SP: testemunha contradiz depoimento e cita '75 mortos' no Carandiru

Agente penitenciário cita de 25 a 75 mortos no presídio, antes da entrada da PM, e nega que tenha apanhado de presos –como depusera dias após o massacre

18 fev 2014 - 13h22
(atualizado às 14h28)

Um depoimento recheado de contradições e desmentidos encerrou às 12h45 desta terça-feira a fase de testemunhas no terceiro júri do massacre do Carandiru – episódio em que 111 presos foram mortos, no dia 2 de outubro de 1992, na antiga Casa de Detenção.

Francisco Carlos Leme, agente penitenciário no Carandiru entre 1978 e 2002 e atualmente lotado na Centro de Detenção Provisória de Santo André (Grande SP), foi ouvido  como testemunha de defesa dos 15 policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) acusados pela morte de oito presos do terceiro andar, ou quarto pavimento, do pavilhão 9. Além dele, os jurados também ouviram hoje o depoimento do ex-secretário de Segurança Pública do Estado, Pedro Franco de Campos.

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O agente penitenciário disse ao advogado dos réus, Celso Vendramini, ter visto “cerca de 75 corpos” de presos no pavilhão 9 antes da entrada das forças policiais – chamadas, segundo a versão do Estado, para conter uma rebelião entre os presos. À acusação, entretanto, Leme citou ter visto “ao menos 50 corpos” no pátio e ter ouvido “muitos barulhos de tiros de baixo calibre” nos andares superiores.

A informação sobre os corpos, de acordo com o Ministério Público, não constou sequer de depoimentos prestados pelo agente penitenciário às polícias Civil e Militar nos dias 9 de dezembro de 1992 e em 14 de outubro do mesmo ano (12 dias após o massacre). Leme também refutou que ele próprio teria apanhado de presos nos anos que trabalhou na Casa de Detenção—ao contrário do que dissera nas duas datas. Sobre isso, alegou ter assinado os depoimentos “sem ler”, à época, e se corrigiu: levara, sim, “uma paulada em um dedo”.

Ainda sobre a ausência da informação dos 75 presos mortos antes da incursão da PM, o agente declarou aos promotores Márcio Friggi e Eduardo Olavo que não vislumbrara necessidade de informar a direção do presídio ou diretores da unidade sobre isso. “Não avisei – todo mundo ali sabia, e nem era a minha função”, eximiu-se.

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Armas de fogo

O agente penitenciário relatou que presos de dois andares distintos, no dia 2 de outubro, brigavam entre si ao menos desde as 10h. Ele disse ter sido a penúltima pessoa a deixar o pavilhão 9, às 14h45, antes da entrada da Tropa de Choque, às 16h25.

Sobre o uso de armas de fogo por parte dos presos, Leme disse ao advogado que ouvira disparos “de baixo calibre” vindos dos andares de cima – quatro, ao todo. Com os presos, frisou, “foram encontradas 15 armas, uma delas, uma garrucha 380”. Aos promotores, no entanto, admitiu não ter visto a apreensão, em si: “Elas foram reunidas e apresentadas pela PM”, destacou.

Ainda à acusação, questionado sobre os tiros supostamente efetuados por presos, Leme atestou que eles ocorreram “de dentro” do pavilhão. Nos depoimentos à polícia, semanas após o massacre, dissera –apontou a promotoria –“que não podia precisar se eram de dentro para fora, ou de fora para dentro”.

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O suposto uso de armas de fogo pelos detentos em brigas dentro da Casa de Detenção também não foi esclarecido pela testemunha: de acordo como agente, estiletes e facas eram as armas mais comuns – a ponto de, em 24 anos de detenção, ele ter apreendido três armas de fogo nos pavilhões 8 e 9, neste último, depois do massacre.

Juízes são ignorados por testemunha

Figuras presentes em uma tentativa frustrada de negociação, juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo ligados à época à Corregedoria dos Presídios foram citados por testemunhas do atual júri e dos anteriores, além de deporem como testemunhas de defesa, mas não foram citados pelo agente no depoimento de hoje.

Indagado pelos promotores se vira, na entrada da Casa de Detenção, “alguma pessoa de terno e gravata, ou camisa social” (os juízes estavam de terno e gravata, como atestam também vídeos da época), Leme negou.

Ex-secretário de segurança disse que ação ‘foi necessária’

A outra testemunha de defesa ouvida hoje foi o ex-secretário de Segurança Pública do Estado, Pedro Franco de Campos, que negou ter consultado o então governador Luiz Antonio Fleury Filho sobre a entrada da PM no complexo prisional – Fleury estava em um compromisso de campanha (o dia 3 seria eleição) em outra cidade. “Não consultei o governador. Quando falei com ele, a PM já estava dentro da Casa de Detenção”, disse.

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Campos justificou que houve “a necessidade” de entrada da Tropa de Choque no local tendo em vista que havia lá “uma briga infernal entre os presos” e o risco de a rebelião atingir outros pavilhões, que não apenas o 9.

Questionado se PMs da Rota (tropa de elite da PM) teriam entrado fuzilando presos, perto de juízes – como alegado, ontem, em depoimento de testemunha de acusação -, o ex-secretário foi enfático: “Imagina. Isso é mentira.”

Fonte: Terra
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