O cirurgião Josias Caetano dos Santos, que realizou uma hidrolipo em Paloma Lopes, paciente que morreu durante o procedimento, responde a pelo menos 22 processos por negligência médica na Justiça de São Paulo. Apesar das denúncias, seu registro permanece ativo no Conselho Regional de Medicina (Cremesp). A defesa do médico nega as acusações.
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"Foram procurar beleza através de uma cirurgia estética para se tornarem mais belas e encontraram o horror, foram em busca de um sonho e encontraram um pesadelo", afirmou ao Terra o advogado José Beraldo, que representa as vítimas.
Conforme levantamento feito pela reportagem, os processos contra Santos estão em andamento em diversas comarcas, tanto na capital quanto nas cidades da região metropolitana de São Paulo. A maior parte das ações teve início entre 2022 e 2023.
As pacientes que o processaram por danos morais, com representação de Beraldo, estão atualmente com seus processos em fase de perícia médica, conforme determinação da Justiça. Elas deverão passar pelos exames no Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC) para comprovar os danos resultantes dos procedimentos realizados.
Entre as pacientes que denunciaram o médico, está uma mulher que relatou ter se submetido a uma mamoplastia redutora realizada pelo cirurgão em 7 de fevereiro de 2019. Quatro dias após o procedimento, ao retirar os curativos, ela constatou necrose na aréola esquerda, o que exigiu novos procedimentos e a posterior enxertia de aréola e mamilo.
Ela afirmou que os procedimentos realizados no consultório, em fevereiro e março de 2019, ocorreram sem os devidos cuidados, seguidos de uma revisão cirúrgica em abril do mesmo ano, sem sucesso, o que resultou na perda total do mamilo esquerdo.
“Ele prometeu beleza, mas entregou deformidade. Minhas clientes têm vergonha do próprio corpo hoje. Os danos causados são irreparáveis”, disse o advogado José Beraldo.
O cirurgião também já havia sido denunciado pela morte de outra paciente, de 39 anos, após ela passar por uma cirurgia de inclusão de prótese mamária em abril de 2021. Dias depois, ela passou mal, foi internada e faleceu em 3 de maio daquele ano.
Sobre esse caso, a Secretaria de Segurança Pública informou que os fatos foram investigados pelo 91º Distrito Policial (Ceagesp). Após esgotadas as diligências, o inquérito policial foi relatado e encaminhado à Justiça, com o indiciamento do médico citado em janeiro de 2023. Na mesma ocasião, foi expedido um ofício ao Cremesp, solicitando a apuração dos fatos também junto ao órgão. Posteriormente, o caso foi arquivado pela Justiça Pública.
'Não consigo pegar meu filho no colo'
A cirurgiã dentista Karoline dos Santos Quaresma, de 30 anos, que se submeteu a uma cirurgia de aumento de mama em 2021, contou ao Terra sobre uma experiência frustrante com o procedimento realizado pelo cirurgião plástico.
“Eu não consigo pegar meu filho no colo porque eu sinto dor nos peitos. Sinto uma coisa dolorida e repuxando a pele todinha”, relatou, explicando que, até hoje, as dores permanecem.
Ela lembra da expectativa de ter o corpo transformado pelo silicone, mas o resultado foi bem diferente do que imaginava: "Eu paguei por algo que era o meu sonho, eu queria um peito grande, porém, em pé. Mas foi totalmente o contrário do que eu sempre sonhei. E até hoje saem pontos do meu seio".
Karoline também afirmou que se sente abalada, principalmente pela limitação que a cirurgia trouxe à sua rotina. "Nunca mais vou fazer isso. É triste, muito triste".
Preço atrativo
A fisioterapeuta Deyse Faria, de 42 anos, conta que conheceu Santos em 2021, por recomendação de uma amiga. "Ela me disse que ele era bom, mas que estavam rolando algumas reclamações sobre as cirurgias dele", afirma. A decisão de fazer a cirurgia foi influenciada pelo atendimento "cativante" do médico, além do preço acessível, conforme relata.
Em 2022, ela fez uma mastopexia com implantação de prótese nos seios e uma abdominoplastia. Logo após o retorno, foi informada de que tinha um coágulo no seio. O médico indicou uma "reestruturação de mama", mas ela relata que a realidade foi bem diferente. "Ele não me explicou direito. Quando fui para a cirurgia, tive uma parada cardíaca e fui ressuscitada pelo anestesista. A operação aconteceu em um local que não tinha UTI, sem estrutura para a cirurgia. Voltei para casa com anemia profunda".
Ela precisou de cuidados médicos adicionais e conta que ficou com feridas abertas por meses porque os pontos necrosaram. "Foi o médico da minha família que me ajudou, limpando as feridas, porque o doutor Josias não fez nada." Durante todo o processo, a paciente afirma que se sentiu ignorada e desorientada. "Ele dizia que tudo estava bonito, mas minha saúde só piorava."
A fisioterapeuta relata que ficou com uma "grande cicatriz" e que o custo do pós-operatório totalizou R$ 60 mil, dinheiro que a família não tinha. "Meu marido e eu tivemos que fazer sacrifícios para pagar. Quando eu enviava exames [ao Josias], [ele] dizia que estava tudo bem, mas meu médico dizia o contrário."
Ela, no entanto, teve seus processos arquivados. "O prazo para a ação criminal caducou, e o Cremesp não encontrou provas suficientes. Mas eu não vou desistir de ter justiça porque o que mais quero é que ele pare de fazer o que fez comigo e com tantas outras mulheres. Isso marcou minha vida para sempre e ainda trato meus traumas".
O quer diz o Cremesp
Em nota, o Cremesp informou que está investigando o caso e que as apurações continuam sob sigilo, conforme determinado pela legislação. A instituição também ressaltou que o Cremesp e o Judiciário são instâncias distintas, e nem sempre compartilham as mesmas denúncias ou processos.
"Em relação ao Cremesp, todas as denúncias recebidas pela autarquia são avaliadas individualmente, respeitando as particularidades de cada caso, e apuradas de acordo com o Código de Processos Ético-Profissionais e com o Código de Ética Médica do CFM. Em caso de indícios de eventuais infrações éticas, as apurações evoluem para um processo ético-profissional. Os detalhes desta e de eventuais outras apurações tramitam sob sigilo", acrescentou.
Defesa nega acusações
Em nota, o advogado Lairon Joe Alves Pereira, que representa o médico, afirmou que o cirurgião atuava como prestador de serviços para a clínica onde ocorreu o procedimento de Paloma e que a paciente havia passado por consultas pré-operatórias via telemedicina, com exames que não indicaram impedimentos para a cirurgia.
Segundo a defesa, o procedimento transcorreu sem complicações, mas a paciente apresentou dificuldades respiratórias no pós-operatório, evoluindo para uma parada cardiorrespiratória. Medidas de reanimação foram realizadas, e Paloma foi transferida com vida para um hospital maior, onde sofreu uma segunda parada e não resistiu. A equipe médica afirma ter agido adequadamente e que colaborará com as investigações.
O advogado também afirma que a embolia pulmonar, apontada como possível causa da parada cardiorrespiratória da paciente, é uma complicação reconhecida na literatura médica, principalmente em procedimentos cirúrgicos como o realizado, e alega que Paloma foi previamente informada sobre os riscos, com registro no termo de consentimento assinado.
Sobre as outras acusações contra o médico, Pereira diz que Santos não possui condenações na esfera penal ou administrativa (CRM) por erro médico em seus 25 anos de carreira. Ele alega que a maior parte dos inquéritos e processos teria sido arquivada, seja por falta de provas de erro técnico, prescrição ou conclusão de perícias a favor do médico.
A defesa ainda afirma que ações civis podem ocorrer por falhas em termos de consentimento informado, mas que isso não configura erro médico, e alega que o advogado José Beraldo estaria promovendo uma campanha difamatória contra o médico, com objetivos mercantilistas, ao representar pacientes e conceder entrevistas que prometem altas indenizações. Segundo o advogado, essa conduta teria sido levada ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, aguardando julgamento.