Pelo menos quatro pessoas morreram e uma ficou ferida durante tiroteios, desde ontem (1), no conjunto de favelas do Alemão, que reúne 15 comunidades e 70 mil pessoas, na zona norte do Rio de Janeiro. Desde o começo de 2015, a comunidade registra alta letalidade e o maior número de policiais mortos em confrontos com bandidos da região.
Segundo a organização não governamental (ONG) Voz da Comunidade, que administra um jornal local, Maynara Moura, de 16 anos, foi atingida no braço, dentro de casa, por uma bala perdida. Ela está na casa de parentes, se recuperando do ferimento e da perda da mãe, Elizabeth Moura, que chegou a ser socorrida pelos vizinhos, após também ser atingida, mas não resistiu.
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Outra vítima foi Rodrigo Farine, de 22 anos, baleado na cabeça ao sair de uma viela, segundo moradores, por policiais, o que pode indicar execução. Outros dois jovens foram mortos no coração do complexo e colocados no carro blindado da corporação. Nesta quinta-feira (2), moradores voltaram às redes sociais e tornaram a denunciar troca de tiros, mas as autoridades policiais não confirmaram as mortes ocorridas nos tiroteios.
“Está cada dia e a cada hora mais difícil. Noites de terror e medo nas ruas e vielas, trabalhadores sem saber se podem voltar para suas casas e suas famílias”, conta Viviane Ribeiro, uma das fundadoras do Jornal Alemão Notícias, que fez uma carta aberta e publicou na internet. “São dias de massacre, sem hora certa para o tiroteio recomeçar. Mães indo e vindo sem saber se levam, se buscam ou não as crianças nas escolas. Mortes pelos caminhos e até dentro de casa. Onde deveríamos ter sossego e descanso, nos esquivamos, deitados no chão, ao som de tiros”, relata.
Especialistas em segurança pública avaliam que a situação no complexo é grave e o momento é de recuo das forças de segurança pública, para conter a letalidade. “A situação é desesperadora e há poucas alternativas. A polícia está agindo mal porque não encontra alternativas para enfrentar o tráfico, sem ser a lógica do confronto”, analisou a cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos.
Silvia lembra que no Alemão foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que podem estar no limite, encurraladas, segundo relatos, tentando enfrentar o tráfico na força. A Polícia Militar e a Secretaria de Segurança não comentam os fatos. Para o pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser), André de Jesus Rodrigues, que estuda o tema há 10 anos, o “endurecimento da resposta policial', tem levado a população ao limite e é preciso repensar o modelos das UPPs no Alemão: “É um momento de revisão. São mais de 90 dias de instabilidade e a violência policial está incidindo diretamente na população. Ou seja, em vez de proteger, a polícia está acuando “.
Especialistas concordam com o recuo, mas dizem que não há solução fácil. Recomendam que as forças discutam uma estratégia que resguarde a população, sem abrir brechas para a retomada do controle local por grupos criminosos. “Se a polícia sai, os moradores voltam a ficar reféns de grupos armados. E a população é a que mais sofre. Acho até que a situação agora é igual ou mais tensa do que antes da ocupação policial (em 2008)”, opina Silvia Ramos.
Os moradores também pedem trégua e o fim da violência. “Estamos no limite, chega de chorar e enterrar nossos mortos”, conclui Viviane Ribeiro.