Os 2,8 mil candidatos multados por danos ao meio ambiente

Levantamento da BBC News Brasil mostra que ao menos 2,8 mil políticos que disputam cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador neste ano já foram autuados por infrações ambientais ao menos uma vez.

26 set 2024 - 06h21
(atualizado às 07h38)
Incêndio na Floresta Amazônica em Apuí, no Amazonas
Incêndio na Floresta Amazônica em Apuí, no Amazonas
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O meio ambiente não costuma ser o assunto mais lembrado por eleitores na hora de escolher seus prefeitos e vereadores. As prioridades, segundo pesquisas, são assuntos como saúde, educação e segurança pública.

Para alguns candidatos, talvez seja melhor assim.

Publicidade

Um levantamento feito pela BBC News Brasil mostra que ao menos 2,8 mil políticos que disputam cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador nas eleições deste ano já foram autuados por infrações ambientais ao menos uma vez.

Mesmo assim, alguns ainda prometem defender o meio ambiente em seus planos de governo. Há ainda os que apresentam planos de governo que prometem afrouxar a legislação ambiental local.

Em alguns casos, as infrações acontecem até mesmo em outros Estados, longe da atenção de suas bases eleitorais.

É possível que este número de autuados seja ainda maior. Para chegar aos nomes, a BBC News Brasil cruzou dados de filiação partidária e CPF dos candidatos, mas nem todos estavam disponíveis publicamente.

Publicidade

Neste ano, pela primeira vez, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) removeu essas informações de suas bases de dados.

As infrações incluem, por exemplo, garimpo dentro de unidades de conservação, desmatamento ilegal, criação e comércio de gado dentro de áreas proibidas, descumprimento de embargos, dentre outros.

Uma infração administrativa não representa uma condenação. Os autuados podem recorrer tanto dentro do próprio processo administrativo como na Justiça. Muitos casos correm por anos até que haja uma decisão final.

São mais de R$ 500 milhões em multas, ao todo, somando as infrações aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Não foram consideradas multas aplicadas por órgãos estaduais ou municipais.

Uma reportagem da Agência Pública mostrou que parte desses autuados já ocupam cargos na administração pública e buscam a reeleição.

Publicidade

Os autos aparecem em todas as regiões do país. Os Estados com mais casos são Minas Gerais (624), Pará (409) e Mato Grosso (287).

No Rio Grande do Sul, que em 2024 enfrentou a maior tragédia climática de sua história, com quase 200 pessoas mortas e 400 municípios engolidos pela chuva, ao menos 103 candidatos foram multados pelo Ibama, com infrações que incluem destruição de vegetação nativa em área preservada e pesca ilegal.

André Carvalho, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) e Pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces), diz que as infrações não afetam necessariamente a popularidade de um candidato.

Podem, inclusive, fortalecer um determinado tipo de discurso, diz Carvalho.

"É uma espécie de efeito Ricardo Salles [ex-ministro do Meio Ambiente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja gestão foi marcada por afrouxar regras ambientais], quando o político fala que alguma coisa do ordenamento ambiental é obsoleta e acaba virando uma alternativa de voto para pessoas que pensam da mesma forma pela agenda antiambiental", aponta Carvalho.

O professor faz referência à fala de Salles durante uma reunião ministerial em 2020 durante a pandemia, quando defendeu: "Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas".

Publicidade

O ex-ministro se elegeu deputado federal pelo PL em 2022 como o quarto mais votado em São Paulo.

No ano passado, ao comentar a declaração, Salles disse que sua fala foi "propositalmente manipulada" por algumas pessoas e afirmou que defendeu desburocratizar o governo, o que "infelizmente" não conseguiu fazer.

Candidatos recordistas de multas nas cidades com mais queimadas

As cidades com mais autuados são aquelas já historicamente afetadas por uma grande quantidade de crimes ambientais e que figuram entre as que mais registram episódios de queimadas.

O ex-prefeito de Apuí (AM) e candidato ao mesmo cargo na cidade, Antonio Marcos Maciel Fernandes, o Marquinhos Maciel (MDB), lidera essa lista com ao menos 22 multas, que somam mais de R$ 26 milhões.

Os casos se distribuem em uma longa série histórica — a primeira multa foi em 1999 e a mais recente, em 2021, e quase todas dizem respeito a desmatamento.

Publicidade

O plano de governo do candidato e ex-prefeito, na área específica de meio ambiente, destaca a implementação de "projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, promovendo a conservação das florestas e dos recursos naturais."

Maciel diz à BBC News Brasil que o Ibama "errou demais" em apontar as infrações: "Fui, ao contrário do que se poderia imaginar, o prefeito que mais investiu em preservação".

O candidato afirma também que, desde 2005, não se envolve diretamente com pecuária.

"O que falta em nossa região é legalização fundiária, isso traria segurança jurídica, estabilidade e recuperação ambiental com adequação do que é área produtiva e área de preservação", diz Maciel.

