Polícia precisa de "controle emocional", diz ouvidor da PM

Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo tem participado de protestos para monitorar in loco a atuação dos PMs; nova manifestação contra a tarifa acontece hoje

6 fev 2015 - 11h30
(atualizado às 15h20)
<p>PMs agem para dispersar manifestantes durante protesto do Movimento Passe Livre no dia 23 de janeiro, em São Paulo</p>
PMs agem para dispersar manifestantes durante protesto do Movimento Passe Livre no dia 23 de janeiro, em São Paulo
Foto: Nando Matheus / Futura Press

Tiros de balas de borracha disparados sem ordem de superiores e bombas de gás lacrimogêneo lançadas dentro de uma estação de metrô. Foi assim que a Polícia Militar (PM) de São Paulo reagiu para dispersar dois protestos contra a tarifa dos transportes em janeiro.

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Para o ouvidor das polícias do Estado de São Paulo, o advogado Julio Cesar Fernandes Neves, esses são “fatos que poderiam ter sido evitados”. Segundo ele, é clara a “postura abusiva” da PM no controle de manifestações, e a Ouvidoria tem exigido mais “paciência” dos policiais.

“A Polícia Militar tinha que ter controle emocional”, disse Neves. “Esses fatos poderiam ter sido evitados, e é isso que a gente denuncia, para que haja certa tolerância por parte do comando. Existem pessoas que, em determinados momentos, podem querer abusar para que haja uma situação de descontrole”, continuou o ouvidor.

No último dia 27, após um protesto do Movimento Passe Livre (MPL), um pequeno grupo de manifestantes causou tumulto na estação Faria Lima do metrô ao tentar pular as catracas. Policiais impediram o “catracaço” e, depois de quase uma hora de tensão, a PM dispersou o grupo lançando bombas de gás lacrimogêneo dentro da estação - que estava lotada. A PM alega que foi atacada com pedras e que “empregou os meios necessários para restabelecer a ordem no interior da estação”. Em protesto anterior, no dia 23, um vídeo divulgado pela TVEstadão mostra o momento em que PMs disparam balas de borracha contra manifestantes e, na sequência, um oficial questiona a ação. “Quem mandou atirar?”, pergunta ele. Naquele dia, ao menos dois manifestantes e um jornalista ficaram feridos.

Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas dentro da estação Faria Lima do metrô, no dia 27 de janeiro, para dispersar manifestantes que queriam pular as catracas
Foto: Leonardo Benassatto / Futura Press

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Embora afirme que a polícia precisa de “controle emocional”, o ouvidor ressalta que nada é feito sem que haja uma ordem. “Isso precisa ficar claro. (O caso do metrô) não foi descontrole de um policial, mas sim uma ordem da polícia”, disse. “E o que a gente exige é uma postura mais sóbria da Polícia Militar”, continua. Como exemplo de “tragédia” ele cita o protesto contra a Copa do Mundo do dia 25 de janeiro do ano passado, quando o jovem Fabricio Chaves foi atingido por disparos de arma de fogo de PMs e perdeu um testículo.

O trabalho da Ouvidoria é monitorar a ação das polícias para identificar eventuais abusos. No caso específico das manifestações, o órgão deslocou servidores para acompanhar in loco os protestos. Um deles é o assessor jurídico e ouvidor substituto Walter Forster Junior, que afirma já ter ido a 17 protestos por transporte e moradia em 12 meses. Segundo a Ouvidoria, a função dele é “observar a atividade policial, facilitar a interlocução entre os presentes e buscar coibir e denunciar ações violentas, bem como excessos cometidos por agentes policiais”. Como a Ouvidoria não tem poder de investigação, os abusos identificados são relatados aos órgãos competentes: Corregedoria das polícias Civil e Militar e, em casos mais graves, diretamente ao Ministério Público.

Nesta sexta-feira, o MPL realiza o “7º Grande Ato Contra a Tarifa”, com concentração a partir das 17h em frente à Prefeitura de São Paulo, no viaduto do Chá (centro). Uma “grande preocupação” da Ouvidoria, diz Neves, é a não criminalização dos movimentos sociais. “Estamos em uma democracia, e muita gente esquece que a manifestação faz parte do direito constitucional. A cultura antiga, que envolve até as corporações, é um resquício da ditadura militar”, diz o ouvidor.

O assessor da Ouvidoria das Polícias Walter Forster Junior (de gravata) acompanha protesto contra a tarifa no último dia 27
Foto: Débora Melo / Terra

Abusos

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O uso de bombas de gás lacrimogêneo em locais fechados e sem rota de fuga contraria o Manual de Controle de Distúrbios Civis, da própria Polícia Militar, pois contribui para situações de pânico.

“Altas concentrações (de agentes químicos) causam temporariamente cegueira e outros transtornos, como pânico”, diz o texto. “O conhecimento prévio do local do distúrbio é de suma importância para permitir o deslocamento e a aproximação da tropa por vias de acesso adequadas, de modo a assegurar vias de fuga aos manifestantes. Quanto mais caminhos de dispersão forem dados à multidão, mais rapidamente ela se dispersará”, diz outro trecho do manual.

As bombas foram lançadas pela PM próximo às catracas do metrô. Para sair da estação, manifestantes e passageiros tiveram que pegar pelo menos duas escadas rolantes extensas. Com a fumaça e a sensação de ardência provocada pelo gás, usuários do metrô pensaram que havia um incêndio na estação. Houve pânico, e muita gente passou mal.

O manual de distúrbios foi disponibilizado na internet pelo advogado criminalista Aryldo de Oliveira de Paula, que é ex-PM da Rota e da Força Tática. Depois de 13 anos, ele diz que deixou a corporação por “descontentamento”. “Há oficiais despreparados para comandar a tropa, e a sociedade não reconhece o trabalho dos policiais”, disse.

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Bala de borracha

Em abril do ano passado, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo ingressou com uma ação civil pública pedindo que a Justiça obrigue a PM a seguir um protocolo de uso da força em manifestações. No documento, a defensoria pede, por exemplo, que os PMs tenham identificação nominal na lapela e numérica no capacete e sejam proibidos de usar balas de borracha. Um liminar chegou a proibir o uso da munição, mas um recurso da Secretaria da Segurança Pública suspendeu a decisão.

No final do ano passado, a Assembleia Legislativa de São Paulo decidiu pela proibição da borracha, mas o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou o projeto. Na ocasião, Alckmin argumentou que a PM tinha "protocolos de segurança" a seguir.

Para Rafael Lessa, coordenador do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria, "as normas existem, mas não são cumpridas". "Por isso existe a necessidade de o governo do Estado ter uma plano de atuação, para que as normas sejam cumpridas e esses protocolos sejam melhorados", disse. "No caso da bala de borracha, claro que o uso é indiscriminado. (No vídeo da TVEstadão) o policial pergunta 'quem mandou atirar?'. Então a gente percebe que nem ali, eu uma situação micro, existe controle, que dirá nas situações em geral."

Fonte: Terra
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