O comitê de combate à Covid-19 anunciado nesta quarta-feira não terá efeitos práticos se servir apenas de maquiagem para o discurso do presidente Jair Bolsonaro, avaliam parlamentares, que, por outro lado, nutrem a expectativa de mais credibilidade e transparência com a participação do Congresso e de outros atores.
Um dia depois do país ultrapassar a marca das três mil mortes causadas pela doença em apenas 24 horas, acuado pela cobrança sobre a falta de ação e pressionado por aliados, o presidente Jair Bolsonaro anunciou na manhã desta quarta-feira, após mais de duas horas de reunião entre os presidentes dos Poderes, ministros e governadores, a criação do comitê, com a responsabilidade de definir as ações do combate à epidemia de Covid-19, em coordenação com os governadores.
O vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, deputado federal Rubens Bueno (Cidadania-PR), avaliou que o governo vem sendo alertado há um ano sobre a gravidade da pandemia e a necessidade de se tomar medidas coordenadas, mas o presidente optou por se colocar "a favor do vírus circular".
Para o deputado, o anúncio do comitê configura parte da estratégia de Bolsonaro para amenizar o recente desgaste à sua imagem após o acirramento da crise do coronavírus no país.
"É um discurso a mais porque a popularidade dele foi lá embaixo. Ele está sendo tratado em todo o mundo como um presidente fora de órbita", disse Bueno, lembrando do que considerou um "pronunciamento de muita mentira" em rede nacional de rádio e TV do presidente na véspera.
Na fala, Bolsonaro culpou a nova variante, defendeu ações do governo e afirmou que fará de 2021 o ano da vacinação no Brasil, em uma visível mudança de tom, já que a imunização foi alvo frequente de minimizações e ridicularizações pelo presidente.
Bueno considera, no entanto, "um bom sinal" o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), assumir o papel de interlocução com os governadores, justamente por seu perfil "mais equilibrado". O comitê irá reunir representantes da Executivo, Câmara e Senado, coordenado pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e irá definir as medidas nacionais de combate à epidemia.
"Agora, que saia algo daí, especialmente do presidente do Senado e do presidente da Câmara. E deles espero uma posição muito firme", afirmou, acrescentando que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), "também tem um papel muito importante".
A sugestão da reunião ampla desta quarta-feira, aliás, partiu de Pacheco, na última semana, em meio a um clima de muita apreensão de senadores com a situação de seus Estados.
Mais incisivo, o líder da Minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), alertou que o problema está na condução do presidente da República e que, por isso, há poucas chances de sucesso.
"Qualquer pacto 'contra a Covid' que não contemple uma profunda mudança de postura do presidente e até do governo será apenas um pacto para salvar Bolsonaro, nunca um plano para salvar a população", afirmou.
"Chega de inventar maquiagem. O problema está na raiz deste governo e se chama Bolsonaro, o negacionista sem empatia, defensor de remédios inócuos.... É preciso que ele faça uma autocrítica pública de seu boicote às medidas sanitárias e da negligência com a compra de vacinas, medicamentos e insumos."
Em avaliação semelhante, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) considera que o comitê "servirá apenas de plataforma para o presidente difundir seu discurso e suas práticas criminosamente negligentes em relação à pandemia". Para ele, "os presidentes dos Poderes e os governadores estão caindo numa armadilha".
EXPECTATIVA DE TRANSPARÊNCIA
Outros preferiram confiar na participação do Congresso e demais atores no comitê como forma de conferir mais peso e transparência às medidas.
"O comitê Covid é bem-vindo para funcionar como um centralizador de informações, responsável por gerenciar crises, com transparência de informações, de dados, informações que sejam checadas, que ajudem a acalmar a população, que pontuem sobre estoques de oxigênio, insumos, kit intubação", disse à Reuters o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (DEM-PB).
"Isso tem gerado muito ruído na sociedade e nesse viés, o comitê pode ajudar a trazer mais credibilidade no trato das informações e ajudar a apontar uma rota de saída para a crise", avaliou o deputado.
Transparência, aliás, foi um termo em voga nesta quarta, dia em que o Ministério da Saúde chegou a alterar o sistema de registro de óbitos por Covid-19, exigindo dados como o número de CPF e do Cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) dos mortos. A pasta voltou atrás, depois, suspendendo a necessidade da informação a pedido dos conselhos dos secretários de Saúde estaduais e municipais, o Conass e o Conasems.
O vice-líder do maior bloco da Câmara, que deu sustentação à eleição de Athur Lira, Fábio Trad (PSD-MS), não desmereceu a iniciativa, avaliando que "nunca é tarde para a convergência política dos poderes e das forças políticas no enfrentamento à pandemia".
"Mas não tem como deixar de imaginar quanta vidas seriam poupadas se essa iniciativa do presidente fosse tomada em março do ano passado", ponderou.