Carandiru: advogado abandona júri e recebe 'parabéns' de PMs

Irritado, Celso Vendramini reclamou que juiz não era "afável" e era "parcial"; ao deixar plenário, foi cumprimentado por homens da Força Tática

18 fev 2014 - 18h24
(atualizado às 19h44)

O advogado que defende 15 policiais militares acusados de matar oito presos do complexo penitenciário do Carandiru abandonou o plenário do júri nesta terça-feira porque, considerou, o juiz que presidia os trabalhos o tratava “de forma diferente, não afável” desde ontem. Celso Vendramini deixou o plenário 10 do Fórum Criminal da Barra Funda com votos de “parabéns” dirigidos a ele nos corredores do prédio por PMs da Força Tática e estudantes de direito.

A atitude do advogado, tomada durante o interrogatório do coronel Arivaldo Salgado pelo promotor Eduardo Olavo Canto, ocorreu depois de dois depoimentos de testemunhas de defesa - o ex-secretário de Segurança Pública do Estado Pedro Franco de Campos e o agente penitenciário Francisco Leme, que fez uma série de desmentidos de declarações que ele próprio dera sobre o massacre do Carandiru em depoimentos à polícia em 1992.

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Para Vendramini, o juiz que presidia o júri, Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, estaria sendo parcial depois de supostamente tê-lo chamado, ontem, após o julgamento, de “mal educado” por conta de uma discussão do advogado, em plenário, com os promotores Canto e Márcio Friggi.

Advogado reclamou de conduta que ele mesmo adotou

Hoje, o advogado dos PMs se irritou quando Canto lia trechos de um depoimento anterior, do coronel, antes de fazer as perguntas. Ao intervir perante o juiz, Vendramini não teve o argumento aceito pelo magistrado. Na sequência, avisou que abandonaria o plenário e jogou a toga usada nos julgamentos, e o próprio terno, na mesa que ocupava com uma auxiliar. O próprio advogado, entretanto, adotara a leitura de peças ao interrogar sua testemunha - no caso, o agente penitenciário, horas mais cedo.

"Abandonei o plenário porque está havendo parcialidade por parte do juiz com o Ministério Público; sempre foi assim, sempre será assim. Estão faltando juízes que tenham competência para trabalhar no Tribunal do Júri”, classificou. “Não sei se o juiz está mal intencionado, mas estou percebendo que para o Ministério Público tudo, e para a defesa, nada”, declarou, para classificar como "um circo" as atitudes do MP durante o julgamento. "Se o réu já respondeu, não há que se perguntar mais. Estão induzindo o réu a responder aquilo que desejam, e no meu modo de entender, o MP fez desse julgamento um circo."

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Juiz se reuniu com jurados a sós, critica advogado

Na opinião do advogado, ainda que legal, "não é de bom alvitre" o magistrado "se reunir sozinho, ou com uma oficial de Justiça, não tenho certeza, com os jurados", como Camargo teria feito ontem ao fim dos trabalhos. Diferentemente dos dois júris anteriores do Carandiru - que condenaram, ao todo, 48 policiais militares pelo massacre -, no atual o conselho de sentença é formado apenas por homens.

"O juiz ficou ontem 40 minutos trancado com os jurados, sozinho. Isso não pode, isso causa suspeita, e hoje foi a gota d’água. Estou cansado: a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem que fazer alguma coisa em relação a isso", reclamou. Ele também criticou o fato de o juiz ter liberado as testemunhas defesa para que dormissem em suas casas, em vez de permanecerem no fórum até deporem.

Mas a queixa principal, sustentou Vendramini, esteve na seara pessoal. "Não estava me sentindo à vontade no plenário do júri. Percebi desde o começo que o juiz não conversa comigo. Se eu o procurava para conversar, ele parava a conversa, se retirava. Estava, enfim, me tratando de forma diferente desde ontem, não estava sendo afável."

"Eu que vou tirar esse juiz"

Vendramini ainda salientou que não deixará a defesa dos PMs. "Ele (o juiz) que me tire do processo que entro com um mandado de justiça. É direito dos réus ter o advogado que eles quiserem. Eu que vou tirar esse juiz", ameaçou.

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Procurado pela reportagem para comentar as declarações do advogado, o juiz disse por meio da asssessoria de imprensa do TJ-SP que não se manifestaria sobre elas.

Julgamento

Desde segunda-feira, 15 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros dois homicídios estavam - sendo julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido. Nas duas primeiras etapas do julgamento, no ano passado, os PMs que atuaram nos dois primeiros andares do prédio foram condenados, respectivamente a 156 e 624 anos de prisão. A Justiça decidiu, em primeira instância, que eles concorreram para a morte de 13 presos no primeiro andar e outros 52 no segundo andar. 

Relembre o caso

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.

Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.

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A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.

Fonte: Terra
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