A promotoria, que faz a acusação dos dez policiais julgados por atuar no quinto pavimento (quarto andar) do Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992, no episódio que ficou conhecido como Massacre do Carandiru, usou as duas horas e meia a que teve direito para desconstruir a tese da defesa, de que os policiais não estiveram naquele andar e que por isso não poderiam ser condenados pelas 10 mortes de presos que ali habitavam.
O promotor Eduardo Olavo disse que essa tese subestima a inteligência dos jurados e que há provas suficientes nos autos para garantir que a tropa do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) esteve no último andar do prédio. Olavo, inclusive, pediu para que duas das 10 mortes imputadas aos policiais fosse retirada da denúncia. Um dos presos foi morto por arma branca e o outro morreu no terceiro pavimento. "Houve um erro da promotoria quando foi feita a denúncia." Assim, os dez policiais julgados responderão por oito mortes e três tentativas de homicídio.
A acusação dos réus começou com a apresentação de vídeos que totalizaram 30 minutos. Neles, foram apresentadas reportagens da época da ação policial, além de casos de violência da polícia em todo o Brasil. Entre os casos, estava o da Favela Naval, em 1997, em que policiais espancaram diversas pessoas e mataram pelas costas um homem, em Diadema, na Grande São Paulo.
"Os senhores jurados tem aqui a oportunidade de mudar um pouco a história deste País. Não estou exagerando. Vocês são agentes de mudança social", disse ele. "Não queremos canonizá-los (os presos), em pôr no banco dos réus a gloriosa Polícia Militar. Queremos julgar um grupo que agiu com excesso", disse ele.
Ele passou boa parte do tempo lendo depoimentos dos réus à Justiça. E, em vários trechos desses depoimentos os policiais disseram que atuaram no último pavimento do prédio. "Estamos desconstruindo a maior mentira já contada no júri brasileiro. Há mentira e má-fé. Em um dos depoimentos, o então tenente Marcelo Oliveira Cardoso foi claro: "É bom ficar claro que estivemos no último andar".
"Peço desculpas por gastar tanto tempo com uma questão tão simples. Mas é preciso ficar claro que estes policiais atuaram no último andar do prédio", disse ele.
Ele também disse que não se pode premiar uma estratégia criminosa, se referindo à alteração no cenário do crime promovida pela PM na ocasião da operação. "Uma das teses defendidas é que não houve a individualização das condutas. Muito disso se deve à própria atuação da PM, que modificou a cena do crime. Inclusive, os projéteis desapareceram do fórum", disse ele. "Todos os que estão aqui entraram e dispararam agindo em conformidade para atingir um resultado comum", afirmou.
Nos momentos finais da fala do promotor Eduardo Olavo, faltou luz no plenário, por conta da forte chuva que atingiu a zona oeste da capital paulista. Porém, depois de cinco minutos a energia voltou e foi possível finalizar a fala.
A partir das 15h, o advogado Celso Vendramini terá as mesmas duas horas e meia para fazer a defesa dos policiais. A critério de defesa e acusação, ambos terão posteriormente mais duas horas para réplica e tréplica. Depois disso, o conselho de sentença será reunido para que haja uma decisão.
Julgamento
A partir desta segunda-feira, mais 10 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de dez detentos - e na tentativa de outros três homicídios - estão sendo julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido, em 2 de outubro de 1992. Na ocasião, 111 presos foram mortos após uma briga interna que acabou com a invasão da Tropa de Choque da Polícia Militar paulista, que, na Justiça, responde por 102 dessas mortes. Contra as demais nove vítimas não ficou comprovada a ação dos policiais. Até agora, são 48 policiais condenados por conta da atuação naquela data. Para todos os casos, ainda cabe recurso.
Nas duas primeiras etapas do julgamento, no ano passado, os PMs que atuaram nos dois primeiros andares do prédio foram condenados, respectivamente a 156 e 624 anos de prisão. A Justiça decidiu, em primeira instância, que eles concorreram para a morte de 13 presos no primeiro andar e outros 52 no segundo andar.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.