Quando adolescente, o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), preso preventivamente pela segunda vez na manhã desta sexta-feira, profetizava que iria seguir os passos do pai.
"Vou ser político", dizia aos colegas do colégio Marista, em Brasília. Entre eles estava Renato Russo (1960-1996), vocalista da banda Legião Urbana - que, segundo o livro Renato Russo: O Filho da Revolução, do jornalista Carlos Marcelo, considerava Geddel "insuportável".
Dono de uma verborragia peculiar, o baiano cumpriu a promessa feita quando estudante, mas construiu uma carreira repleta de embates e escândalos. Foi de suposto anão do orçamento a gigante do bunker de R$ 51 milhões, como sintetizou a manchete o jornal paranaense A Gazeta do Povo, um dos vários a destacar a operação da Polícia Federal que encontrou a fortuna atribuída a ele em um apartamento em Salvador.
Em 27 anos de vida partidária, em que se manteve sempre filiado ao PMDB do presidente Michel Temer, já foi suspeito desviar recurso do Banco do Estado da Bahia, onde foi diretor na década de 1980, de ser um dos anões do orçamento nos anos 1990, de multiplicar o próprio patrimônio com dinheiro público em 2001 e de ter conduzido negócios ilícitos à frente do Ministério da Integração e em uma diretoria da Caixa.
Mais recentemente, foi acusado de tráfico de influência, corrupção, obstrução de Justiça e, agora, de manter os milhões guardados em malas e caixas em um imóvel emprestado - e que os levaram de volta à cadeia.
Geddel sempre negou todas as acusações que pesam sobre ele ao longo de quase 30 anos de carreira política. Após sua prisão nesta sexta, sua defesa afirmou em nota que só se manifestará quando tiver acesso aos autos.
Suíno, Babel, Percevejo de gabinete
Nascido em Salvador, Geddel cresceu em Brasília porque seu pai, Aprísio Vieira Lima, era deputado federal.
De acordo com o biógrafo de Renato Russo, Geddel chegava ao colégio dirigindo uma Opala verde e era considerado o palhaço da turma - sempre tinha uma piada na ponta da língua. No Marista, ganhou o apelido de Suíno.
Ao longo da vida, colecionou outros apelidos. Na lista da Odebrecht, aparece como "Babel". Na agenda de Lúcio Funaro, um dos operadores investigados na Lava Jato, era identificado como "Carainho".
Antes disso, em 2002, o ex-presidente Itamar Franco (1930-2011) o chamou de "percevejo de gabinete". À época, o então governador de Minas criticava a postura de peemedebistas que se aliavam a governos em troca de cargos.
Geddel defendia então que o partido apoiasse a candidatura de José Serra (PSDB-SP) e rebateu Itamar, a quem chamou de "nômade partidário".
Aliado tucano e petista
Formado em administração de empresas pela Universidade de Brasília, começou a carreira como assessor na Câmara dos Deputados. Antes de disputar uma eleição, foi para a Bahia, onde foi diretor do Baneb (o banco estadual), assessor da Casa Civil da Prefeitura de Salvador, diretor da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) e presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
Em 1990, filiou-se ao PMDB, partido pelo qual foi eleito cinco vezes deputado federal e ainda é filiado. Na Câmara, foi parte da bancada liderada por Michel Temer e apoiou o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Em 2001, comprou briga com o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (1927-2007).
Naquele ano, ACM exibiu em seu gabinete o vídeo intitulado "Geddel vai às compras", com imagens de propriedades e insinuações de que elas teriam sido compradas pelo peemedebista e seus familiares.
"Até as grandes figuras têm pecados. O único (pecado) que conheço do Luís Eduardo foi ter salvo o deputado Geddel na CPI do Orçamento, quando ele já estava fisgado", atacou ACM, lembrando que, durante as investigações da CPI, na década de 1990, o nome de Geddel apareceu em uma lista de uma empreiteira ao lado de um percentual (4%).
Geddel foi absolvido das acusações de fraudar recursos do Orçamento da União.
Em resposta aos ataques de ACM, ele disse à época: ''Não quero mais esse fanfarrão mandando na República. Ele está morto. Com a morte do Luís Eduardo (deputado, filho de ACM, morto em abril de 98), ele perdeu a alma'', disse.
Em 2007, aceitou convite para ser ministro da Integração Nacional do governo Lula, depois de ter atuado como crítico contumaz do primeiro mandato do petista. Na gestão Dilma Rousseff, foi nomeado vice-presidente de Pessoa Jurídica na Caixa Econômica Federal, cargo que ocupou entre 2011 e 2013, depois de ficar sem mandato - perdeu as eleições baianas para o Senado para Otto Alencar (PSD).
Em 2015, já fora do governo, passou a ser um crítico ferrenho da gestão petista. Num protesto contra a corrupção em março de 2015 no Farol da Barra, em Salvador, disse a uma emissora de TV: "Ninguém aguenta mais tanto roubo. Isso deixou de ser corrupção, isso é roubo".
"É assalto aos cofres públicos para enriquecer petistas", reforçou.
Tão logo Michel Temer assumiu interinamente, em maio de 2016, Geddel foi alçado a ministro da Secretaria de Governo. Meses depois, porém, foi forçado a renunciar depois de ser acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de pressioná-lo para liberar uma obra de seu interesse.
Ele cobrava, disse Calero, um parecer favorável do Iphan (órgão responsável pelo patrimônio) para autorizar um projeto em uma área protegida de Salvador, no qual teria adquirido um imóvel.
Lágrimas
Desde que deixou o governo Temer e, portanto, perdeu o foro privilegiado, Geddel passou a ser alvos de inquéritos e foi denunciado pelo Ministério Público.
Em um dos processos, é supeito de participar de um esquema de pagamento de propina por parte de empresários em troca de facilitação ou liberação de créditos da Caixa no período em que era diretor.
Preso pela primeira vez no início de julho, chorou ao ouvir de um juiz federal que ficaria preso por tempo indeterminado. Dias depois, conseguiu uma liminar concedida por um desembargador federal para converter sua prisão preventiva em domiciliar.
Nesta semana, a Polícia Federal descobriu malas e caixas de dinheiro num apartamento que estaria sendo usado por ele para esconder R$ 51 milhões.
Além das impressões digitais do ex-ministro identificadas pela polícia no dinheiro, uma fatura em nome de uma funcionária dele motivaram o Ministério Público Federal a pedir novamente sua prisão.
Após ser preso, Geddel foi levado para o aeroporto de Salvador, de onde seguiria para Brasília. Uma viagem que fez inúmeras vezes nas últimas décadas - mas certamente com um gosto bastante diferente.