Apuí é uma cidade com pouco mais de 20 mil habitantes, localizada no interior do Amazonas, e figura entre os dez municípios com mais focos de queimadas no país (mais de 4 mil somente em 2024), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Publicidade

Maciel foi eleito na cidade em 2008, com 3,3 mil votos, mas não se reelegeu.

A cidade foi citada em uma operação da Polícia Federal (PF) que investiga um esquema de fraudes fundiárias, que resultaram na apropriação ilegal de mais de 500 mil hectares de terras públicas.

As autoridades identificaram que criminosos usavam emissão de certidões ideologicamente falsas emitidas por servidores públicos no Estado.

As atividades ilegais incluíam exploração florestal e pecuária em áreas protegidas, venda ilegal de madeira, dentre outros.

Em São Felix do Xingu (PA), cidade que mais registra focos de queimada do país, quatro dos cinco candidatos à Prefeitura foram multados — incluindo o próprio prefeito, João Cleber de Souza Torres, que disputa a reeleição.

Entre 2014 e 2024, Torres já recebeu mais de R$ 9 milhões em sanções relacionadas à destruição de mata nativa e descumprimento de embargos.

Publicidade

Os outros candidatos somam mais de R$ 14 milhões por infrações semelhantes.

Torres esteve em evidência no noticiário nacional quando, em outubro de 2023, o governo federal anunciou uma operação para expulsar invasores da Terra Indígena Apyterewa, na região da cidade administrada por ele.

Torres, segundo o Ministério Público Federal do Pará, publicou vídeo nas redes sociais incentivando a população a "resistir" à reintegração de posse na área.

O órgão chegou a pedir o afastamento de Torres, afirmando que a própria Prefeitura tentou apoiar a ocupação irregular da terra indígena.

A BBC News Brasil tentou entrar em contato com o prefeito pelos meios indicados no site oficial da Prefeitura, sem sucesso.

O procurador-geral do município, Walter Wendell, disse à reportagem que não poderia comentar a situação de Torres.

Candidatos receberam multas longe da base eleitoral

As irregularidades ambientais apontadas pelos órgãos não aconteceram, necessariamente, na mesma cidade ou nem mesmo no mesmo Estado em que os candidatos disputam a eleição.

Publicidade

A BBC News Brasil identificou mais de 400 multas em Estados diferentes daqueles onde o político autuado é candidato.

Um desses casos é de Romero Jatobá Cavalcanti Neto, o Romerinho Jatobá, do PSB, mesmo partido do prefeito de Recife, João Campos.

Jatobá é candidato à reeleição como vereador em Recife e atual presidente da Câmara Municipal.

Somadas, as multas do candidato passam de R$ 17 milhões, um dos valores mais altos da lista apurada pela reportagem, e dizem respeito a casos que aconteceram em 2020, quando, segundo o Ibama, ele teria impedido a regeneração de vegetações com a criação de gado, além de descumprir embargos impostos pelas autoridades.

Os casos aconteceram em Altamira, no Pará. O candidato não declarou nenhuma propriedade no Estado ao TSE, mas os servidores do Ibama dizem haver evidências de que a fazenda onde foi autuada a infração é dele e de sua família.

A BBC News Brasil teve acesso a um dos processos contra o político, que afirma que a fazenda seria gerenciada pelo vereador e por seu pai, Romero Jatobá Cavalcanti Filho.

Publicidade

Foram anexadas ao processo imagens de animais com marcações de ferro com as iniciais RR, que, segundo o Ibama, "associam aos nomes Romero, pai, e Romerinho, filho", bem como RF, de Romero Filho.

Havia também marcas com as iniciais SM, que seriam associadas ao nome da mãe do candidato, Maura de Sá, segundo os fiscais.

Os servidores do Ibama também entrevistaram funcionários no local quando houve a fiscalização em busca de informações sobre os proprietários.

A defesa de Jatobá nega que ele tenha qualquer relação com o imóvel rural envolvido no processo em questão.

Em nota para a BBC News Brasil, diz que houve erro do Ibama fruto de uma pesquisa equivocada no Google em busca do dono da fazenda.

Afirma ainda que o vereador jamais foi proprietário da terra ou do gado lá encontrado e que já tomou medidas para anular as multas mencionadas.

Trecho de relatório do Ibama com imagem de uma evidência para acusar Cavalcanti Neto de ser dono da fazenda. Segundo os fiscais, a sigla marcada representaria a família do político.
Foto: Reprodução/Ibama / BBC News Brasil

Candidatos na cidade do 'Dia do Fogo' prometem legalizar garimpo

Área desmatada na Floresta Nacional do Jamanxim, na Amazônia paraense
Foto: Amanda Perobelli/Reuters / BBC News Brasil

O município de Novo Progresso, no Pará, cidade que recebeu atenção nacional no episódio do "Dia do Fogo" em 2019, tem somente dois candidatos a prefeito: Gelson Dill, do MDB, e Juscelino Alves, do Podemos.

Publicidade

O plano de governo de ambos prevê, em alguma medida, facilitar e "legalizar" atividades de garimpo na região.

O "Dia do Fogo" é como ficou conhecido uma série de incêndios florestais em Novo Progresso entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019.

