Em uma decisão inédita no País, a Justiça Federal transferiu de faculdade o estudante Luiz Fernando Alves, 22 anos, que foi vítima de trote violento em março deste ano, na festa de recepção de calouros da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). Na última sexta-feira, o Tribunal Regional Federal (TRF) lhe concedera tutela antecipada em ação pedindo sua transferência compulsória da Famerp para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.
Alves, que foi agredido fisicamente e recebeu banhos de cerveja gelada, vômitos e urina, foi encontrado inconsciente à beira da piscina do clube onde era realizado o baile do bicho da faculdade. Com medo de sofrer represálias dos outros alunos, o estudante, que é autista e sofre de transtorno de déficit de atenção, deixou o curso de medicina e voltou para sua casa, em Contagem (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A decisão é da juíza Hind Ghassan Kayath, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em agravo de instrumento impetrado em segunda instância pelo advogado Daniel Calazans Teixeira, que defende o estudante, considerou o caso como excepcional. É a primeira vez que um estudante vítima de trote violento consegue transferência de faculdade por este motivo no País.
Segundo Teixeira, a ação de pedido de transferência compulsória do estudante é baseada na lei 9.536/1997. “Essa lei autoriza a transferência compulsória de servidores públicos transferidos de região, que não podem ter seus estudos, ou de seus familiares, prejudicados pela mudança de cidade e escola”, explicou.
“O que pedimos foi que a Justiça fizesse uma interpretação mais abrangente da lei, pois se tratava de um caso de saúde, mais grave ainda que a transferência de trabalho de servidores. Perdemos em primeira instância, mas vencemos no recurso em Brasília”, disse. Em primeira instância, a Justiça Federal de Belo Horizonte havia indeferido o pedido de tutela.
Pensamento de suicídio
Por meio de documentos e relatórios médicos apresentados pela defesa, a juíza levou em consideração os danos mentais e físicos causados pelo trote ao estudante, que teve seu estado de saúde agravado pela violência e precisou passar por tratamento psicológico e a tomar medicamentos antidepressivos. Segundo a juíza, os documentos comprovam que o rapaz apresentava sinais de lesão corporal, com equimoses nas coxas, escoriações no lábio superior e orelha esquerda, na palma da mão direita e no joelho esquerdo e que ficou “descompensado e desorganizado”, “mais deprimido e até com vontade de morrer”.
Segundo a juíza, apesar de a lei determinar que haja previsão de reserva de vagas na faculdade pretendida para que a transferência seja possível, o caso do estudante merece ser analisado de forma excepcional, sendo suficiente para afastar a previsão legal. Para isso, ela apresentou diversas decisões em que a câmara julgadora afastou a previsão legal para beneficiar servidores que não poderiam ser prejudicados nos seus estudos.
“Ela considerou o caso relevante e se baseou nos direitos Constitucionais do meu cliente à educação e à Saúde”, explicou Teixeira. “Entendo tratar-se o caso do agravante de situação excepcional e que, por isso mesmo, merece tratamento excepcional por parte do Poder Judiciário”, disse a juíza em seu despacho.
A decisão ainda precisa ser ratificada por outros dois desembargadores. Convocada para julgar no lugar do desembargador relator Jinair Aran Mereguian, a juíza também levou em consideração o fato de que, para se tratar dos problemas, o estudante deve ficar próximo da família, daí aceitou a transferência compulsória dele para a UFMG, que fica próxima de Contagem. Agora, a UFMG será notificada e o estudante começa a assistir as aulas possivelmente na próxima segunda-feira, 11.
Orando
Segundo Teixeira, como foi em segunda instância, dificilmente um recurso contra tutela sairá vitorioso. Ele diz acreditar que até o julgamento final do mérito, o estudante já estará fazendo residência médica. A mãe de Luiz Fernando, Flordelice Hudson, disse vai orar para que a decisão dos dois outros desembargadores também seja favorável ao seu filho.
“Vamos orar para Deus para que eles entendam a situação do meu filho, que mudou completamente de comportamento depois deste trote e está agora se consultando com neurologistas e psicólogos. É um trauma muito grande para ele e para toda a nossa família”, disse.
Segundo ela, Luiz Eduardo também passou no vestibular da Unicamp, mas ela diz ter receio de deixar o filho sair de perto por conta dos traumas sofridos devido ao trote de Rio Preto. “Além disso, não tenho mais recursos financeiros para sustentar meu filho longe de casa, por isso, se ele conseguir mesmo estudar em Belo Horizonte, será uma graça divina”, diz.
A Famerp informou não ter conhecimento da decisão da Justiça, mas que está aberta para liberar os documentos para a transferência do estudante. Em nota, afirmou que o caso do estudante está com a polícia e que investigações internas constataram que estudantes participaram do trote e foram punidos com sete dias de suspensão.