O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reúne-se nesta terça-feira com representantes de organizações de defesa e promoção dos direitos humanos para discutir a possibilidade de pedir intervenção federal no Maranhão por causa da crise no sistema carcerário estadual e seus efeitos na segurança pública local. Além disso, os representantes das organizações não-governamentais (ONGs) Justiça Global, Conectas, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-MA) pretendem avaliar com Janot a possibilidade de transferir da justiça estadual para a federal a investigação dos assassinatos ocorridos no interior do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís.
Segundo o coordenador do programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio, as organizações também vão pedir que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, vinculado ao Ministério da Justiça, envie uma equipe para inspecionar Pedrinhas. As três entidades afirmam que representantes da sociedade civil estão sendo proibidos de entrar no complexo penitenciário para checar a real situação dos presos após os últimos acontecimentos. "A inspeção de Pedrinhas por uma missão enviada pelo conselho contornaria as dificuldades encontradas pelas organizações de defesa e promoção dos direitos humanos e resultaria em um relatório de grande importância", disse Custódio.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 60 detentos foram mortos ao longo do ano passado dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, o maior do Estado e de onde, segundo as próprias autoridades maranhenses, partiram as ordens para que ônibus e delegacias fossem atacados entre os últimos dias de 2013 e os primeiros dias deste ano. Só na noite do último dia 3, cinco ônibus foram incendiados na capital. Em um deles, cinco passageiros ficaram gravemente feridos, entre eles a menina Ana Clara, 6 anos, que teve 95% do corpo queimados e morreu em consequências das complicações no último dia 6.
Na última sexta-feira, mais um princípio de motim teve que ser contido em Pedrinhas por homens da Polícia Militar (PM) e da Força Nacional de Segurança Pública. Apesar da presença da Força Nacional e da PM no interior do presídio, em apenas três dias, quatro mulheres foram presas tentando entrar com drogas durante a visita aos presos.
Todos esses problemas levaram a Justiça Global, a Conectas e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos a pedir a Janot, no último dia 7, intervenção federal em Pedrinhas e a federalização dos crimes contra os direitos humanos ocorridos no sistema carcerário maranhense.
"Informações do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público trouxeram a público o quadro caótico instaurado pelas autoridades competentes e por facções criminosas com relação à integridade dos presos e de suas famílias, como as denúncias de estupro contra mulheres e irmãs dos presos que visitam as unidades", afirmam as organizações no documento enviado a Janot. "Frente às gravíssimas violações e ao quadro vigente (...), acreditamos ser de extrema importância o deslocamento da investigação dos crimes já cometidos para o Poder Judiciário federal e para o Ministério Público Federal. Acreditamos que a federalização possibilitará uma investigação mais célere e independente, em respeito às leis brasileiras e aos tratados internacionais do quais o País é signatário", concluem as organizações.
Embora acredite que o procurador-geral vá fazer o pedido, Custódio disse que ainda não está claro se Janot avalia pedir intervenção federal no Estado, no sistema carcerário maranhense ou apenas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, conforme pediram as três ONGs. "Não sei se, para o procurador-geral, o que está em jogo é o sistema como um todo, Pedrinhas ou o Estado. Nós (Conectas, Justiça Global e SMDH), quando prepararamos o pedido, achamos que a intervenção teria mais chances de prosperar, caso estivesse fechada no caso de Pedrinhas, que responde por quase a totalidade dos problemas do sistema carcerário maranhense", ressaltou Custódio. Ele explicou que, caso Janot decida pelo pedido, caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) autorizar.
"E, historicamente, o STF tem agido de forma conservadora na análise dos pedidos de intervenção. É válido que os ministros da Corte sejam precavidos e acredito que eles tenham receio de mexer com as instituições e de uma possível ruptura no pacto federativo – até mesmo por causa de nosso passado recente –, mas, se os legisladores criaram a possibilidade legal, é porque nossa sociedade estabeleceu que esse pacto pode ser quebrado quando se tratar de um caso que exija urgência. E, neste caso concreto, o Maranhão não tem conseguido garantir a integridade dos presos e um mínimo de segurança no sistema", concluiu Custódio.
Violência no Maranhão
O Estado do Maranhão enfrenta uma crise dentro e fora do sistema carcerário que tem como principal foco o Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 59 detentos foram mortos no presídio somente em 2013, o que revelou uma falta de controle no local.
No dia 3 de janeiro, uma onda de ataques a ônibus em São Luís mobilizou a Polícia Militar nas ruas da capital maranhense e dentro do presídio, já que as investigações apontam que as ordens dos atentados partiram de Pedrinhas.
Nos ataques do dia 3, quatro ônibus foram incendiados e cinco pessoas ficaram feridas, incluindo a menina Ana Clara Santos Sousa, 6 anos, que morreu no hospital alguns dias depois, com 95% do corpo queimado.
A questão dos problemas no sistema prisional maranhense ganhou mais destaque no dia 7 de janeiro, quando o jornal Folha de S. Paulo divulgou um vídeo gravado em dezembro, onde presos celebram as mortes de rivais dentro do complexos. Após essas imagem de presos decapitados serem divulgadas, o governo Roseana Sarney passou a ser pressionado pela Organização das Nações Unidas, pela Anistia Internacional, pelo CNJ e até pela Presidência da República.
No dia 10 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff divulgou pelo Twitter que “acompanha com atenção” a questão de segurança no Maranhão. O Governo Federal passou a oferecer vagas em presídios federais, ao mesmo tempo em que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) visitou o complexo de Pedrinhas.
No dia 14 de janeiro, um grupo de advogados militantes na defesa dos direitos humanos protocolou na Assembleia Legislativa do Maranhão um pedido de impeachment contra a governadora Roseana Sarney. Segundo o grupo, composto por nove advogados de São Paulo e três do Maranhão, a governadora incorreu em crime de responsabilidade porque não teria tomado providências capazes de impedir a onda de violência que deixou mortos e feridos dentro e fora do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, desde o início do ano.
Em 16 de janeiro, o presidente da Assembleia Legislativa, Arnaldo Melo (PMDB), decidiu arquivar o pedido de impeachment após parecer técnico da assessoria jurídica da Casa. O arquivamento do processo foi feito sob a justificativa de que o pedido "é inepto e não tem condições de ser conhecido".