Uma nova tentativa do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), de demitir o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, teria sido o estopim da nova crise entre o presidente da República e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Valeixo foi escolhido por Moro para o cargo e é considerado o braço direito do ministro.
Na quinta-feira (23), o ex-juiz federal da operação Lava Jato teria apresentado ao presidente da República um pedido de demissão — o que no entanto acabou não se concretizando.
O pedido de demissão foi noticiado pelo jornal Folha de S. Paulo e depois confirmado por vários outros veículos de imprensa.
Questionada, a assessoria de imprensa de Sergio Moro disse apenas que o ministro "não confirma o pedido de demissão" — sem no entanto negar enfaticamente.
Antes de Moro e Bolsonaro comentarem o assunto, interlocutores dos dois falaram — e o tom das intervenções não foi amistoso.
De Curitiba (PR), o procurador aposentado e ex-coordenador da Força-Tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima, disse que Moro deveria sim sair do governo.
"Bolsonaro não é correto, não tem palavra, deixou o ministro sem qualquer apoio no Congresso tanto nas medidas contra a corrupção quanto durante o episódio criminoso da Intercept (a série de reportagens conhecida como 'Vaza Jato'), e nunca foi um real apoiador do combate à corrupção", escreveu ele em sua página no Facebook.
Enquanto isso, um político que está próximo de Bolsonaro rompeu o silêncio e criticou abertamente Sergio Moro: para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), Bolsonaro deveria trocar não só o comando da Polícia Federal, como também o ministro da Justiça.
O governador de Brasília questionou o desempenho de Moro na pasta em entrevistas a alguns veículos de imprensa na tarde de quinta-feira. "O que ele fez até hoje de concreto?", perguntou o governador ao UOL.
"Moro nunca fez sequer um encontro para falar com os governadores sobre Segurança Pública. Ele não entende nada do assunto", disse. "Se sair, já vai tarde".
Ibaneis se reaproximou de Jair Bolsonaro depois que passou a defender a reabertura do comércio e o fim das políticas de isolamento social.
Segundo o jornal Valor Econômico, a gota d'água para o pedido de demissão de Moro teria sido uma reunião entre Bolsonaro e o emedebista, na quarta-feira (22).
A pauta principal do encontro teria sido a degola de Valeixo — Ibaneis teria proposto substituí-lo pelo atual secretário de segurança pública do DF, o também policial federal Anderson Torres.
Moro irritou-se por não ter sido informado diretamente a respeito da reunião. Ele só ficou sabendo do encontro porque um assessor seu o alertou para as tratativas entre Bolsonaro e Ibaneis, segundo a apuração do Valor Econômico.
Durante uma reunião na manhã de quarta-feira, Bolsonaro teria avisado Sergio Moro de que uma troca no comando da Polícia Federal aconteceria nos próximos dias.
Moro teria, então, condicionado sua permanência no posto de ministro da Justiça à continuidade de Maurício Valeixo no cargo.
Ainda segundo o jornal Folha de S. Paulo, coube aos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) a tarefa de demover Sergio Moro da ideia de abandonar o posto.
Durante uma videoconferência com superintendentes regionais da PF na tarde de quinta-feira (23), Valeixo teria dito que não guarda "apego" ao cargo de diretor da corporação, e que não iria defender "com unhas e dentes" a sua manutenção no posto. Ele já estaria conversando com Sergio Moro desde janeiro deste ano sobre a possibilidade de deixar o comando da PF, segundo o jornal Valor Econômico.
Sergio Moro também teria dito a pelo menos um parlamentar que pretende continuar no cargo.
À reportagem da BBC News Brasil, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) disse ter conversado com Moro no começo da tarde de quinta-feira (23), pouco depois da divulgação das primeiras notícias sobre a possível demissão do titular da Justiça. Moro teria dito a Augusto que continua no cargo, e que está mantida uma reunião entre os dois marcada para a próxima terça-feira (28).
Mesmo sem demissão, o episódio de quinta-feira ilustra a perda de protagonismo e força política de Sergio Moro. No começo da administração Bolsonaro, o titular da Justiça era considerado um "superministro", com amplos poderes. Desde então, vem por parte do presidente da República.
Quem é Maurício Valeixo
Maurício Valeixo é delegado da carreira da Polícia Federal, e foi anunciado por Sergio Moro como chefe da corporação ainda em novembro de 2018, antes mesmo da posse de Jair Bolsonaro como presidente da República.
Antes de tornar-se o diretor da PF, Valeixo era o superintendente da corporação no Paraná — que também é o Estado de origem de Sergio Moro, que considera o chefe da PF como o seu braço-direito no ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em Curitiba, ele atuou em várias fases da Lava Jato, operação pela qual Sergio Moro era responsável quando juiz federal. Uma das tarefas de Valeixo à frente da Superintendência da PF no Paraná foi coordenar os trâmites para a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em abril de 2018. Valeixo integra os cargos da Polícia Federal desde 1996.
Esta não é a primeira vez que Bolsonaro ameaça remover Valeixo do comando da Polícia Federal: em meados de 2019, Bolsonaro cogitou a demissão do chefe da Polícia. O ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi.