Este é o dia 7 da tragédia no RS, dia 3 da tragédia em POA, e todos sabemos que vai continuar por algum tempo.
Você ouviu a respeito. O Rio Grande do Sul e Porto Alegre atravessam uma crise climática de proporções bíblicas, em que todos os números são gigantes, assustadores, superlativos. Os vários grandes rios que deságuam no Lago do Guaíba em Porto Alegre bateram recordes seculares, assim como o próprio Guaíba.
A barreira ao redor da cidade, um trabalho notável de engenharia e que resistiu à fúria das águas que cercam a cidade por 80 anos, lutou valentemente, mas cedeu dessa vez, gerando uma inundação absolutamente catastrófica que arrastou casas, vidas, bairros inteiros.
Aqui, do chão, é bem pior do que as notícias conseguem mostrar. Os helicópteros voando baixo, as sirenes, as grandes avenidas interditadas, barco atrás de barco chegando na Usina do Gasômetro com pessoas com hipotermia, os olhos vazios, em estado de choque. As histórias de perda, uma atrás da outra, a falta de água em quase toda a cidade, e de luz em metade dela, os barcos circulando por avenidas, antes cheias de vida, agora escuras e tristes.
No meio do caos, uma sequência de sentimentos atingiu a quase todos nós. Primeiro, a descrença. Não, isso não vai acontecer, não pode acontecer, não é possível que este monstro de lama continue alcançando mais e mais de nós, 7 cm por hora, sem nunca parar.
Depois, a dor. As centenas de história de impotência, injustiça, desespero, atingindo pessoas que conhecemos e que não conhecemos, mas às quais nos sentimos unidos em meio à tragédia.
E então, a ação. De uma hora para outra, ainda em meio as chuvas, a descrença e a dor, no escuro e com ruas fechadas, muitos de nós sentimos que talvez não daria pra fazer muita coisa, mas a pior de todas as coisas a fazer era nada. E nos levantamos.
A cidade toda foi tomada por uma onda intensa de energia, de solidariedade, de movimento. Todos os barcos, botes, jet skis, foram colocados nos rios tradicionais e nos novos que se formaram em cada bairro. Centenas de abrigos foram criados para atender milhares de pessoas em escolas, igrejas, clubes e entidades de classe. Os centros de triagem e recepção de alimentos começaram a ter filas para descarregar toneladas de tudo o que se possa imaginar.
Cada centro de voluntariado passou a receber tanta gente que nos últimos dois dias foi difícil achar lugares para trabalhar. Fui desafiado a encontrar técnicos para desenvolver algumas aplicações urgentes, e imediatamente encontramos dezenas, gente fantástica, de todo o Brasil, que se puseram a trabalhar e entregar em horas.
Alguns dos melhores chefs da cidade se reuniram debaixo de uma ponte, com equipamentos e fogões improvisados, e passaram a cozinhar, com a comida que ia chegando, para voluntários e refugiados. Quase todas as pessoas que eu conheço estão neste exato momento em algum lugar, fazendo algo, ajudando alguém. Com roupas sujas e pés na lama, querendo ser útil, querendo ser gente.
Abraçando refugiados, fazendo comida, dobrando roupas e arrumando camas, levando cargas, marmitas, colchões, qualquer coisa, pra cima e pra baixo.
E nem estou falando de bombeiros, médicos, enfermeiros ou policiais. Conheci um médico numa área de emergência trabalhando há 72 horas sem parar e se recusando a sair do posto.
Este é o dia 7 da tragédia no RS, dia 3 da tragédia em POA, e todos sabemos que vai continuar por algum tempo. Quanto, não importa, olhamos pro hoje, hoje, e pro amanhã vamos olhar amanhã, quando a água começar a baixar.
Esta semana não vou escrever sobre Inteligência Artificial. Às vezes, a vida passa na frente e define prioridades diferentes como agradecer aos muitos milhares de heróis que não permitiram e não vão permitir que esta tragédia dobre os joelhos de uma cidade orgulhosa e linda, mesmo em meio ao maior desafio que ela jamais enfrentou.
(*) Alex Winetzki é CEO da Woopi e diretor de P&D do Grupo Stefanini, de soluções digitais.