O Ministério Público do Rio de Janeiro, por meio do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), informou nesta segunda-feira que denunciou mais 15 policiais militares envolvidos na tortura e morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, sendo três mulheres. Outros 10 PMs já haviam sido acusados e estão presos.
Tendo como base cinco novos depoimentos e uma escuta telefônica, o MP já pediu à Justiça a prisão preventiva de três PMs: o sargento Reynaldo Gonçalves, o sargento Lourival Moreira e o soldado Wagner Soares do Nascimento, denunciados por tortura, formação de quadrilha e ocultação de cadáver. Os outros 12, por enquanto, responderão em liberdade. A Justiça avaliará a participação direta de casa um deles no crime e não está descartado o pedido de prisão.
São eles: Rachel Peixoto, Thaís Gusmão, Felipe Maia, Dejan Ricardo, Jonatan de Oliveira, Márcio Lemos, Bruno dos Santos Rosas, Sidney Macário, Vanessa Coimbra, João Magno, Rafael Mandarino e Rodrigo Molina. Segundo o MP, a denúncia tem como base o depoimento prestado por cinco PMs que colaboraram com as investigações.
Destes outros 12 novos PMs denunciados, oito foram enquadrados no crime de por tortura na modalidade omissão, de acordo com o MP, por estarem dentro do contêiner por ordem do tenente Luiz Medeiros, braço direito do então comandante da UPP da Rocinha, o Major Edson Santos. Ambos estão detidos e foram transferidos para o presídio de Bangu 8, no Rio de Janeiro.
Outros quatro PMs, que tiveram papel de vigia do local (UPP da Rocinha) para que o processo de tortura do auxiliar de pedreiro ocorresse em qualquer tipo de interferência externa, serão denunciados pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver. As novas denúncias por parte do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro foram feitas com base em cinco depoimentos considerados contundentes pelo Gaeco e por uma prova técnica - uma escuta telefônica.
No total dos 25 policiais que agora constam no inquérito do MP, todos irão responder pelo crime de tortura - oito deles por omissão. Dezessete deles foram denunciados por ocultação de cadáver e outros 13 por formação de quadrilha armada.
"Outros moradores relataram abusos de autoridade e lesões corporais. A partir daí indiciamos também por formalção de quadrilha armada", explicou a promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho. Um total de 22 testemunhas relataram ao MP/Gaeco os mecanismos de tortura que ocorriam dentro da maior favela do Brasil - Amarildo, totalizando 23 vítimas no total, teria sido o único a falecer.
Amarildo teria sido torturado e morto no dia 14 de julho passado, dias depois de ter sido deflagrada na Rocinha a operação "Paz Armada", que vizava elucidar participantes do esquema de tráfico de drogas na comunidade.
"Como as investigações não produziram resultados efetivos, eles levaram o Amarildo para interrogá-lo. Mas ele não resistiu à tortura e veio a falecer", explicou Carmen Eliza, do Gaeco. Por fim, outros quatro PMs foram acusados ainda de fraude processual. As penas para os casos variam de nove anos e quatro meses a 33 anos de prisão.
Torturadores
As novas denúncias oferecidas pelo MP tiveram como base as investigações conduzidas pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Diante dos novos depoimentos realizados, ficou constatado, por enquanto, que quatro policiais militares participaram das sessões de tortura, após o auxiliar de pedreiro ser levado o que seria uma simples averiguação: o tenente Luiz Medeiros, o sargento Reynaldo Gonçalves, e os soldados Anderson Maia e Douglas Rodrigo Vital.
Segundo a promotora Carmen Eliza, ele foi levado para um local atrás da UPP onde funcionava uma espécie de depósito. "Os depoimentos são harmoniosos e descrevem a mesma sequência. Mesmo com os PMs (12 no total) dentro do contêiner, sem poder sair de lá, era possível escutar a dinâmica toda", explicou.
De acordo com os relatos dos PMs, Amarildo foi torturado por cerca de 40 minutos. Ele recebeu choques elétricos com uma pistola conhecida como teaser, sofreu asfixia com saco plástico na cabeça e até em sua boca e também foi submetido ao método, no jargão policial, conhecido como "submarino", no qual o ajudante de pedreiro sofria seguidas tentativas de afogamento num balde, por onde escorriga a água liberada pelos aparelhos de ar condicionado da UPP. "Policiais disseram que viram sangue na água (depois da tortura)", disse ainda Carmen Eliza.
"Durante todo esse tempo, a vítima pedia para que eles parassem. Sussurrava, e esclarecia que não sabia de nada (sobre um possível esconderijo de armas do tráfico). Uma fala de uma testemunha relata ainda que ela ouviu Amarildo dizer que 'prefiro que me matem, mas isso eu não faço'. Depois, um dos policiais entra de novo no contêiner e pede a capa da moto (que seria do Major Edson). Depois disso, uma outra testemunha relata que ouviu barulho do corpo sendo embalado por fita crepe e sendo arrastado. Dava para ouvir tudo lá de dentro", complementou.
Ao todo, 29 PMs estavam na cena do suposto crime - apenas quatro, todos que prestaram depoimento com informações valiosas para o Gaeco, não foram tiveram constatada, por enquanto, participação direta no crime e estão colaborando com as investigações. "Um outro relato nos diz que chegou a ver o corpo de Amarildo (já embalado) saindo pelo telhado da UPP para a mata que fica atrás (da sede da Unidade de Polícia Pacificadora)", afirmou ainda a promotora do caso.
O sumiço de Amarildo
Amarildo sumiu depois de ser levado por PMs para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade. O ex-comandante da unidade sustentou que o pedreiro foi ouvido e liberado, mas nunca apareceram provas que mostrassem Amarildo saindo da UPP, pois as câmeras de vigilância que poderiam registrar a saída dele não estavam funcionando.
"Eles alegavam que o tráfico esperava o Amarildo no ponto da escada da Dionéia (onde estaria localizada a câmera que não teria funcionado, de acordo com os acusados). Onde já se viu, o tráfico operar em frente à UPP. E eles ainda não contavam que uma outra câmera, mais para o fim da escada, estava em pleno funcionamento e não registrou a passagem do pedreiro como eles alegavam", completou ainda a promotora do Gaeco.
Os dez primeiros PMs denunciados e já presos negam participação no crime. O corpo de Amarildo segue com paradeiro desconhecido - no último dia 27 de setembro, uma ossada foi localizada no município de Resende, no sul do Estado do Rio de Janeiro. A necrópsia realizada, no entanto, não foi esclarecedora e um novo exame será realizado a fim de concluir o relatório para definir se trata-se, ou não, do ajudante de pedreiro morador da Rocinha.