O ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo Pedro Franco de Campos e um agente penitenciário serão ouvidos nesta terça-feira como testemunhas de defesa dos 15 policiais militares acusados pela morte de oito presos do complexo penitenciário do Carandiru, em outubro de 1992, no episódio que ficou conhecido como Massacre do Carandiru.
As testemunhas foram convocadas pela defesa dos PMs. Os policiais em julgamento eram integrantes do Comando de Operações Especiais (COE). O grupo responde por oito mortes ocorridas no terceiro andar, equivalente ao quarto pavimento, e duas tentativas de homicídio.
A previsão é que o júri se estenda até o final da semana, já que o advogado dos réus, Celso Vendramini, adiantou que todos os PMs - praças e três coronéis, dois, dos quais, ainda na ativa - serão interrogados. Nos júris anteriores, a maior parte dos policiais preferiu ficar em silêncio, de acordo com a estratégia da defesa.
Nesta segunda-feira, primeiro dia de júri, depuseram as testemunhas de acusação: Osvaldo Negrini Neto, perito que analisou as celas e corredores do pavilhão 9 do Carandiru, e Moacir dos Santos, diretor de disciplina da unidade prisional, à época do massacre. Marco Antonio de Moura, pedreiro que, em liberdade desde 1994, sobreviveu à chacina na Casa de Detenção, foi dispensado. Desta vez, um júri essencialmente masculino - sete homens - é que dirá se os réus são culpados ou inocentes.
MP e defesa avaliam primeiro dia
“Temos bem caracterizado o massacre, que já foi levado à apreciação de 21 pessoas da sociedade em três júris: o do coronel Ubiratan (Guimarães) e os do segundo e terceiro pavimentos, quando a sociedade condenou. Será assim no quarto e quinto pavimentos, porque contra esse tipo de fato não há argumento. Nos parece tranquilo, mais uma vez, que a prova dá respaldo para a tese do MP. A sociedade e a prova estão com o MP. Estamos amparados na lei e também na nossa consciência”, disse o promotor Márcio Friggi.
Para o advogado dos réus, os depoimentos de ontem "não influenciaram em nada" a situação dos réus no que tange à culpabilidade deles. "Porque o pavimento onde estavam tem 60 celas, e foi encontrado disparo apenas em uma. Fiquei tranquilo porque há muitas contradições nos depoimentos. Temos agentes, funcionários que contam histórias totalmente diferentes de ameaças e agressões de presos”, declarou Vendramini.
Perito descarta revide de presos
O perito Osvaldo Negrini Neto afirmou ter visto “cenas de uma violência descomunal, descabida” diante das celas periciadas. Além disso, relatou, as condições à época eram hostis ao trabalho da perícia. “A princípio era proibido entrar e fazer perícia no local”, disse o perito, que completou: “A prova que mais dá evidência do que fato ocorreu é a posição dos corpos. Quando cheguei lá, os corpos estavam amontoados no primeiro andar”, declarou.
Tese defendida pela defesa, um suposto tiroteio entre PMs e presos que teriam reagido à entrada dos policiais foi descartada pelo perito a partir de restos de chumbo detectadas nas celas. Segundo ele, o cobre é vestígio de armas como metralhadora e pistola; revólveres, apresentados à época como posse dos detentos, deixavam vestígio de chumbo.
Diretor de disciplina cita 'fuzilamento'
Segundo a ser interrogado nessa segunda-feira, Moacir dos Santos era diretor de segurança e disciplina da Casa de Detenção de São Paulo. No dia 2 de outubro de 1992, data do massacre, ele já tinha mais de 20 anos à serviço do Estado. Acostumado com situações parecidas, ele disse que os policiais entraram sem que antes se esgotassem as tentativas de um acordo. "Entraram como um bando de índios", disse ele, ao se referir à invasão do Pavilhão 9 do presídio.
Para o funcionário da Detenção, o que houve naquele dia foi um "tiro ao pombo". Eles já entraram atirando. Logo na entrada foram mortos oito ou nove presos. Quando os funcionários tentaram socorrer os baleados, foram ameaçados com armas", disse.
Segundo Santos, esses presos foram socorridos pelos próprios PMs e permaneceram cerca de 50 minutos dentro das viaturas antes de ser encaminhados para os hospitais. "Talvez por isso ninguém tenha chegado vivo".
Julgamento
Desde segunda-feira, 15 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de oito detentos - e na tentativa de outros dois homicídios - estão sendo julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido. Nas duas primeiras etapas do julgamento, no ano passado, os PMs que atuaram nos dois primeiros andares do prédio foram condenados, respectivamente a 156 e 624 anos de prisão. A Justiça decidiu, em primeira instância, que eles concorreram para a morte de 13 presos no primeiro andar e outros 52 no segundo andar.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.