O julgamento dos 10 policiais militares acusados por 10 mortes no quinto pavimento (quarto andar) da Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992, chega à fase dos debates com acusações mútuas, entre a promotoria e a defesa dos réus. O advogado de defesa dos policiais, Celso Vendramini, disse que vai pedir a nulidade do júri, por conta de uma irregularidade praticada pelos promotores. Por sua vez, o Ministério Público afirma que nesta segunda-feira foi presenciada uma das "maiores mentiras contadas no júri brasileiro".
É nesse clima que depois de quase 22 anos sem uma decisão da Justiça por conta da morte de 111 presos, durante a contenção de uma rebelião, que começam os debates para o julgamento do terceiro grupo de policiais acusados pelas mortes. Nos primeiros júris, os policiais envolvidos foram condenados respectivamente a 156 e 624 anos de prisão, devido atuação no primeiro e segundo andares do Pavilhão 9 (segundo e terceiro pavimentos).
"O que nós presenciamos hoje foi uma das maiores mentiras contadas no júri brasileiro. Eu não tenho nenhuma dúvida em afirmar isso. Foi simplesmente surreal, inacreditável", disse o promotor Eduardo Canto Neto sobre a tese da defesa.
Os 10 policiais interrogados nesta segunda-feira afirmaram que em nenhum momento atuaram no quarto andar do prédio (quinto pavimento). Orientados pelo advogado de defesa, eles responderam apenas perguntas do juiz Rodrigo Tellini. E esses policiais respondem pelas mortes justamente no quarto andar do prédio.
"Foi um erro da acusação. Em nenhum momento do processo os policiais disseram que ali agiram", disse o advogado. A promotoria tem outra versão. "Ele não pode esquecer que esse processo não começou hoje. Esses policiais foram ouvidos outras vezes e disseram que lá estiveram. Prova com relação a isso não não faltam nos atos. Surpreendeu pelo absurdo. Esperávamos algo mais crível. Não tem respaldo nos autos, em outras fases", disse o promotor Márcio Friggi.
Por sua vez, Vendramini se queixa da promotoria, que teria entregado aos jurados cópias de dois livros que, na visão dele, não estavam juntados aos autos, o que não é permitido pela Justiça.
"O Ministério Público entregou dois livros e esses dois livros não existem no processo. Estão mentindo. Existem no processo do coronel Ubiratan, que não tem nada a ver com esse.
Não se pode exibir documentos que não existem no processo. Foi uma desonestidade por parte do Ministério Público. Juraram de pé junto que existiam. Eles falaram que tinha nos autos. Eu acreditei. Fui procurar no processo e não existem. Estão no volume 42 do coronel Ubiratan. Quando o juiz chegar, vou pedir para consignar em ata e este júri está nulo. O julgamento está nulo por conta do Ministério Público. Quero ver se serão multados também", disse ele, que foi multado em mais de R$ 50 mil por ter abandonado o plenário durante o júri dos policiais que atuaram no quarto pavimento (terceiro andar), em 18 de fevereiro.
Julgamento
A partir desta segunda-feira, mais 10 policiais militares (PMs) acusados de participação na morte de 10 detentos e na tentativa de outros três homicídios estão sendo julgados no Fórum Criminal da Barra Funda, depois de mais de 21 anos do ocorrido, em 2 de outubro de 1992. Na ocasião, 111 presos foram mortos após uma briga interna que acabou com a invasão da Tropa de Choque da Polícia Militar paulista, que, na Justiça, responde por 102 dessas mortes. Contra as demais nove vítimas não ficou comprovada a ação dos policiais. Até agora, são 48 policiais condenados por conta da atuação naquela data. Para todos os casos, ainda cabe recurso.
Nas duas primeiras etapas do julgamento, no ano passado, os PMs que atuaram nos dois primeiros andares do prédio foram condenados, respectivamente a 156 e 624 anos de prisão. A Justiça decidiu, em primeira instância, que eles concorreram para a morte de 13 presos no primeiro andar e outros 52 no segundo andar.
Relembre o caso
Em 2 de outubro de 1992, uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e a morte de 111 detentos. Os policiais são acusados de disparar contra presos que estariam desarmados. A perícia constatou que vários deles receberam tiros pelas costas e na cabeça.
Entre as versões para o início da briga está a disputa por um varal ou pelo controle de drogas no presídio por dois grupos rivais. Ex-funcionários da Casa de Detenção afirmam que a situação ficou incontrolável e por isso a presença da PM se tornou imprescindível.
A defesa afirma que os policiais militares foram hostilizados e que os presos estavam armados. Já os detentos garantem que atiraram todas as armas brancas pela janela das celas assim que perceberam a invasão. Do total de mortos, 102 presos foram baleados e outros nove morreram em decorrência de ferimentos provocados por armas brancas. De acordo com o relatório da Polícia Militar, 22 policiais ficaram feridos.