Enquanto São Paulo e Rio de Janeiro elevam o tom na maior disputa por água de que se tem notícia no país, órgãos federais tentam apaziguar os ânimos e evitar que o conflito chegue aos tribunais. O temor é que uma radicalização do embate encoraje outros Estados a também recorrerem à Justiça para resolver disputas hídricas com vizinhos. "Nosso papel é estimular um debate técnico e evitar a politização", diz à BBC Brasil Rodrigo Flecha, superintendente de regulação da Agência Nacional de Águas (ANA).
A ANA tem, entre suas principais funções, mediar conflitos que envolvam rios da União que atravessam mais de um Estado. É o caso do Paraíba do Sul, alvo do desentendimento entre Rio e São Paulo.
Outro órgão que acompanha a disputa com atenção é o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), instância máxima na gestão das águas do país. O secretário-executivo do órgão, Ney Maranhão, diz que Rio e São Paulo precisam chegar a um consenso quanto à gestão de suas águas. "Os Estados precisam sentar à mesa e elaborar um sistema que seja confortável para os dois lados", afirma Maranhão, que também é secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente. "Uma situação dessa natureza não pode ser discutida emocionalmente".
Agricultura
Segundo Flecha, da ANA, a agência tem mecanismos para facilitar o entendimento entre Estados. Para evitar que um Estado seja afetado pelos planos hídricos de um vizinho, por exemplo, a agência pode estabelecer restrições a esses planos ou compensações ao Estado prejudicado.
A ANA já mediou outros desentendimentos entre Estados, entre os quais a disputa entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba pelas águas da bacia do Piranhas Açu. O rio, que nasce na Paraíba, abastece cerca de 1,5 milhão de pessoas em 147 municípios dos dois Estados. O Rio Grande do Norte se queixava do volume de água que chegava ao Estado, e a ANA definiu uma vazão mínima a ser liberada pela Paraíba. Para isso, os paraibanos tiveram que passar a exercer maior controle sobre as licenças para a extração de água.
Tanto naquela região quanto em outras áreas do país, os desentendimentos quanto ao uso da água têm relação direta com a expansão da irrigação na agricultura. Na bacia do rio São Marcos, maior área de agricultura irrigada do país, lavradores de Goiás e Minas Gerais disputam licenças para extrair água para suas terras. O conflito envolve ainda a hidrelétrica de Batalha, gerida pela empresa Fqrnas. A companhia diz que o uso intensivo de água para irrigação tem prejudicado a operação da usina. A ANA negocia com os envolvidos uma solução.
Para Flecha, novas disputas poderão ocorrer à medida que a irrigação se expandir ainda mais pelo país. Ele diz que o Brasil hoje tem cerca de 5 milhões de hectares irrigados, mas que há potencial para irrigar outros 25 milhões. "Imagina que tipo de conflito teremos no país se não nos anteciparmos e criarmos regras para usos múltiplos da água".
Para o secretário nacional de recursos hídricos, Ney Maranhão, é preciso ter maior controle sobre as licenças para irrigação. "Nas áreas com potencial para agricultura irrigável, temos de mapear a disponibilidade de água e estabelecer certos limites", ele diz.
Maranhão afirma que os órgãos públicos que gerenciam o uso da água devem se coordenar com agricultores para minimizar prejuízos em caso de secas. "Ao se detectar que haverá menor oferta de água, é melhor que o agricultor plante menos, mas consiga irrigar e colher sua produção, do que perca boa parte do plantio por causa da falta de água".
Reutilização
Maranhão defende ainda que agricultores usem métodos de irrigação que poupem água e que privilegiem plantas adequadas ao clima de sua região. Ele cita o caso do Ceará, onde lavradores costumavam plantar arroz, cultura que exige bastante água. Com o tempo, porém, decidiram substituir as plantações por produtos mais adaptados à região, como coco, manga e goiaba. "Não faz sentido gastar um monte de água para produzir algo que você pode comprar de fora pagando menos".
Para o secretário, o Brasil deve ainda investir na reutilização da água, técnica que praticamente inexiste no país. Na Califórnia, diz ele, já se testa o reaproveitamento de água tratada de esgoto em indústrias ou para fins que não ponham a saúde humana em risco. Outra ação prioritária, segundo Maranhão, é despoluir rios que cruzam grandes cidades. "É inadmissível que uma cidade como São Paulo não possa usar a água do Tietê ou do Pinheiros porque estão poluídos e tenha que buscar água lá longe. Por muito tempo não protegemos nossos rios, mas agora precisamos recuperar esse passivo para o futuro".