Ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid foi o primeiro a ser escalado para resgatar pessoalmente joias e relógio de diamantes que foram trazidas ilegalmente para o País. Um ofício obtido pelo Estadão revela que Cid escalou ele mesmo para a missão. O documento enviado à Receita informando que um auxiliar do presidente iria pegar as joias era assinado pelo próprio Cid. O coronel era o oficial mais próximo de Bolsonaro e acompanhava o presidente o tempo todo. Ele é filho de um amigo do ex-presidente.
O ofício, datado em 28 de dezembro de 2022, é endereçado ao secretário especial da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes. “Autorizo que os bens sejam retirados pelo representante: Mauro Cesar Barbosa Cid”, diz o ofício da Ajudância de Ordens do Presidente da República.
Auxiliares do coronel Cid afirmaram, contudo, se tratar de um erro e que não havia previsão do militar viajar para São Paulo. Em seu lugar, foi designado para a missão o primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva. Ele voou em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) no dia seguinte, mas não teve sucesso.
Conforme o Estadão revelou, ogoverno de Jair Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o País um conjunto de joias, colar, brincos, anel e relógio de pulso da marca Chopard, além da miniatura de um cavalo ornamental, avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. Os itens estão retidos até hoje no Aeroporto de Guarulhos. Segundo o ofício da Ajudância de Ordens, os bens foram ofertados a Bolsonaro pela Arábia Saudita durante a cerimônia de lançamento da Iniciativa Oriente Médio Verde, entre 20 e 26 de outubro de 2021.
No total, o governo Bolsonaro fez oito tentativas para reaver as joias. Ele usou três ministérios – Minas e Energia, Economia e Relações Exteriores –, além de militares. Registro do Portal da Transparência revela que a demanda partiu do próprio presidente da República.
O então ministro de Minas e Energia almirante Bento Albuquerque e o seu assessor, Marcos André Soeiro, desembarcaram em Guarulhos com as joias no dia 26 de outubro de 2021. O auxiliar optou pela saída “nada a declarar” para deixar a área do aeroporto sem registrar a posse dos diamantes, o que, na prática, infringe a legislação brasileira. A manobra, contudo, foi frustrada. Albuquerque tinha a opção de declarar os objetos e explicar que se tratava de um presente de um governo para outro, mas o ministro não aceitou. Se assim o fizesse, os itens passariam a ser do acervo público, não mais de Bolsonaro.
Segundo pacote
O Estadão revelou ontem que Bolsonaro, por outro lado, recebeu pessoalmente um segundo estojo de joias, também das mãos da comitiva do ex-ministro Bento Albuquerque. Esse pacote era composto por relógio, abotoaduras, caneta, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard, avaliados, no mínimo, em R$ 400 mil. Esses itens estão no acervo privado do ex-presidente da República, segundo confirmou auxiliar de Bolsonaro.
Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) explica que os presidentes só podem ficar com presentes de “caráter personalíssimo”. É o caso de roupas e perfumes.
De acordo com documentos obtidos pela reportagem, o segundo pacote de joias foi entregue no Palácio do Planalto por volta das 16 horas do dia 29 de novembro de 2022. O formulário confirma que o pacote de joias foi visualizado pelo próprio Bolsonaro. Os itens não foram declarados na Receita Federal, o que é crime alfandegário.
Esse formulário mostra que Bolsonaro mentiu ao afirmar que está “sendo crucificado no Brasil por um presente que não pedi e nem recebi.”
Refúgio. Um mês depois desses episódios, em 30 de dezembro do ano passado, Bolsonaro viaja aos Estados Unidos, onde decidiu se refugiar após perder as eleições para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).