Renata Mendonça
Da BBC Brasil em São Paulo
Chegando à estação Corinthians-Itaquera do metrô, na zona leste de São Paulo, já é possível ver de longe a moderna e luxuosa Arena Corinthians, palco da Copa do Mundo na capital.
O estádio foi a grande mudança na paisagem de um dos bairros mais populosos da cidade nos últimos quatro anos e, no último mês, se tornou o endereço da "festa", com milhões de torcedores nacionais e estrangeiros passando por ali semanalmente.
"Eu vejo Itaquera como uma parte importante da zona leste e está em transformação", assim a vice-prefeita de São Paulo, Nádia Campeão, definiu o 'legado' da Copa para a zona leste à BBC Brasil.
Mas não é preciso andar muito para conhecer uma realidade diferente. A cerca de 300 metros da arena, quando o asfalto da calçada dá lugar à terra batida, há a Vila da Paz, uma comunidade onde vivem quase 400 famílias à beira do córrego do Rio Verde – que, atualmente, é um esgoto a céu aberto.
Eles são vizinhos da Copa, mas lá o Mundial só está acontecendo mesmo pela TV. Nos dias de jogos no chamado "Itaquerão", um raio de 2 Km de ruas nos arredores fica bloqueado impedindo a passagem de quem não tem ingresso ou credencial para o jogo.
Foram seis datas para seis partidas – sendo a última delas a semifinal desta quarta – em que os moradores de Itaquera e da Vila da Paz mal puderam sentir que estava tendo Copa ali do lado da casa deles.
"Eles fecham tudo. A gente não pode nem chegar um pouco mais perto para ver, sabe, tirar foto. A Copa é aqui do lado, mas a gente não pode nem ouvir o grito de gol, só pela TV mesmo", contou à BBC Brasil Washington Gleydson, um dos líderes da associação de moradores da comunidade.
Água
Por enquanto, o legado da Copa para as centenas de pessoas que moram na Vila da Paz é a água que corre das torneiras de suas casas depois de mais de duas décadas de espera.
A energia, até agora pelo menos, segue apenas como promessa, mas os moradores têm fé que, até setembro, como prometido pela Eletropaulo (empresa que fornece luz em São Paulo) e pela prefeitura, o projeto seja concluído indo além dos primeiros postes de luz já instalados.
"Esse foi o nosso legado. Essa é a nossa Copa do Mundo. A água não chegava para todo mundo, era só pra um lado da comunidade. Agora a Sabesp (empresa que fornece água em São Paulo) veio, instalou tudo e todo mundo tem água. Essa briga nossa já tem 20 anos, só conseguimos agora", explica Drancy Silva.
"As pessoas ajoelhavam e choravam quando eles vieram instalar as torneiras e trouxeram água para cá. Eles não acreditavam", disse Washington. A água chegou praticamente junto com a Copa, duas semanas atrás.
"Quando vai chegar a luz, Washington?", pergunta um dos moradores na caminhada pela comunidade. "Até setembro", ele responde. "De 2018, né?", ironiza o morador. Washington sorriu e comentou: "Eles não acreditam".
O ceticismo é justificado pelos moradores por promessas feitas e não cumpridas.
Luta e desapropriação
A Vila da Paz se instalou à beira do córrego do Rio Verde em 1991. De lá para cá, foi crescendo e sobrevivendo sem acesso às necessidades básicas – água, energia, saneamento. Com a Copa do Mundo acontecendo ao lado, a favela chamou a atenção das autoridades que tinham, como plano incial, remover as famílias de lá e ampliar o parque linear que existe logo ao lado.
Como parte do plano os moradores receberiam um auxílio-aluguel que variaria de R$ 400 a R$ 600 para se mudarem dali até que a moradia definitiva deles ficasse pronta.
