A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ), a Arquidiocese do Rio e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) formaram uma comissão e vão tentar marcar um encontro com o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, para pedir o compromisso de que a Polícia Militar (PM) mudará a forma de atuação nos protestos. A comitiva foi formada nesta segunda-feira em um ato público na sede da OAB-RJ em repúdio aos casos de agressão policial contra educadores na semana passada, durante a votação do Plano de Carreira, Cargos e Remunerações dos profissionais da educação. Na ocasião, a Câmara Municipal foi fechada ao público e cercada por policiais.
"O que estamos vendo no Rio de Janeiro é quase uma política de extermínio dos manifestantes, e isso é inaceitável. Encurralando professores e distribuindo bordoadas de uma forma violenta, colocando em risco a vida de pessoas com o uso indiscriminado de balas de borracha, de spray de pimenta. É verdade que, por trás disso, se encontra uma política de segurança, mas é verdade também que temos verdadeiros jagunços nas ruas. E esses jagunços tem que ser punidos também", disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB nacional, Wadih Damous, que defendeu a desmilitarização da polícia.
Damous também defendeu a expulsão dos policiais que foram flagrados em um vídeo mostrado pelo jornal O Globo forjando provas contra um manifestante que chegou a ser algemado e levado para a delegacia. Nas imagens, o policial já chega com morteiros na mão ao revistá-lo, joga os artefatos no chão e depois afirma que foram tirados da mochila do rapaz. "Queremos a expulsão daqueles dois policiais. Eles não podem estar fardados na Polícia Militar do Rio de Janeiro."
Já o presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz, destacou que a polícia está despreparada para lidar com protestos. "De tudo o que aconteceu, algo é fato: o despreparo da polícia", disse o advogado, que classificou de inconcebíveis e não-democráticos os protestos violentos e agressões à imprensa.
Representando o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, Geisa Linhares, criticou o governo por ter ingressado com ações judiciais contra o sindicato, com a aplicação de multas. "Não é apenas o policial que tem que ser encarado como violento. Está na hora de a sociedade definir de que lado está."
No ato, professores relataram casos de violência policial ocorridos durante os protestos. Um professor de português disse que, no dia da votação, foi enforcado por policiais até desmaiar. O bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio, dom Antônio Augusto Duarte, também participou do ato e pediu diálogo. "Como religioso, tenho que conclamar todos nós a não fazermos apenas um ato de repúdio à violência, mas de busca do diálogo. A violência é o fracasso do diálogo."
O senador Lindbergh Farias (PT) participou do ato e defendeu que o partido se retire do governo Cabral. Segundo o senador, o assunto será deliberado pelo diretório estadual do partido até o fim desta semana. "Faltou pudor aos vereadores na hora de votar o plano com a Câmara fechada", criticou.
Outros parlamentares também participaram do ato. O vereador Jefferson Moura (Psol) também criticou a votação do plano, declarando que o modo como ocorreu, com a Câmara cercada, mostra que a democratização está inconclusa. Ciro Garcia (PSTU) defendeu a desmilitarização e a fusão da Polícia Militar com a Polícia Civil. A deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) disse que a Polícia Militar ainda tem uma visão militarizada de defender o Estado contra o cidadão.
'Garantir a realização da sessão'
Em nota divulgada no dia da manifestação, a PM disse que o cerco à Câmara tinha o objetivo de "garantir a realização da sessão e que manifestantes tentaram entrar sem autorização". Segundo a nota, quatro policiais se feriram e os militares foram atacados com pedras e garrafas de vidro.
No último dia 5, o secretário José Mariano Beltrame reconheceu que houve excessos por parte da PM na manifestação dos professores. "Na minha opinião, em alguns casos, principalmente os que estão revelados publicamente, houve excessos. Mas também tenho que dizer que se houve intransigência e excessos dos policiais, isso veio de duas partes, da polícia e de alguns manifestantes", disse.
Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País
Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.
A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus. A mobilização surtiu efeito e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas – o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.
A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Brasília.
A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. "Essas vozes precisam ser ouvidas", disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.