Os riscos da CPI do 8 de janeiro para governo e oposição

Comissão deve desviar foco de pautas prioritárias do governo no Congresso, mas pode se virar contra bolsonaristas

20 abr 2023 - 17h33
(atualizado às 19h24)
Bolsonaristas radicais atacaram as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro
Bolsonaristas radicais atacaram as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A revelação de imagens do circuito interno de segurança do Palácio do Planalto mostrando que integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) podem ter sido negligentes, ou até mesmo colaborativos, com bolsonaristas radicais que invadiram o Palácio do Planalto em 8 de janeiro deram novo fôlego para a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para "apurar a responsabilidade pelos atos antidemocráticos e terroristas" na invasão das sedes dos Três Poderes.

A previsão é que a comissão seja instalada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na próxima quarta-feira (26/04), pois já há assinaturas suficientes de deputados e senadores para sua realização.

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O primeiro impacto das imagens reveladas pela CNN Brasil foi a demissão do ministro-chefe do GSI, general Gonçalves Dias, na quarta-feira (19/04) — primeiro ministro a cair, menos de quatro meses depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Agora, a esperada instalação da CPI, que vinha sendo defendida pela oposição, traz o risco de desviar o foco do Congresso de pautas importantes para o Palácio do Planalto, como a aprovação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária.

Justamente por isso o governo vinha tentado adiar seu início, mas após a queda do ministro há uma percepção de que a comissão será necessária para combater a narrativa de parlamentares bolsonaristas de que o governo não teria protegido adequadamente o Palácio do Planalto para, supostamente, facilitar a atuação dos invasores.

O governo argumenta que o ataque aconteceu quando a nova gestão ainda tinha poucos dias, de modo que muitos integrantes do GSI ainda eram remanescentes da gestão Bolsonaro. Dias, porém, havia sido nomeado por Lula no dia 1º de janeiro para comandar o órgão.

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"Essa CPI vai engolir as pautas prioritárias e urgentes do governo. Que situação: precisam fazê-la mas não poderiam fazê-la", notou a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora sênior no Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em um post no Twitter.

Por outro lado, o cientista político Antonio Lavareda também vê riscos para a oposição. Na sua visão, é difícil a base bolsonarista conseguir usar a CPI para comprovar sua narrativa de que os ataques aos Três Poderes não partiram de apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas de infiltrados da esquerda.

Os vândalos que invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso, e o Supremo Tribunal Federal (STF) vieram de diferentes partes do país e, antes dos ataques, se concentraram no acampamento de apoiadores de Bolsonaro que ficava em frente ao Quartel-General do Exército, a cerca de quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes.

"CPIs, na maioria das vezes, são palco para a oposição e não costumam ser boas para o governo. Mas, nesse caso, é um procedimento arriscado para a oposição. O que foi uma tentativa de golpe de setores de radicais de direita dificilmente poderá ser debitado ao governo ou às forças que apoiam o governo. É uma narrativa demasiadamente fantasiosa", afirma.

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"A base governista pode aproveitar a CPI para mostrar, mais uma vez, o comprometimento de segmentos radicais da direita, que apoiaram, participaram e instigaram (os ataques). Pode ser um excelente momento para discutir a autoria intelectual do 8 de janeiro, que até agora ainda não foi suficientemente iluminada", acrescentou.

Polícia reprime invasão ao Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Para Lavareda, porém, governo e parlamentares da base terão o grande desafio de evitar que a CPI drague suas energias e seu foco no Congresso.

Isso porque, segundo ele, será inevitável que deputados e senadores aliados do Planalto gastem tempo participando da comissão e respondendo à oposição, ao invés de priorizarem apenas as propostas da administração Lula que vão à votação.

O professor ressalta que, embora a apuração dos ataques aos Três Poderes seja muito importante para a democracia brasileira, não é um assunto que está no topo das prioridades da população.

Uma pesquisa realizada em fevereiro pelo Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), do qual é presidente do conselho científico, indicou saúde como a área que mais deveria receber atenção do governo, segundo 23% dos entrevistados.

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O tópico emprego e renda veio em seguida, com 20%, e educação logo depois, com 18%. Já o item "combate a atos golpistas" teve apoio de apenas 2% dos que responderam ao levantamento.

'Não fomos os algozes, somos as vítimas', diz líder do governo

Os atos de 8 de janeiro já vêm sendo investigados pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. Alguns processos criminais, inclusive, já foram abertos no STF.

Em viagem oficial a Londres, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD) defendeu nesta quinta-feira (20/04) a legitimidade da apuração de responsabilidades também no Congresso.