Dill, atual prefeito que busca a reeleição, diz em seu plano de governo que o garimpo faz parte do desenvolvimento das atividades da região e que o poder executivo "não ficará omisso e vai implementar políticas em prol do desenvolvimento".

Promete fazer parcerias com os governos federal e estadual em busca de "regularização fundiária para o avanço do agronegócio" e a "legalização dos garimpos e mineradores".

Ele tem registradas em seu nome ao menos três multas do Ibama, que somam mais de R$ 2,5 milhões, por destruição de vegetação nativa e dificultar regeneração em um parque nacional, sanções dadas entre 2014 e 2022.

Publicidade

A reportagem enviou e-mail à Prefeitura pedindo um posicionamento sobre o governante, mas não obteve retorno.

Já o outro candidato, Juscelino Alves, prevê "desburocratização e apoio na legalização de áreas para exploração mineral do município, principalmente a garimpeira", bem como a criação de um programa chamado "Garimpeiro Legal".

A BBC News Brasil tentou contatá-lo por meio de suas redes sociais, mas não recebeu resposta.

Agenda ambiental é menos frequente em planos de governo; saúde e educação dominam

Gráfico com os temas mais citados por candidatos em seus planos de governo, com destaque para admnistração, educação e saúde.
Foto: BBC News Brasil

Os temas mais citados em planos de governo por candidatos a prefeito nas eleições deste ano são administração, educação e saúde.

O meio ambiente aparece em décimo segundo lugar em um ranking criado pela BBC News Brasil, em um total de 15 temas.

A reportagem baixou e organizou o texto dos planos de governo de candidatos em todo o Brasil.

A base de dados contém cerca de 15 mil planos — ficaram de fora apenas os que não estavam no site do TSE ou casos em que o texto não era legível por máquina.

Publicidade

Realizou-se então uma busca por palavras-chave que representam os temas mais comuns, como saúde e educação. Em saúde, por exemplo, usou-se palavras como hospital, médico ou ambulância.

Uma pesquisa realizada em agosto pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) já tinha mostrado que o tema ambiental é pouco lembrado entre eleitores.

Foi citado por 1% dos 2 mil entrevistados, número que oscila positivamente entre mulheres (2%) e jovens de 16 a 24 anos (3%).

Trabalhadores do PrevFogo, programa de extinção de incêndios florestais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e do ICMbio (Instituto Chico Mendes), trabalham para conter um incêndio em uma área verde da BR-319, no município de Careiro, Amazonas.
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

A análise da BBC News Brasil mostra que os candidatos também priorizam os temas de educação e saúde, os dois mais citados.

Ao filtrar para temas mais específicos, como mudanças climáticas ou crise climática e palavras-chave associadas ao assunto, o número de planos de governo caiu para menos da metade — pouco mais de 6 mil em todo o país.

Publicidade

Cerca de 1,6 mil planos de governo citaram enchentes, por exemplo. Só 130 citam o termo "aquecimento global".

No Rio Grande do Sul, esses assuntos ganharam atenção e atá centralizam os debates e propostas.

Na capital gaúcha, Porto Alegre, os dois candidatos mais bem posicionados na pesquisa Quaest divulgada em 17 de setembro, Sebastião Melo, do MDB, e Maria do Rosário, do PT, colocam a tragédia causada pelas enchentes em destaque em seus planos.

Melo, atual prefeito e candidato à reeleição, apresenta em seu plano um capítulo de nome "Reconstrução e adaptação climática", que traz feitos de sua gestão durante os dias mais intensos da catástrofe climática e também uma proposta para os próximos anos, que inclui um sistema de medição e alerta de riscos para a Defesa Civil e a implementação de um centro de monitoramento e previsão do tempo.

Já Maria do Rosário abre seu programa citando a tragédia e destaca que ela "foi construída pelo negacionismo e imobilismo diante das mudanças climáticas". Prevê, em suas promessas, fortalecer sistemas de proteção, criar estrutura pública para drenagem e proteção e desenvolver políticas "para uma cidade esponja".

Publicidade

A diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melisa Risso, diz que a agenda ambiental não deveria ser tratada de forma lateral no debate das eleições municipais.

"É a oportunidade que a gente não pode perder, nessas eleições, de trazer a agenda municipal como elemento central para uma discussão sobre o enfrentamento da emergência climática", diz Risso.

Para ela, é necessário fazer uma "tradução" de como fenômenos climáticos afetam a vida das pessoas na rotina das cidades, seja na zona rural ou urbana, lembrando os exemplos das enchentes no Rio Grande do Sul e queimadas em todo o país.

"A gente pensa em meio ambiente como questão de floresta, que não é intrínseca à cidade. Dadas todas as consequências que estamos vendo das mudanças climáticas, vemos que é sim uma agenda inerente às cidades", afirma Risso.

Publicidade

"É uma agenda transversal e central para pensar a cidade, com planejamento urbano e transição ecológica. Ainda não atualizamos o discurso sobre o que significa o meio ambiente na cidade para a realidade que se está vivendo hoje."

BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
TAGS
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações