SP: mãe de menino morto por PMs nega que ele andasse armado

7 jun 2016 - 18h55

Em depoimento de pouco mais de duas horas hoje (7), no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a mãe do menino de 10 anos que foi morto na semana passada por policiais militares, após uma perseguição de carro, negou que ele andasse armado ou que soubesse dirigir. Ao sair, por volta das 14h, Cintia Ferreira Francelino não quis responder a perguntas da imprensa, mas disse que o menino não atirou nos policiais. “Meu filho não atirou em ninguém. Ele não tinha nenhuma arma.” O depoimento de Cintia foi acompanhado por Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe).

“Quem prestou depoimento foi a mãe do menino e um tio dele [Alex de Jesus Siqueira]", disse Alves. De acordo com o conselheiro, Cíntia reiterou que o filho não tinha, nem sabia manusear armas de fogo. Ela disse também o menino não sabia dirigir nenhum veículo”, informou Alves aos jornalistas após o depoimento. O conselheiro disse ainda que a mãe do menino contou que esteve presa, foi libertada em março e, desde então, tinha voltado a morar com o filho.

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Segundo, Ariel de Castro Alves, o tio do garoto, que viveu com ele no período em que a mãe estava presa, disse também que  desconhecia se o sobrinho sabia dirigir.

A ocorrência

De acordo com nota divulgada na semana passada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), o menino de 10 anos e um amigo de 11 anos furtaram um carro na garagem de um condomínio na região do Morumbi. Policiais perceberam a ação e saíram em perseguição ao veículo, um Daihatsu Terios. Pela versão policial, o menino foi baleado em confronto após ter feito três disparos contra os policiais com uma arma calibre 38. Os dois primeiros disparos foram feitos com o veículo ainda em movimento, antes de o carro bater em um ônibus e depois em um caminhão que estava estacionado, até perder o controle. Conforme os policiais, o terceiro tiro foi disparado pelo menor após as batidas. Vídeos de câmeras de segurança mostram o carro desgovernado, depois parado e um policial se aproximando e fazendo o disparo. O menino teria feito os disparos com o vidro do carro abaixado, mas teria subido o vidro pouco antes de ser baleado. Como o vidro era escuro [com insulfilm], o policial, ao atirar, não teria visto que era um garoto ao volante.

Diferentes versões

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O outro garoto, de 11 anos, que também estava no veículo, apresentou à polícia várias versões sobre o fato. Na primeira vez em que foi ouvido, acompanhado apenas pela mãe, ele disse à polícia que o outro menino atirou duas vezes contra os policiais e que, depois de bater o carro, disparou novamente, pouco antes de ser atingido e morrer. Na segunda versão, ele contou que foram feitos dois disparos e que não houve o terceiro tiro, que indicaria o confronto. No último domingo, porém, em uma entrevista à Corregedoria da Polícia, acompanhado por uma psicóloga, o menino mudou novamente a versão dizendo que eles não estavam armados e que não foi feito nenhum disparo em direção à polícia. Segundo o menor, a arma que foi encontrada com eles foi plantada ali por policiais.

“É possível que agora, como ele foi ouvido por uma psicóloga, uma pessoa que conseguiu ganhar a confiança dele, de forma mais lúdica, em espécie de depoimento sem dano, ele pode ter tido mais condições de dizer a verdade. Essas mudanças [de versão] podem ter sido decorrência disso”, explicou Alves.

Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Segurança Pública não confirmou que o garoto foi ouvido pela Corregedoria, mas tanto Ariel Castro quanto o ouvidor da Polícia, Júlio Cesar Fernandes Neves, disseram que o menino de 11 anos foi ouvido, mas não em depoimento, apenas em uma entrevista – e que ele, de fato, mudou a versão, afirmando que eles não estavam armados.

“Tive a confirmação de que esse depoimento ocorreu por meio da própria mãe do menino de 11 anos. Ela o acompanhou na corregedoria e deixou claro que uma psicóloga o entrevistou, de forma lúdica, em meio a brinquedos, e a criança teria, a partir do vínculo de confiança com a psicóloga, prestado essas informações de que eles não tinham nenhum tipo de arma”, relatou Alves.

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“No domingo, o menor foi à corregedoria, junto com a mãe, e lá realmente disse que eles não estavam armados. Só que a corregedoria não pegou isso como depoimento, mas como entrevista junto com um psicólogo. No entanto, essa fala dele houve, sim, porque o corregedor da Polícia Militar assumiu isso perante a ouvidoria", ressaltou o conselheiro.

"Ele realmente falou que não tinha armas no carro”, disse o ouvidor Júlio César Neves hoje à Agência Brasil. De acordo com o ouvidor, essa entrevista deverá servir de prova no caso. “A entrevista deve ser usada para que haja um novo depoimento desse menino no DHPP.”

Ariel de Castro Alves informou ter pedido que a entrevista dada pelo garoto à corregedoria seja anexada à investigação. “A equipe do DHPP está analisando se o garoto fará novo depoimento,mas estamos requisitando que seja encaminhada, pela corregedoria, essa entrevista”, disse ele. Segundo Alves, o Condepe se preocupa com a proteção do menino, que é testemunha do caso, e pretende convencer a família do garoto a participar de um programa de proteção de crianças e adolescentes ameaçados de morte.

Demora no registro da ocorrência

O conselheiro destacou que causou estranheza o fato de o garoto que sobreviveu ao crime ter ficado mais de quatro horas com os policiais militares antes de o fato ter sido registrado em boletim de ocorrência.

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“A ocorrência foi às 19h e só foi apresentado aqui, no DHPP, à meia-noite daquele dia. Nesse período todo, o menino ficou sob pressão dos policiais. E foi nesse momento que ele gravou aquele vídeo [feito pelos policiais militares logo após a ocorrência. No video, o menino relata que estavam armados e teriam atirado em direção aos policiais]. Ele relatou depois que foi ameaçado de morte. Em depoimento aqui [no DHPP], que eu acompanhei, disse que levou um tapa na cara logo no momento da abordagem no carro, no final da ocorrência. Entendo que essa pressão, esse constrangimento, esse temor que ele tinha podem ter contribuído para aquele primeiro depoimento prestado por ele”,explicou Alves.

Na opinião de Alves, o último depoimento do garoto de 11 anos ao DHPP apresenta indícios de que houve execução. “Podemos dizer, com base nas várias informações que se tem até agora, principalmente na última entrevista dada pelo menino que sobreviveu e no depoimento prestado no DHPP, afirmando que não houve nenhum confronto, que existem indícios de uma possível execução. Temos um homicídio a ser apurado, e os policiais precisariam provar que agiram em legítima defesa, mas as hipóteses hoje são muito fortes de que essa criança teria sido executada nessa abordagem.”

O ouvidor Júlio Neves defendeu uma investigação profunda, principalmente sobre o lapso de tempo entre a ocorrência e o registro dela, que foi das 19h até a 0h23. "Ficamos cinco horas sem saber que houve esse crime. O que esses policiais fizeram nessas cinco horas e 23 minutos? É muito tempo para não apresentar uma ocorrência na mesma localidade. Eles [policiais] têm que justificar o que fizeram com o menino. Por que demoraram tanto para apresentar essa ocorrência no DHPP? Nunca acreditamos que um garoto de 10 anos pudesse, concomitantemente, atirar, acelerar um carro, abrir e fechar um vidro, sendo perseguido por policiais e levando tiro. Isso, para nós, é impossível”, afirmou o ouvidor. Segundo Neves, os policiais envolvidos na ocorrência estão, neste momento, afastados da corporação.

Agência Brasil
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