Depois de um júri adiado graças ao abandono de plenário por parte da defesa, uma sessão "relâmpago" abriu o quarto júri de policiais militares acusados de participação no chamado massacre do Carandiru - no qual 111 presos morreram no pavilhão 9 em outubro de 1992. Nessa etapa, são julgados 10 PMs do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) acusados pela morte de 10 presos do quinto pavimento (ou quarto andar) do pavilhão 9.
Em pouco mais de duas horas, o júri ouviu o perito aposentado Osvaldo Negrini Neto, arrolado pela acusação, o desembargador Fernando Torres Garcia, juiz corregedor de presídios à época do massacre, e o ex-agente penitenciário e atual investigador Maldinei Antônio de Jesus - estes dois, testemunhas da defesa. O diretor de disciplina da antiga Casa de Detenção, Moacir dos Santos, foi dispensado pelo Ministério Público.
Presos não tiveram chance de defesa, diz perito
Única testemunha ouvida em plenário em dois júris do caso no ano passado e no terceiro júri, em fevereiro deste ano, o perito aposentado Osvaldo Negrini Neto reforçou os depoimentos anteriores no sentido de que os presos teriam sido assassinados sem chance de defesa, e de que os trabalhos da perícia teriam sido prejudicados.
De acordo com o perito, os presos assassinados por arma de fogo no quarto andar do pavilhão 9 podem ter sido mirados da soleira da cela, na altura da cavidade destinada à vigia –ou seja, com a porta ainda fechada.
"Não há entre os policiais nenhuma vítima com bala alojada e não há buracos de projéteis no sentido contrário ao avanço dos PMs - essa hipótese de reação (da polícia, ante supostos tiros de presos, como alega a defesa) está eliminada, ela não houve. A verdade seria outra se tivesse havido", afirmou o perito.
"Houve inegável excesso da PM", diz desembargador
Juiz auxiliar da Corregedoria de Presídios à época, o desembargador Fernando Torres Garcia, que compôs um grupo que tentou mediar a crise, na porta de entrada do pavilhão, antes do ingresso da PM.
"Não tive nenhum contato com a ação policial no interior do pavilhão. Acompanhei tudo do lado de fora. Até a entrada da polícia não foi ouvido nenhum tiro. Não lembro de disparos antes da entrada da PM", declarou. "O que se ouvia era muito barulho de depredação. Vimos quatro ou cinco corpos serem carregados. Um deles, coberto de fuligem. Quando entramos, eles (presos) já estavam nus, ou sentados com as mãos na cabeça."
O desembargador citou o resultado de uma sindicância aberta após o evento, na qual foram ouvidos policiais, presos e agentes penitenciários. Nela, disse, se constatou "que a invasão se fazia necessária. Mas isso não tem nexo com o resultado da ação".
"Apuramos que houve inegável excesso (por parte da polícia). E que cada um respondesse pelo excesso que cometeu."
Presos confeccionavam armas, diz ex-agente
Já o ex-agente penitenciário Maldinei Antonio de Jesus declarou ter entrado no pavilhão somente no sábado, dia 3, pela manhã. "Trabalhei lá por dois anos. Ouvíamos muito falar de que os presos tinham armas de fogo. Mas não me lembro da apreensão de nenhuma. Até localizamos locais que poderiam ter guardado uma arma, mas não chegamos até elas", disse.
Conforme o hoje investigador, os presos confeccionavam armas brancas. "Espadas que fariam inveja a samurais", relatou. "Quase todos os dias saía um preso morto de lá", afirmou, referindo-se às brigas que seriam comuns entre os detentos do pavilhão 9. "O pavilhão 9 tinha os presos mais indisciplinados. Eram réus primários, que ingressavam pela primeira vez no sistema. Os pavilhões mais perigosos eram o 7 e o 8", concluiu.
Após os depoimentos das testemunhas, o juiz suspendeu a sessão por 30 minutos. Os réus podem ser ouvidos ainda hoje, ou, como sugeriu semana passada o advogado deles, Celso Vendramini, podem se manter em silêncio.