Qual a diferença entre a ação da Polícia Militar de São Paulo na repressão aos protestos de junho de 2013 na capital paulista e a conduta da PM paranaense sobre professores, em Curitiba, no último dia 29? Para um especialista em segurança pública e direitos humanos egresso da própria PM, nenhuma: ambas assumiram e vêm adotando, ao longo dos anos, a ideologia de um suposto “inimigo” a ser combatido, presente nada menos que na própria legislação que forma os futuros oficiais da corporação.
“Nossa sociedade ainda vive sob a égide da Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar, ao precisar de um inimigo a ser combatido. Estamos voltando à época em que ser comunista ou ser subversivo, ou não ser de direita, conservador, é ser inimigo da nação”, define o especialista – o tenente-coronel Adílson Paes, hoje na reserva, após 30 anos na PM paulista.
Paes falou com a reportagem do Terra esta semana pouco antes de participar de um dos painéis do seminário sobre direitos humanos promovido pela faculdade Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). O tema da palestra: nada menos que “a violência policial e a repressão nas ruas”.
Hoje mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Paes conta que entrou para a academia da PM aos 17 anos, em 1982, época ainda de regime militar no Brasil. Duas décadas depois, em uma palestra sobre direitos humanos com o desembargador Antonio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), da qual ele e outros capitães participavam, foi a única voz a tentar conter um ‘motim’ quando o conferencista citara tortura como prática não exatamente estranha aos quadros da PM.
“Eu sempre tive mais amigos fora da PM que dentro; em algum momento, começou a me incomodar por que o jovem policial começava a se tornar um assassino – inclusive alguns com os quais eu dividia alojamento e que estavam envolvidos em até mais de um caso de execução sumária”, lembra. “Conforme fui subindo na carreira, eu percebia que não tínhamos na formação conhecimentos básicos sobre direitos humanos – embora na academia tivesse essa disciplina, apesar de não haver, nela, o básico do assunto: a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, cita.
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Da amizade com o desembargador do TJ paulista surgiu o convite para a comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, da qual Malheiros e nomes como o ex-arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns foram integrantes. A comissão seria a porta de entrada para o mestrado, cuja dissertação derivaria, em 2013, o livro “O guardião da cidade”, em que Paes discute casos de violência envolvendo PMs e o que, para eles, representava assumir esse tipo de postura na sociedade.
Cursos de formação da PM "bloqueiam participação da sociedade"
Foi no mestrado que ele afirma ter descoberto lacunas na formação em direitos humanos na PM que ajudam a explicar não apenas condutas da própria corporação, como também o reflexo delas perante o cidadão.
“Tive acesso ao currículo da disciplina de direitos humanos do curso de formação de oficiais; na época, eram 90 horas-aula em um universo de mais de 6 mil horas-aula – muito pouco. Dentro disso, vale destacar, os temas abordados na sala de aula não contemplavam nada sobre violência policial, nada sobre corrupção ou sobre problemas da sociedade. Especificamente sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, sabe o que era dado? O organograma da ONU – isso de currículos de 2006-2009, e de 2010-2012”, explica.
“Ocorre é que o sistema de ensino da PM tem como uma de suas bases e fontes o artigo 83 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – ele retira o ensino militar da égide da LDB e o transfere a leis específicas, ou, em outras palavras, bloqueia a participação da sociedade na formação desses policiais que terão poder de intervir diretamente no direito de ir e vir do cidadão, em nome do Estado”, define Paes.
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Para o PM da reserva, esse tipo de formação, cujo alicerce é a Lei de Segurança Nacional, de 1969, exige que haja o “inimigo” a se combater. Em 2013, sob a justificativa de que combateria vândalos supostamente infiltrados em manifestações contra o aumento nas tarifas de transporte, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) colecionou uma legião de presos e feridos por armamentos não letais disparados contra civis -- entre os quais, profissionais de imprensa que cobriam esses atos. Ano passado, em protestos contra a Copa do Mundo de futebol, a ação da PM não foi diferente.
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Professores em greve se reúnem na Avenida Paulista
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Foto: Pedro Vaz de Carvalho
Como Alckmin, Richa alegou haver black blocs em protesto
Argumento semelhante ao do governo paulista foi usado pelo governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), mês passado, quando ele atestou que haveria black blocs em meio a professores que se manifestavam no Centro Cívico contra mudanças no regime de previdência dos servidores estaduais. O resultado da ação policial deixou 213 feridos -- a maioria, professores, além de um cinegrafista mordido na perna por um pitbull da PM.
Se as lacunas na formação do PM podem ser vistas como pano de fundo para os dois episódios? Paes não apenas diz acreditar que sim, como as relaciona ao recente levante de propostas conservadoras abraçadas pelo Congresso Nacional e dentre as quais está a redução da maioridade penal -- proposta contestada esta semana até mesmo pela ONU.
"Certamente (a formação lacônica ajuda a explicar as situações). 'Precisamos' de um inimigo a ser combatido, pois ainda vivemos sob a égide da doutrina de segurança nacional. E essa doutrina requer um inimigo para existir e ser combatido. Só que quem disse que o PM é um militar? O militar combate o inimigo, e o policial militar fornece segurança pública para o cidadão. São funções distintas”, observa.
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Se houve avanços desde a repressão da PM paulista aos atos de rua, dois anos atrás, considerando o episódio paranaense do 29 de abril?
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“Não houve avanço algum de 2013 para cá – a investigação instaurada não chegou ao final dois anos depois -- isso é o cúmulo --, e as condições para que tudo isso ocorra estão aí colocadas. Curitiba foi apenas mais uma comprovação disso, e outras situações virão ainda, se nada for feito.”
"Por que um PM se torna um assassino?"
E sobre o livro lançado em 2013, a pergunta: por que um PM, a partir da análise da dissertação de Paes, se torna um executor?
"Entrevistei PMs que praticaram execuções; em geral, me diziam que não acreditavam no sistema. 'Não haverá intermediários: cansamos de corrupção, e (os assassinados) serão absolvidos quando presos', me respondiam", define. "A violência policial, no fim, nada mais é que a manifestação de um Estado que não é democrático na sua essência, ou não fez a transição (da ditadura para a democracia) como deveria -- isso vai muito além de promulgar uma Constituição Federal. E o pior: esse modelo não está mudando."
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Manifestantes entraram em "luto" após confronto desta semana
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Caixão foi levado durante o ato desta sexta em Curitiba
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Manifestantes vestiram preto em passeata em Curitiba
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Mensagem contra o governador do Paraná, Beto Richa
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"Luto pela democracia" foi o mote do ato
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Deputados estaduais que votaram a favor de mudanças na Previdência dos servidores foram lembrados
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Manifestantes protestaram contra a violência da PM sobre professores
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Manifestantes jogaram tinta vermelha em fonte no centro de Curitiba
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Bandeira do Paraná foi manchada com tinta vermelha
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Manifestante segura cruz com os dizeres "menos bala, mais giz" durante ato em Curitiba
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Manifestantes puseram tinta vermelha em um espelho d’água em frente ao Palácio Iguaçu para lembrar dos feridos do dia 29
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Ainda em frente ao palácio, o grupo baixou as bandeiras do Brasil e do Paraná
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Ato de apoio a professores estaduais e contra a repressão policial aconteceu nesta sexta-feira na capital paranaense
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Manifestantes marcharam da Praça 19 de Dezembro até o Centro Cívico, onde fica a sede do governo
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De luto, manifestantes protestam por professores no PR
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