A forma como pensam os adeptos da teoria do “bandido bom, é bandido morto” fica evidente em casos de linchamento com ampla repercussão na imprensa brasileira. Ao usar a seção de “comentários”– seja de portais de notícias ou de redes sociais – para exaltar a justiça com as próprias mãos, o internauta não sabe que, muitas vezes, pode estar cometendo um crime.
O Código Penal afirma, em seus artigos 286 e 287, que incitação e apologia ao crime também são atos criminosos e devem ser punidos com prisão (de três a seis meses) ou multa. No caso dos comentários na internet, o advogado criminalista Leonardo Pantaleão afirma que, a depender da forma e do conteúdo da mensagem, é possível tratar a questão como apologia ou incitação ao crime.
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“É preciso analisar se o comentário está dentro dos limites da liberdade de expressão ou se faz incitação ao crime. Mas cada comentário é uma conduta, não podemos fazer uma interpretação generalizada”, afirmou Pantaleão.
Na última terça-feira, um homem foi linchado até a morte após uma tentativa de assalto em São Luís, no Maranhão. Dois dias depois, um suspeito de roubo foi amarrado e espancado no Rio de Janeiro. Na página do Terra no Facebook, o post com a notícia do Rio recebeu o seguinte comentário. “Eu sou a favor do linchamento de bandido. E já que este não morreu, ‘bora’ linchar ele de novo”. Para Pantaleão, não há dúvida: esse tipo de comentário é incitação ao crime.
Martim de Almeida Sampaio, diretor da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), entende que comentários de apoio a linchamentos são atos criminosos. “Quando você exorta publicamente um fato criminoso ou o autor de um crime, você está fazendo apologia ao crime”, disse. O problema, segundo ele, é que as penas (de três a seis meses de prisão) são muito baixas. “Isso se deve muito ao fato de que o Código Penal é antigo, de 1940. Naquela época não existia rede social, então isso não era uma coisa comum.”
Liberdade de expressão
O especialista em direito penal Thiago Bottino, da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que, para ser considerado criminoso, um comentário deve fazer apologia a um crime ou a um autor de crime específicos. Além disso, ele argumenta que a questão deve ser analisada à luz do direito à liberdade de expressão.
“Nós temos uma Constituição que protege a liberdade de expressão de forma ampla. E nós temos que interpretar as leis de acordo com a Constituição”, disse. “O internauta que posta que é a favor do linchamento é, na minha opinião, um completo imbecil. Mas mesmo os imbecis têm que ter resguardado o seu direito à de liberdade de expressão. E eu também não acho que alguém esteja estimulando um linchamento apenas por se posicionar a favor de linchamentos”, continuou Bottino.
Para a socióloga Ariadne Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), a profusão de mensagens de apoio aos linchamentos cria, sim, um ambiente propício para a ocorrência de novos casos. “Fazer comentários de apoio é dizer que isso é aceitável, que aquele que lincha tem o respaldo da comunidade para agir. Se não tivesse respaldo, o linchador não estaria em praça pública cometendo uma agressão”, disse.
Para Ariadne, que é autora da dissertação “30 anos de Linchamento na Região Metropolitana de São Paulo 1980-2009”, os internautas que apoiam os linchamentos e as pessoas que incitam esse tipo de crime ao vivo têm em comum a cultura de desrespeito aos direitos civis fundamentais. "Aliado a isso, existe a percepção de que as instituições de segurança e justiça não são capazes de dar as respostas adequadas. É uma combinação bombástica”, encerrou.