"O governo devia ter tido essa postura (de defender a CPI) desde o início. Eu disse desde o início que era legítimo o Parlamento fazer as investigações. O governo se colocou contra em um primeiro momento", disse, após fazer uma palestra para empresários do Lide Brazil Conference.

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Como já há assinaturas suficientes de deputados e senadores apoiando a CPI mista, seu início só depende de um ato formal de Pacheco, a leitura do requerimento da comissão.

"Nós queremos a leitura desse requerimento. Vamos para essa investigação e vamos com força", afirmou o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no plenário do Senado, após a divulgação das imagens pela CNN Brasil.

"Queremos (a instalação da CPI) porque no 8 de janeiro tivemos três vítimas nesse país: a República, a democracia e o atual governo. Não fomos os algozes do 8 de janeiro, nós somos as vítimas", acrescentou.

Já o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que chefiou a Casa Civil no governo Bolsonaro, disse que as explicações do Palácio do Planalto sobre o que ocorreu no 8 de janeiro são "desculpas esfarrapadas".

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"A realidade é uma só: se um presidente não pode governar o palácio em que despacha, poderá governar um país? Claro que não. Então, é óbvio que se não houve cuidado para evitar a invasão foi algo deliberado e o governo é o responsável pelo que governa. E mais ninguém", acusou.

A demissão do ministro

Gonçalves Dias aparece em imagens de segurança do Planalto no dia da invasão
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

Segundo a reportagem da CNN Brasil, imagens inéditas de câmeras de segurança do Palácio do Planalto mostram o general Gonçalves Dias tendo uma postura amigável com os invasores no terceiro andar do palácio, onde fica o gabinete presidencial. As imagens ainda mostram um dos funcionários do GSI dando água mineral para os invasores.

"Inicialmente, ele caminha sozinho no terceiro andar do palácio, na antessala do gabinete do presidente da República. Gonçalves Dias tenta abrir duas portas e depois entra no gabinete", relata reportagem da emissora.

"Após alguns minutos, o ministro aparece caminhando pelo mesmo corredor com alguns invasores. As imagens sugerem que ele indica a saída de emergência ao grupo de criminosos. Em seguida, surgem nas imagens outros integrantes do GSI, que parecem indicar também o caminho de saída para os invasores que estavam no terceiro andar do Palácio do Planalto", relatou ainda a CNN Brasil.

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O terceiro andar é onde fica o gabinete de Lula, que não estava no local no momento da invasão, realizada em um domingo.

Dias se defendeu em entrevista ao canal GloboNews dizendo que colocou seu "cargo à disposição do presidente da República para que toda a investigação seja feita".

Ele alegou que suas ações e da equipe tiveram o objetivo de tirar os invasores de locais sensíveis e levá-los ao segundo andar para serem presos.

"Eu entrei no palácio depois que o palácio foi invadido e estava retirando as pessoas do terceiro piso e do quarto piso para que houvesse a prisão no segundo", afirmou.

"Na sala ao lado do presidente, eu retirei três pessoas que estavam lá dentro e mandei descer para o segundo. Eu fui verificar se as portas estavam fechadas e se não houve nenhuma depredação lá dentro", disse ainda.

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Ricardo Cappelli, que foi interventor na segurança pública do Distrito Federal em janeiro e até o momento ocupava o cargo de secretário-executivo do Ministério da Justiça, assumirá interinamente o comando do GSI.

Dias foi escolhido para comandar o GSI porque contava com a confiança de Lula. Ele chefiou a segurança do petista em seus dois primeiros mandatos (2003-2010), quando recebeu o apelido de "sombra", por sua proximidade constante com o presidente.

Apesar de Dias ter sido nomeado por Lula, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) destacou em nota divulgada na quarta-feira (19/04) a presença de oficiais remanescentes do governo Bolsonaro na equipe do GSI, quando houve a invasão.

"A violência terrorista que se instalou no dia 8 de janeiro contra os Três Poderes da República alcançou um governo recém-empossado, portanto, com muitas equipes ainda remanescentes da gestão anterior, inclusive no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que foram afastados nos dias subsequentes ao episódio", disse o comunicado.

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A Secom ressaltou ainda que a PF tem as imagens da invasão e está "investigado e realizado prisões de acordo com ordens judiciais (do STF)".

"Dessa forma, todos os militares envolvidos no dia 8 de janeiro já estão sendo identificados e investigados no âmbito do referido inquérito. Já foram ouvidos 81 militares, inclusive do GSI", acrescenta a nota.

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