A ação da Polícia Militar nas manifestações de junho, em cidades como Rio e São Paulo, ou mesmo no desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza, em julho, na capital fluminense, bem como o assassinato de presos em São Luís, no Maranhão, em dezembro, ficaram marcadas como as principais violações dos direitos humanos no Brasil no ano de 2013.
Os episódios foram elencados nesta terça-feira, em São Paulo, pela Human Rights Watch, organismo que acaba de abrir escritório na América Latina, na capital paulista, e que milita na causa em pelo menos 90 países. Em entrevista coletiva, representantes da entidade apresentaram o Relatório Mundial Sobre Direitos Humanos, que, além do Brasil, elenca informações de países como África do Sul, China, Cuba, Estados Unidos, Índia, México, Rússia, Síria e Venezuela.
“Foram tiros e gás lacrimogêneo nas manifestações, o desaparecimento de Amarildo após uma ação da polícia, e, em dezembro, o absurdo da situação no Maranhão. Tudo isso não é novo, é noticiado, mas o que fica demonstrado nesse relatório é que todas essas violações fazem parte de problemas maiores, crônicos, e muitas vezes sistemáticos”, avaliou a diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Canineu.
Sobre a situação de presos no Brasil – população que cresceu mais de 30% em 2013,com ao menos 40% deles em situação ainda provisória -, a diretora apontou que as violações aos direitos humanos verificadas em presídios como o Complexo de Pedrinhas, na capital maranhense, “não são particularidade do Maranhão, mas acontecem de Norte a Sul.
“Existem diversos gargalos quando falamos na dificuldade de coibir a violência, mas acreditamos que a impunidade é o pior deles. Enquanto os agentes que a cometem tiverem a noção de que nunca serão responsabilizados de fato, essas torturas continuarão”, disse a diretora, que completou: “Hoje é moda se falar em desmilitarização – não acreditamos que exista um padrão do que seja melhor ou pior, mas a força, quando necessária, tem que ser usada de forma proporcional, sem discriminação”, destacou.
Conforme a entidade, no Brasil a situação de violação de direitos humanos em presídios acontece, além de Pedrinhas, em ao menos outros quatro Estados: no Presídio Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no complexo do Curado (antigo Aníbal Bruno), em Pernambuco, no presídio Urso Branco, em Rondônia, e no Presídio Parque São Lucas, em São Paulo. Atualmente, as cinco unidades prisionais respondem ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, da Organização de Estados americanos (OEA), sobre essas violações.
“Há uma falta de defesa jurídica que afronta diretamente os direitos dessa população carcerária, fora o fato de que presos provisórios estão misturados a presos já condenados. O Brasil é signatário de vários tratados internacionais pelos direitos humanos, mas cada vez que vem à tona um caso como o Maranhão, esse desastre do sistema prisional brasileiro, há um impacto no sentido de que precisamos cuidar internamente antes de falar lá fora”, opinou Maria Laura.
Ação internacional do Brasil ainda deixa a desejar, diz HRW
Por outro lado, a HRW destacou como avanços na causa, no País, as condenações de PMs envolvidos no desaparecimento de Amarildo e as de acusados de matar em 2011 a juíza carioca Patrícia Acioli, além da proibição, pelo Governo de São Paulo, em janeiro do ano passado, de que PMs socorram vítimas após confrontos com a polícia. “Nos meses seguintes a essa proibição em São Paulo, as mortes em confronto caíram mais de 30%”, destacou a diretora.
Já o diretor executivo adjunto para Programa da Human Rights Watch, Daniel Wilkinson, Iain Levine, observou que o Brasil ainda tem um caminho extenso para coibir a violência contra o público LGBT e mesmo em posicionamentos internacionais ante regimes autoritários, como o da Síria.
“O papel do Brasil na promoção global dos direitos humanos ainda está emergente. Na crise da Síria, por exemplo, há milhões de refugiados, cerca de 5 mil pessoas morrem por mês, houve uso de armas químicas e a resposta internacional, o Brasil incluído, ainda é inadequada”, disse.
“O País assumiu posições contundentes lá fora, por exemplo, contra as ações de espionagem indiscriminada dos EUA e a favor do direito à privacidade. Infelizmente, essa forma de agir não é a regra – e na questão síria isso é claro, pois o governo brasileiro, ao contrário de vários países latino-americanos, não apoiou a iniciativa liderada pela Suíça de pedir que o governo da Síria seja referenciado ao Tribunal Penal Internacional”, reforçou a diretora da HRW no Brasil.