Miliciano morto circulava armado e 'dava medo' em cidade

Morte de miliciano, apontado como chefe do Escritório do Crime, chocou Esplanada, cidade de menos de 30 mil habitantes no interior baiano

12 fev 2020 - 20h25
(atualizado às 23h16)

A casa em que o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega foi morto no último domingo, 9, ainda guarda vestígios do desespero em que ele estava antes da operação policial que o encurralou. Em Esplanada, cidade de 30 mil habitantes no lotoral norte da Bahia, ninguém fala abertamente sobre o ocorrido. Sob anonimato, moradores relatam que Nóbrega foi visto andando armado na fazenda onde se escondeu.

Localizado à beira de uma estrada em Esplanada, no litoral norte da Bahia, o imóvel de dois quartos, visitado pelo Estado ontem, ainda tem sinais da passagem do ex-policial. Manchas de sangue sujam o chão da sala e deixam rastros até a saída. Além do sangue, há, na casa, um colchão de solteiro sem lençol, roupas desarrumadas e uma quantidade abundante de remédios. Sobre a mesa da sala, 12 pães sem embalagem, sobrevoados por moscas. Um dos quartos está cheio de fibra alimentar para gado. A casa, que pertence ao vereador Gilson de Dedé (PSL), tem sete janelas. Em uma delas se vê uma marca que parece ser de bala, apesar de a polícia ainda não confirmar oficialmente.

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Uma camiseta de Adriano ocupa o topo da pilha de roupas encontrada no quarto em que o miliciano ficou. A peça tem os dizeres "Vaqueiro & caveira & rico & meu tio", na vertical. O livro As 48 Leis do Poder, do escritor norte-americano Robert Greene, estava sobre o colchão.

Ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder do grupo miliciano Escritório do Crime, foi morto neste domingo, 9
Ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como líder do grupo miliciano Escritório do Crime, foi morto neste domingo, 9
Foto: Polícia Civil

A morte do miliciano, que estava foragido da Justiça do Rio desde janeiro de 2019, deixou a população local aflita. Com medo de represálias, moradores desconversam quando lhes perguntam onde estavam na hora da operação de domingo. Sem saber ao certo do que Adriano é acusado, moradores ficaram surpresos com a repercussão do caso. A morte agitou a pequena cidade, que tem uma réplica do Cristo Redentor.

"Só se fala disso", comentou o garçom de um restaurante no Centro, referindo-se à morte do ex-policial.

A mais de 1.600 quilômetros dali, no Rio, Adriano é acusado de chefiar a milícia Escritório do Crime, citada nas investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco. O ex-capitão do Bope também é mencionado na apuração da prática de "rachadinha" no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Ele se beneficiaria do esquema por intermédio da ex-mulher, que trabalhava para o parlamentar. A mãe do miliciano também teve cargo lá.

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A simplicidade e a bagunça da casa em que Adriano foi morto contrastam com a fazenda na qual passou a última semana de vida. Ficou nela até antes de partir, na noite anterior à morte, para a casa onde foi baleado pela Polícia. Pertencente a Leandro Guimarães, homem conhecido pelas vaquejadas que organiza em Esplanada, o território é vasto e repleto de gado, coqueiros e montanhas.

Fica ali o Parque Gilton Guimarães, uma herança de família que hoje é controlada por Leandro. Ele vive no espaço com a mulher e a filha. Nos últimos dias, contudo, desde que foi preso pela Polícia e depois solto pela Justiça, ninguém sabe para onde foram Leandro e os Guimarães.

"Nunca mais vi. Só estou cumprindo minhas funções, que já sei 'de cabeça'", disse um empregado da fazenda, que preferiu não se identificar.

O funcionário conta que por duas vezes viu Adriano, que classificou como um homem "que era grande" e "dava medo". O ex-PM estava, em uma das ocasiões, a cavalo; na outra, a pé. "Era muito fechado, só falava com o patrão", comentou. Colegas dele lhe relataram ter visto o forasteiro em situações distintas, como na última vaquejada organizada por Guimarães, em janeiro deste ano. Também há relatos de que o chefe do Escritório do Crime portava fuzil enquanto passeava pelo terreno.

A polícia da Bahia investiga quão importante era Guimarães na rede de proteção a Adriano no Estado. Os investigadores apuram ainda a suposta lavagem de dinheiro praticada pelo miliciano por meio de compra de terra e gado na região.

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Preso pouco antes de o miliciano ter sido morto, Guimarães foi solto por decisão nesta terça-feira, 11, da Justiça baiana, que reconheceu o direito dele de responder em liberdade. Os investigadores haviam pedido a prisão preventiva - ou seja, sem tempo determinado. A Justiça negou.

Polícia usa tiro em escudo para justificar versão

Além de entrar na casa, cuja porta estava aberta, e visitar a fazenda, o Estadão também acompanhou, na tarde desta quarta-feira, 12, diligências feitas pelo promotor Dario Kist, do Ministério Público da Bahia. Após o advogado de Adriano, Paulo Emilio Catta Preta, ter dito que o miliciano tinha "certeza" de que não queriam prendê-lo - e sim matá-lo -, muitos questionamentos foram feitos aos policiais. Há preocupação com a versão de que a morte do ex-oficial da PM do Rio foi "queima de arquivo".

A Polícia não permitiu que repórteres acompanhassem as diligências do promotor, que foi à fazenda e à casa em que Adriano foi morto. Quando o MP já estava quase no fim da segunda visita, quatro agentes do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) chegaram e entraram na casa. Além deles, três homens à paisana - um deles encapuzado - acompanharam a diligência. Perguntados sobre de onde eram, não responderam. Tampouco o fez o promotor.

Kist explicou que o MP, no momento, trabalha com a versão oficial da polícia: houve resistência (a tiros) por parte de Adriano. Por isso, segundo os agentes, ele foi morto. O que embasa a versão, até aqui, são as marcas de duas balas num escudo policial.

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"Existem indícios. O Ministério Público entende que houve resistência porque o escudo que a polícia utilizava foi alvejado. Isso reflete, em linha de tese, indícios de que houve resistência", apontou o promotor. O Departamento de Polícia Técnica (DPT) da Bahia informou no final da tarde de quarta, 12, que está analisando o escudo.

O DPT também anunciou que a necropsia no corpo de Adriano identificou duas perfurações por arma de fogo: uma entre o pescoço e a clavícula, e outra no tórax.

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