Carandiru: advogado cita música e chama promotor de moleque

Celso Vendramini encerrou fase de debates com tréplica em que mandou "ONU às favas" e recitou Roberto Carlos; jurados se reúnem para sentença

19 mar 2014 - 16h50
(atualizado às 17h15)

O advogado de dez policiais militares réus pelo massacre do Carandiru, Celso Machado Vendramini, encerrou nesta quarta-feira a etapa de debates do júri popular a que o grupo é submetido, no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), declamando uma música de Roberto Carlos aos jurados. "Toda pedra do caminho / Você deve retirar / Numa flor que tem espinhos / Você pode se arranhar / Se o bem e o mal existem / Você pode escolher: é preciso saber viver", recitou Vendramini, para enfatizar, na sequência, por gestos, que os policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) representam "o bem", e a acusação do Ministério Público, "o mal".

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Nas duas horas de tréplica, o advogado se dedicou, em boa parte do tempo, a críticas ao trabalho dos promotores Márcio Friggi e Eduardo Canto - o qual, em mais de uma oportunidade, taxou de "moleque" e "chato". Nos minutos iniciais, ele fez um dos réus se posicionar logo à frente - o coronel da reserva Wanderley Mascarenhas, que comandou a tropa do Gate no Carandiru -, perante os jurados, ao que os promotores se insurgiram.

Apresentado na réplica do MP como "o quinto maior matador na história da Rota (tropa de elite da PM)", Mascarenhas foi citado aos jurados, pelo advogado, como policial que "prendeu muito estuprador e sequestrador de crianças". Depois de Canto pedir que o réu voltasse a seu lugar, com os demais, o juiz interveio e acusação e defesa discutiram rispidamente. "Cala a boca, você é um moleque", disse o advogado ao promotor. Canto pediu que a declaração constasse da ata do julgamento.

Vendramini ainda citou trechos curtos de depoimentos dos réus, de dias depois do massacre, na tentativa de reforçar que eles teriam atuado em outro andar, que não o último, como consta da acusação - tese rebatida, mais cedo, na réplica dos promotores.

"Pensa que é fácil para quem não está acostumado a matar entrar na Casa de Detenção? Houve excesso da PM, sim, mas os policiais já foram condenados", declarou, referindo-se aos homens da Rota condenados pelas mortes no segundo e terceiro andar em júris realizados ano passado.

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O advogado também não poupou entidades de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch, nem a Organização das Nações Unidas (ONU), que cobram a responsabilização pelo massacre, pelo que chamou de "direitos humanos de bandidos". "Eu quero que a ONU vá às favas. Ela dá casa para quem não tem onde morar? Alimenta crianças que passam fome?", indagou o advogado, para quem os advogados tentaram impregnar "ideologia política" nos jurados.

"Não sou a favor de tortura, de homicídios, mas de a polícia se defender e dar segurança à população", declarou o advogado, que, ontem, fez questão de se apresentar como ex-policial da Rota. Na ocasião, ele chegou na admitir que matou supostos criminosos, como PM, para se defender.

"Uma condenação desses PMs dá aval ao crime organizado. É como se vocês dissessem 'Continuem, que estou gostando'. Espero que vocês deem um tapa na cara da ideologia política", pediu aos jurados, logo após exibir o vídeo de uma reportagem sobre a ação de vândalos na Ceagesp, em São Paulo, semana passada. A Tropa de Choque da PM chegou ao local horas depois das cenas de destruição. "Não é esse país que eu quero", reclamou Vendramini, que concluiu: "A PM não pode agir".

Após a tréplica, os jurados se reuniram para analisar os quesitos elaborados a partir da denúncia do MP. Ao todo, serão mais de 500 quesitos para cada jurado.

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Julgamento

Desde esta segunda-feira, mais 10 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros três homicídios - estão sendo julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido, em 2 de outubro de 1992. Na ocasião, 111 presos foram mortos após uma briga interna que acabou com a invasão da Tropa de Choque da Polícia Militar paulista, que, na Justiça, responde por 102 dessas mortes. Contra as demais nove vítimas não ficou comprovada a ação dos policiais. Até agora, são 48 policiais condenados por conta da atuação naquela data. Para todos os casos, ainda cabe recurso. Inicialmente eram 10 as vítimas, mas o Ministério Público pediu que duas delas fossem retiradas da acusação: uma foi morta por arma branca enquanto outra foi morta em outro andar.

Nas duas primeiras etapas do julgamento, no ano passado, os PMs que atuaram nos dois primeiros andares do prédio foram condenados, respectivamente a 156 e 624 anos de prisão. A Justiça decidiu, em primeira instância, que eles concorreram para a morte de 13 presos no primeiro andar e outros 52 no segundo andar.

Relembre o caso

Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.

Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.

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A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.

Fonte: Terra
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