"Eles (moradores da Vila da Paz) não poderiam estar ali porque é um terreno público e é à beira de um córrego, então não tem condições de ficar ali. Desde o ano passado, nós começamos a tratar da comunidade e vimos qual era a realidade", explicou a vice-prefeita, Nádia Campeão à BBC Brasil.
"Não vamos retirar essas pessoas por causa da Copa, vamos fazer um investimento social necessário, e o que eles precisavam era moradia digna, não à beira do córrego. E aí chegamos a um acordo."
A negociação com a prefeitura para que se desistisse de vez das desapropriações durou um ano.
A Vila da Paz chegou a receber um comunicado de reintegração de posse, mas insistiu na luta com as autoridades e conseguiu um acordo: até o início de 2016, todos os moradores da comunidade receberão as chaves de suas novas casas – um conjunto habitacional também em Itaquera. E enquanto isso, a prefeitura melhoraria as condições da região, levando água, energia e sistema de esgoto.
A água já chegou, e a promessa é que a energia começará a ser instalada depois da Copa. Já o saneamento só será realidade quando as primeiras famílias saírem da beira do córrego.
"Ficou definido que a Eletropaulo faria o cadastramento das casas, definindo numeração e ruas, porque não dá para instalar energia sem isso, e aí depois da Copa ela entraria para instalar, porque não dá para fazer as ligações com o evento acontecendo", explicou a vice-prefeita.
"É preciso tirar as famílias da beira do córrego para fazer o esgotamento. Por isso elas vão ser as primeiras a sair." O prazo para a saída dessas primeiras famílias é abril do ano que vem – era junho deste ano, mas houve uma invasão na obra do conjunto habitacional que está sendo construído para elas que atrasou a entrega.
"Meus olhos brilham quando eu vou lá. Eu não canso de ir lá. A gente posta no face (Facebook) as fotos. Foi invadido nesta semana, a gente sente como se tivessem invadido a casa da gente", relatou Drancy.
'Legado' da Copa
Para a Vila da Paz, a Copa despertou a atenção das autoridades para a comunidade e trouxe as primeiras vitórias de uma luta que já dura duas décadas. Na mira da mídia nacional e internacional, a região recebeu investimentos que até então ainda não haviam sido feitos.
"A Copa trouxe um empurrão pra comunidade. Só assim acordou nosso governo. Se não tivesse a Copa aqui ou feito o Itaquerão aqui, nós iríamos continuar como eu continuo há 21 anos", observou Diana do Nascimento, outra líder da comunidade.
Andando por Itaquera e conversando com moradores nos arredores, é possível sentir que há esperanças de mudanças no futuro por causa da construção do estádio, que atraiu mais investimento para a região. Estão entre as promessas da prefeitura e do governo a construção de escolas, parques e até de um centro empresarial que gerará até 50 mil empregos.
"Temos a Fatec e a Etec, que já estão funcionando, nós vamos ter outras duas escolas lá, uma do Sesi, uma do Senai, ensino completo e profissionalizante, temos um projeto de um centro cultural e até de um museu interativo. Além do centro empresarial", elencou Nádia Campeão.
Sobre prazos, a vice-prefeita citou um ou dois anos para as escolas, que seria o tempo de construção delas, e para o centro empresarial seria o ritmo da obra operada pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).
Enquanto isso, os moradores de Itaquera aguardam as melhorias um pouco desconfiados, tamanha foi a espera para eles começarem a sentir-se "notados" pelo governo e prefeitura de São Paulo.
"A zona leste é uma área popular, onde moram os trabalhadores da cidade, que antigamente era vista como subúrbio. Hoje ela está cada vez mais esta integrada a essa malha que é a cidade de São Paulo, está se conectando e se transformando."
"A urbanização da zona leste vem acontecendo de forma consistente. Temos feito muita coisa na zona leste no sentido de responder às lutas, a desigualdade social que tem na região. Mudou muito de 20 anos pra cá, e acho que ainda vai mudar muito mais", finalizou a vice-prefeita.