O presidente Jair Bolsonaro terminará o ano com uma longa lista de ex-super-aliados: pessoas que foram importantes no início do mandato, mas hoje estão afastadas ou rompidas politicamente com o Planalto.
Dos principais articuladores de Bolsonaro no Congresso, só dois continuam ao lado do Planalto: os líderes do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO); e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Todos os outros deixaram de trabalhar com o presidente.
Foi o que aconteceu com a então líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP); com o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP); e com Delegado Waldir (PSL-GO), então líder do PSL na Câmara - partido pelo qual Bolsonaro se elegeu.
Mas a lista vai muito além do time de articuladores no Congresso. Inclui desde antigos ministros como Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Santos Cruz (Secretaria de Governo) até o presidente do partido pelo qual Bolsonaro se elegeu, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE).
Alguns dos ex-aliados hoje criticam abertamente Bolsonaro, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP). Outros não costumam falar contra o presidente, mas se afastaram — caso do ex-coordenador de campanha do presidente no Nordeste, o deputado Julian Lemos (PSL-PB).
Como a 'lista de desafetos' afeta a política
Se três de quatro interlocutores do governo com o Congresso deixaram de trabalhar com o Planalto, cedo ou tarde a articulação política do governo começará a ser afetada, certo?
Mais ou menos. À BBC News Brasil, Joice Hasselmann (ex-líder do governo no Congresso) e Major Olímpio (ex-líder do Senado) dizem que continuarão votando com o governo por causa de uma afinidade com as ideias do Planalto — conservadorismo nos costumes e liberalismo na economia.
"Nós (PSL e Bolsonaros) fizemos uma campanha juntos. Levamos uma bandeira para o povo brasileiro. As pautas que forem comuns (entre o partido e o presidente) nós vamos continuar votando juntos", diz Major Olímpio à BBC News Brasil.
"Eu tenho visto maturidade, tanto da Câmara quanto do Senado. Não temos nos contaminado pela falta de articulação de setores do governo. Por exemplo: o presidente saiu do PSL; e, no entanto, eu estava agora (na última terça-feira, 17) fazendo a defesa da pauta do governo", diz o senador.
"E isso tem sido uma lógica dentro do Congresso. Mesmo sem ter articulação política, votamos a Previdência como um todo. Votamos a previdência dos militares. Então, as pautas que são fundamentais, que são caras ao país, nós não estamos nos contaminando por discussão de caráter político-partidário ou ideológico. E creio que vai continuar assim", diz Olímpio.
"As pessoas que ele afasta ou não, ele as escolheu. Portanto, está dentro do livre-arbítrio dele, do convencimento dele, dizer se mantém, ou não, a confiança. É de caráter pessoal, não dá para a gente fazer um juízo de valor", diz o senador.
Joice Hasselmann têm avaliação parecida — muitos políticos votam à favor dos projetos do governo por concordar com a agenda do Planalto —, mas sugere que o jeito ruidoso do presidente atrapalha o trabalho com o Congresso.
"A Câmara quer tocar as reformas (econômicas). Então, estamos fazendo as reformas apesar do presidente", diz ela.
"O estilo do presidente atrapalha muitas vezes a governabilidade. Faz com que haja atritos entre os poderes. Isso é claro e notório. É só olhar a retrospectiva do ano. A cada semana a gente tem uma pequena crise. Ou causada pelo Twitter, ou por uma declaração, uma reunião que vaza, então isso é muito ruim", diz Hasselmann à BBC News Brasil.
Joice Hasselmann se afastou do Palácio no "racha" do PSL, em outubro. Ela assinou uma lista contra a tentativa de Eduardo Bolsonaro de se tornar o líder do partido na Câmara. Em retaliação, foi removida da Liderança do Governo no Congresso. Dias atrás, fez um duro depoimento à CPMI das Fake News, no qual acusou o governo de ter gastado R$ 491 mil para difundir notícias falsas.
"Ninguém fica (no cargo) numa situação de absoluta falta de cumprimento de palavra, de acordos, de desrespeito aos outros poderes. Então, essa instabilidade se reflete no próprio trabalho dos líderes aqui dentro. O que você tem para trabalhar é a sua credibilidade, é o cumprimento da palavra. Não adianta o líder construir uma ponte todo dia e alguém do Palácio jogar uma bomba e destruir esta ponte", diz ela.
A impressão do analista político Thomas Traumann é menos otimista que a de Joice Hasselmann e Major Olímpio.
É apenas ocasional que a "lista de inimigos" ainda não tenha cobrado seu preço na forma de derrotas políticas mais sérias, diz ele.
