'Bloco das favelas' lembra um ano da morte de Amarildo

Batizado como "A festa nos estádios não vale as lágrimas nas favelas", o protesto unificado deve ocorrer no entorno do Maracanã, antes da final da Copa

12 jul 2014 - 15h02
<p>A mulher e o filho do ajudante de pedreiro no tribunal que julgou os 25 acusados de terem torturado e assassinado Amarildo</p>
A mulher e o filho do ajudante de pedreiro no tribunal que julgou os 25 acusados de terem torturado e assassinado Amarildo
Foto: Mauro Pimentel / Terra

O mantra #cadeoamarildo resiste nos morros cariocas. Moradores de favelas com Rocinha, Manguinhos, complexo do Alemão, Santa Marta, Cantagalo e Babilônia se reunirão num ato, marcado para o próximo domingo, em homenagem ao pedreiro Amarildo de Souza, cujo desaparecimento completa um ano nesta segunda-feira.

Batizado como "A festa nos estádios não vale as lágrimas nas favelas", o protesto unificado deve ocorrer no entorno do Maracanã, simultaneamente à partida final da Copa do Mundo.

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"Este é um ato diferente dos que aconteceram no Rio desde o ano passado. Dessa vez ele é marcado pelos moradores de favelas. A pauta da favela está colocada em primeiro lugar. A favela enfim é protagonista", explica Gizele Martins, 28, comunicadora comunitária da Maré.

Amarildo, segundo Gizele, tornou-se símbolo para uma série de "abusos com os quais os moradores de comunidades convivem todos os dias".

"Ninguém gosta de passar por tanque de guerra e armas no quintal de casa. Ninguém quer ser revistado e abusado gratuitamente. Ninguém quer ser confundido com bandido, nem ver parentes e amigos desaparecendo. É contra isso que lutamos. E com a Copa isso se intensificou de um jeito que nunca tinha acontecido."

Os principais pontos discutidos pelos moradores das comunidades são o que os organizadores chamam de "militarização das favelas", por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e presença das Forças Armadas, e as remoções forçadas para obras como teleféricos, que nem sempre refletem as demandas locais.

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'Offline'

O evento, marcado pelo Facebook, já tem 1.300 pessoas confirmadas e mais de 16 mil convidados. Segundo os organizadores, uma força-tarefa foi organizada online e offline para mobilizar a população.

"As redes sociais são muito importantes, mas a internet é cara. Então fizemos reuniões dentro de diferentes favelas também para mobilizar. É como um complemento: nosso público passa oito horas do dia trabalhando, mais tantas outras no transporte, chega em casa e não tem tempo ou dinheiro mesmo para internet", diz Gizele.

No ano passado, uma campanha virtual pedindo explicações sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo se espalhou pelas redes graças a hashtags como #cadeoamarildo e #ondeestaamarildo. Elas foram compartilhadas mais de 15 mil vezes, só no Twitter, e despertaram a adesão de personalidades como os músicos Caetano Veloso e Criolo.

Da mobilização na internet surgiu a pressão que culminou nas investigações e indiciamento de policiais envolvidos no desaparecimento do pedreiro.

No convite do ato, os organizadores convocam moradores de favelas cariocas a trazerem "seus cartazes, camisas e faixas para o Bloco das Favelas". "[O governo faz] Investimentos absurdos em elefantes brancos como teleféricos enquanto continuamos a sofrer com falta de saneamento, hospitais e escolas", afirmam.

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Para evitar novos "elefantes", a organização pede que os moradores das comunidades sejam consultados durante a elaboração de políticas públicas.

"O Estado age como se todas as favelas fossem iguais. Mas a demanda da Rocinha é diferente da demanda da Maré. Não tem que colocar a gente no mesmo saco e generalizar as soluções. Um dos problemas onde moro é o saneamento básico. No Pavão-Pavãozinho pode ser o direito à habitação. É importante que fique claro: a gente quer diálogo, não quer briga", diz a líder comunitária.

Amarildo

O pedreiro Amarildo de Souza desapareceu em 14 de julho do ano passado, após ser levado pela polícia carioca à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Após passar por "averiguação", nos termos da PM, o pedreiro nunca mais foi encontrado.

Pelo menos 29 policiais envolvidos no caso, incluindo o major Edson dos Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, correm risco de serem expulsos da PM por acusações como o convencimento de testemunhas a mentirem em depoimentos. O inquérito da PM aponta que os crimes devem ser julgados pela Justiça comum, e não pela Justiça Militar.

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"O Amarildo representa todos os pobres e favelados que desaparecem todos os dias e ninguém vê, ninguém ouve. Nossa bandeira é o direito à vida. Quando desaparecem Amarildos e Amarildas, enquanto morre pobre, negro e favelado, é porque tem alguma coisa errada. A sociedade tem que se indignar e até lá vamos colocar essa bandeira na rua para sermos tratados como qualquer cidadão", diz Gizele.

Ela dá exemplos sobre mudanças nas favelas desde a entrada das UPPs ou das forças armadas.

"Onde moro existe hoje um soldado para cada 55 moradores. A Maré tem 132 mil moradores segundo o Censo. Pergunta: me diz se tem um professor para cada 55 pessoas? Não tem. Isso mostra a política do Estado nas favelas."

Segundo ela, o aluguel e o custo de vida também aumentaram.

"Ficou tudo absurdamente caro. As pessoas estão saindo das favelas e indo para favelas mais distantes. Até o início do ano tinham casas de R$ 60, 70 mil. Agora custam R$ 150 mil. Faz sentido isso tudo para morar na favela?".

Fonte: Terra
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