Pelo breu, sirenes silenciosas e holofotes abriam o caminho para a passagem da família de Cleiton Ribeiro pelo Cemitério Municipal São Sebastião, em Suzano. Descrito como tranquilo, o rapaz de 17 anos foi o quinto e último a ser enterrado no local na noite desta quinta-feira, no mesmo jazigo onde foram sepultados também Caio Oliveira, de 15 anos, e a inspetora escola Eliana Xavier, de 38 anos. Próximo das 20 horas, os familiares acenderam três velas brancas em frente ao local em silêncio.
Uma das oito vítimas do massacre na escola Professor Raul Brasil, Cleiton iria completar a maioridade neste ano. Por enquanto, ainda se dividia entre a ideia de cursar Medicina ou Direito, mas queria trabalhar e ajudar a família. Já o pai, João, pretendia vender uma casa na Bahia para pagar a futura graduação e fazer a primeira festa de aniversário da vida do garoto.
A mãe, Marlene, e o marido já haviam perdido a filha primogênita, que morreu quando tinha cerca de cinco anos devido a problemas de saúde, antes de Cleiton nascer. Agora, resta somente o casal. Segundo parentes, voltar à terra natal, na Bahia, pode ser um recomeço.
"Ela (a mãe) já perdeu a filha. Agora perde o filho. Não tem como aguentar", declarou o pintor Alexandre Leite, de 40 anos, primo do garoto. "Foi muito brutal. Ele caiu e mesmo assim o rapaz atirou contra ele", lamenta outro primo, o analista de projetos de inovação Rogério Brandão, de 45 anos, que reclama de falta de rondas policiais nas escolas. "Se tivesse mais, já seria meio caminho andado. Policial dentro eu acho que daí a escola vira uma jaula, uma prisão. Mas precisa ter três, quatro vezes mais rondas."
"Precisa mudar alguma coisa, a gente está ficando com medo. Eu tenho netos, sobrinhos na escola. Como fica?", diz a aposentada Maria Conceição, de 69 anos, tia de Cleiton. Além de segurança, ela também reivindica maior acompanhamento psicossocial aos estudantes. "Precisa ter alguma coisa, para perceber quem está com algum problema psicológico", defende.
O velório de quatro dos cinco estudantes e das duas funcionárias ocorreu a partir das 7 horas, na Arena Suzano. A família de Douglas Murilo Celestino, 16 anos, decidiu fazer uma cerimônia à parte, assim como a de Jorge Antonio de Moraes, de 51 anos, tio de um dos atiradores.
Pela Arena Suzano, mais de 15 mil pessoas passaram ao longo de 11 horas, formando filas e enchendo ônibus escolares até o local dos enterros. Além de familiares e amigos, muitos foram prestar solidariedade às famílias, e sofriam e choravam mesmo sem conhecê-las. Grande parte era da cidade e, dentre eles, havia professores de outras escolas que foram homenagear as colegas de profissão. As lágrimas se multiplicavam também entre voluntários, funcionários públicos e até alguns jornalistas.
Entre os familiares, que ficaram em uma área cercada dentro do ginásio, a emoção ainda era maior: a mãe de Caio Oliveira, de 15 anos, passou grande parte do velório sentada olhando e acariciando o cabelo do filho. Os caixões eram de madeira marrom, diferenciados apenas por uma folha de papel sulfite que identificada o nome da vítima.
No momento de deixar o ginásio, as palmas se misturavam à comoção daqueles que só conseguiam partir carregados por outras pessoas ou em cadeiras de rodas. Além de familiares, muitos estudantes estavam comovidos. No entorno, mais de 50 coroas de flores prestavam condolências. Uma delas dizia: "Ninguém morre enquanto permanece vivo no coração de alguém."
Após as 15 horas, pouco a pouco, os corpos deixaram o ginásio, alguns sob uma forte chuva, que também apareceu durante o enterro da inspetora Eliana Xavier, de 38 anos, que deixou dois filhos adolescentes (que permaneceram abraçados durante todo o sepultamento). Pouco antes do sepultamento, a família ainda pediu para olhar pela última vez para o rosto da educadora.
No velório, a professora Rosana da Silva, de 55 anos, "tia" de coração da inspetora procurou a família e depois subiu nas arquibancadas com um cartaz, que dizia "Vamos dar um basta na violência. Queremos paz e segurança nas escolas."
"Cheguei aqui e fiz esse cartaz protestando contra essa violência, pena que são tão poucas pessoas (se manifestando). Tenho uma ONG que já faz um trabalho social no Itaim Paulista (na zona leste de São Paulo), esse veio por acaso, infelizmente."
No entorno, novamente alguns anônimos estavam lá pela comoção. "Vim prestar condolências. Choca demais essas coisas, ainda mais a gente que tem filho", diz a aposentada Cleide Silva, de 71 anos.
Grades separavam a área onde estão os corpos e as famílias das vítimas. Ao lado, um corredor era destinado para a passagem da população que foi prestar homenagens, que em parte pode ocupar as arquibancadas do ginásio. Mesmo após o fim do primeiro culto, iniciado às 11 horas, algumas família continuaram a entoar canções católicas e evangélicas, enquanto os parentes mais próximos continuam junto dos caixões.
Embora velada na quinta-feira, o sepultamento de Marilena Umezu, de 59 anos, deve ocorrer apenas na sexta-feira, porque a família aguarda o retorno de um dos filhos da coordenadora, que estava na China. "Você sempre queria o bem da pessoas, achávamos até engraçado que você sempre via o lado bom em tudo!!!!!!! Nós sabemos o quanto você era apaixonada pelo seu trabalho e tratava todos os alunos como seus filhos, a partir de hoje você vai continuar dando seus ensinamentos em um lugar muito melhor que o nosso e estará olhando por nós", escreveu outro filho da coordenadora, Vinicius Umezu, em homenagem nas redes sociais.
Por volta das 14h30, os portões foram fechados na Arena Suzano para um momento de homenagens mais privativas. Entre os alunos, alguns vestiam o uniforme preto da Raul Brasil, que trazia o nome da escola no colarinho. Na parte central do ginásio, uma missa foi celebrada pelo bispo de Mogi das Cruzes, Dom Pedro Luiz Stringhini, que leu nome das vítimas e pediu "Sim à paz. Não à violência."