"O governo tem uma base menor a cada mês, agora com a cisão entre PSL e Aliança (pelo Brasil, o novo partido de Bolsonaro). Isso vai cobrar um preço mais à frente", diz Traumann.
"O que foi aprovado pelo Congresso foi apenas o que o Rodrigo Maia (DEM-RJ, presidente da Casa) quis — reforma da Previdência, (privatização do) saneamento, (mudanças no) marco das telecomunicações. As medidas de segurança pública, como excludente de licitude, foram arquivadas. O pacote anticrime aprovado é o do ministro do STF Alexandre de Moraes, e não o do (ministro da Justiça, Sergio) Moro", disse ele à BBC News Brasil.
Traumann avalia ainda que o surgimento do Aliança pelo Brasil, novo partido criado por Bolsonaro e seus filhos, pode acabar acentuando as tensões com o Congresso mais à frente. "Para crescer, a Aliança terá de tomar espaço do DEM, do Republicanos, do PL etc. Partidos que hoje, se não apoiam o governo, ao menos não causam problema", diz ele.
Desavenças em série
O primeiro aliado removido do governo, ainda em fevereiro, foi o ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência. Depois de coordenar a campanha de Bolsonaro em 2018, o advogado carioca foi demitido após desentendimento com o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o filho "zero dois" do presidente.
Hoje no PSDB, Bebianno se tornou um crítico mordaz dos Bolsonaros. Carlos seria incapaz de "raciocínio com início, meio e fim" e Eduardo (deputado pelo PSL-SP) não passaria de "um surfista".
Assim como Bebianno, o hoje deputado federal Julian Lemos (PSL-PB) teve papel importante na campanha presidencial — coordenou a campanha do capitão da reserva no Nordeste, e tinha grande acesso ao presidente. Hoje, está distante dos Bolsonaros, e atribui a mudança ao comportamento dos filhos do presidente.
"Eu era muito próximo dele (Bolsonaro), o considerava um amigo. Porém, hoje, a gente segue apenas um alinhamento de pautas. Se houve um afastamento, não partiu de mim. Acredito que os filhos contribuíram muito para isso. Então, as minhas queixas hoje… acho que o que foi feito comigo não foi correto", diz ele à BBC News Brasil.
"Os filhos, de modo geral, não sabem lidar com o poder. Não estou falando aqui por mágoa, estou apenas constatando. Isso não é um problema meu, é um problema do presidente", diz Lemos.
"No meu caso específico, há uma narrativa, criada pelos filhos, de traidor. E eu acho que traidores, na verdade, são eles. Com as pessoas que os ajudaram", diz. "Já passei do meu limite de ficar calado. Agora, não levo mais pancada calado. Se me bater, vou bater também. Pode ser quem for", avisa Lemos.
Outro ex-ministro que fez críticas ao governo ao sair foi o chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz. Ele, que despachava de dentro do Palácio do Planalto, caiu depois de virar alvo de críticas do filósofo Olavo de Carvalho — que é próximo dos filhos do presidente e influencia o pensamento da ala mais ideológica do governo.
Santos Cruz tem evitado falar publicamente sobre o governo, mas já disse que a gestão de Bolsonaro era um "show de besteiras" e que presidente era "nota 5" em habilidade política.
A última leva de atritos — e de ex-aliados afastados — surgiu em outubro, quando Jair Bolsonaro tornou público seu desentendimento com o comando do seu partido de então, o PSL. Bolsonaro disse a um apoiador em frente ao Palácio da Alvorada para "esquecer" o PSL, e que o presidente da sigla, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE), estaria "queimado para caramba".
Em novembro, o presidente deixou a sigla, e 26 dos 53 deputados pesselistas anunciaram a intenção de segui-lo. Dos 27 restantes, uma parte se tornou crítica ao presidente.
Um destes é o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP). Durante o racha no partido, Bozzella se aproximou de Luciano Bivar — em novembro, foi escolhido como vice-presidente do partido.
Segundo Bozzella, Bolsonaro levou para a Presidência da República o mesmo estilo que mantinha enquanto estava no Congresso, o de um deputado de baixo clero. O que não necessariamente funciona para o comandante do país.
"Na função de Presidente da República, há um abismo para esse comportamento dentro do Congresso. Cada parlamentar aqui pode ter o seu estilo. O Parlamento é democrático. Pode jogar para a sua torcida. Só que quando você lidera uma nação, você tem que saber agregar. É preciso saber cuidar das diferenças e dos diferentes", diz ele.