdade de expressão, defendeu Greenwald, classificando a denúncia como "ameaça à democracia".
A Freedom of the Press Foundation, que tem como seu membro fundador o próprio Greenwald, fala em "tática de intimidação" e diz, em nota, que o americano "lutou bravamente pela liberdade jornalística ao longo de toda a sua carreira". Também descreve a denúncia como fruto de "uma escalada doentia dos ataques autoritários do governo Bolsonaro à liberdade de imprensa e ao Estado de direito".
O texto, assinado pelo diretor executivo da entidade, Trevor Timm, pede que o governo brasileiro "interrompa imediatamente a sua perseguição a Greenwald e respeite a liberdade de imprensa".
Edison Lanza, relator da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão, afirmou no Twitter haver na denúncia contra Greenwald "preocupantes implicações para a liberdade de expressão".
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou comunicado analisando trechos da denúncia e refutando os argumentos do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, que a assina. A entidade diz que a denúncia tem "como único propósito constranger" o jornalista e "é baseada em uma interpretação distorcida das conversas do jornalista com sua então fonte".
Para a Abraji, o MPF abusa de suas funções "para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos".
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) afirma que o MPF "ignora a Constituição" ao denunciar Greenwald. "Ao jornalista não cabe o papel de recusar ou não divulgar informações de interesse público, porque obtidas de fontes anônimas e/ou sigilosas. Igualmente, não é dever do jornalista atestar a legalidade da obtenção das informações e, sim, verificar a veracidade das informações, antes de divulgá-las à sociedade", afirma a entidade, em comunicado.
A denúncia
O MPF denunciou na terça-feira sete pessoas, incluindo o jornalista americano Glenn Greenwald, num inquérito sobre invasão de aplicativos de mensagens de autoridades. Greenwald foi denunciado mesmo sem ter sido investigado ou indiciado.
A denúncia alega ter encontrado indícios de que o grupo, supostamente composto por hackers, formou uma organização que executou crimes através de fraudes bancárias, invasão de dispositivos informáticos e lavagem de dinheiro.
O MPF argumenta que, durante a análise de um computador portátil apreendido, foi encontrado um áudio com um diálogo entre Greenwald e o suspeito Luiz Molição que comprovaria o envolvimento do jornalista no crime.
Para o MPF, Greenwald teria aconselhado Molição a apagar as mensagens que já tinham sido transmitas ao jornalista, "caracterizando clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística numa imunidade para orientação de criminosos".
O procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, que assina a denúncia, é o mesmo que denunciou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, em dezembro de 2019, por calúnia contra o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Na semana passada, a Justiça rejeitou a denúncia.
Em 2019, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu uma liminar impedindo a investigação do americano pela operação Spoofing, sobre as ações do grupo de hackers, a fim de "garantir a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística".
Mensagens vazadas pelo Intercept
No ano passado, o Intercept divulgou uma série de mensagens atribuídas a Moro e a procuradores da Operação Lava Jato, que levantaram suspeitas de conluio entre o ex-juiz e o MPF na condução de inquéritos e ações penais contra réus como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
As mensagens, que teriam sido obtidas ilegalmente por hackers, indicam que o então juiz teria, entre outras coisas, orientado ilegalmente ações da Lava Jato, como negociações de delações, cobrado novas operações e até pedido para que os procuradores incluíssem uma prova num processo.
As mensagens também revelaram que os procuradores cogitaram investigar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e tiveram inicialmente dúvidas em relação à delação de um empreiteiro que incriminou Lula. Outras mensagens indicam que o procurador Deltan Dallagnol também tentou aproveitar a exposição pública proporcionada pela Lava Jato para lucrar no mercado de palestras.
Investigações da Polícia Federal apontavam que os celulares de Moro e dos procuradores teriam sido hackeados. Um dos investigados, o hacker Walter Delgatti Neto, afirmou em depoimento que repassou o conteúdo das conversas para Greenwald.