100 dias de Lula 3: desafios até agora e que estão por vir

Após esforços iniciais para "colocar ordem na casa", governo enfrentará grandes testes na relação com o Congresso e no cenário internacional

10 abr 2023 - 05h36
(atualizado às 07h31)
Presidente Lula
Presidente Lula
Foto: REUTERS/Adriano Machado

Nesta segunda-feira, 10, o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República completa 100 dias. Após apostar na reconstrução de pautas sociais dos governos anteriores do PT e da política externa multilateral, o governo do petista deverá enfrentar, a partir de agora, os primeiros grandes desafios na relação com o Legislativo e no cenário internacional.

Apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada, o arcabouço fiscal que substitui o teto de gastos utilizado desde o governo Michel Temer será, junto com a esperada reforma tributária, o grande desafio do governo Lula 3 neste ano.

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De acordo com analistas ouvidos pela DW, as regras que visam zerar o déficit público até 2024 vão mostrar qual é a governabilidade do petista no atual Congresso, de maioria conservadora, com a redução dos poderes de Arthur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara após o fim do orçamento secreto.

No entanto, segundo os cientistas políticos, a relação entre Executivo e Legislativo acabou ficando em segundo plano devido aos esforços do atual governo para "colocar ordem na casa", com a reestruturação ministerial, a retomada de programas sociais e principalmente com a crise gerada, logo na primeira semana, com o 8 de Janeiro.

As medidas tomadas para salvaguardar a democracia brasileira nesse episódio, junto com o reforço do foco em políticas ambientais e na proteção de povos originários, como no caso da ajuda humanitária aos yanomami, reforçaram o apoio internacional a Lula num primeiro momento.

Agora, dizem os especialistas, o jogo ficará mais complicado, principalmente com as aproximações entre Brasil e China num momento de tensão internacional e meio à Guerra na Ucrânia e os embates entre o gigante asiático e os Estados Unidos.

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Reconstrução democrática

Uma semana após a posse de Lula, hordas de bolsonaristas invadiram e vandalizaram as sedes dos três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro. Como reação, o governo decretou intervenção federal no Distrito Federal e, nas semanas seguintes, exonerou cerca de 150 militares de cargos de confiança no governo. Além disso, Lula trocou o comando do Exército, cuja atuação na repressão dos vândalos foi considerada leniente.

"Essa questão do 8 de Janeiro ocupou demais as energias do governo no primeiro mês", analisa Paulo Henrique Cassimiro, professor de Ciências Políticas da UERJ . Ele lembra que, no entanto, a reestruturação não se limitou a conter os efeitos dos ataques.

"Não foi só retirar militar de cargos, mas também recompor o orçamento de órgãos que não estavam funcionando, que foram desmantelados de condições no governo Bolsonaro", acrescenta ele, citando pastas como Cultura, Povos Originários, Igualdade Racial e Ciência e Tecnologia.

Além das pastas voltadas para políticas progressistas, o governo Lula também incrementou o Bolsa Família, que deixou de se chamar Auxílio Brasil; anunciou a volta das faixas mais populares do Minha Casa Minha Vida; e recriou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), que havia sido interrompido em 2019.

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Para a cientista política Graziella Testa, da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV, todas essas iniciativas são relevantes, mas ainda estão numa fase inicial. Ela cita, no entanto, que uma das áreas em que há mais clareza nos caminhos perseguidos pelo governo Lula 3 é a política internacional.

"Lula dedicou boa parte dos primeiros meses a visitar países, a refazer relações e a colocar o Brasil como relevante no cenário internacional", afirma Testa.

Meio ambiente e cenário internacional

Além de receber o chanceler federal alemão, Olaf Scholz (SPD), em Brasília, Lula visitou a Argentina, o Uruguai e os Estados Unidos, onde se reuniu com o presidente Joe Biden. Neste mês, o presidente segue para a China, maior parceiro comercial do Brasil.

Professor de Relações Internacionais da UFMG, Dawisson Belém Lopes lembra que as articulações de Lula no cenário internacional vieram antes mesmo da posse, na 27ª edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, em novembro passado.

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"Houve um reavivamento do Brasil como ator internacional, já que o país estava isolado", afirma Lopes.

Cassimiro, da UERJ, ressalta que, ao reabrir o diálogo internacional para a pauta ambiental, Lula reforça a narrativa por meio da agenda de direitos humanos, com o combate ao garimpo e a proteção aos povos originários, como no caso dos yanomami.

"Com isso, ele mostra que o governo brasileiro mudou, que precisa da ajuda internacional até mesmo para evitar o retorno da extrema direita, que é contrária a essas pautas", destaca o cientista político.

A receptividade de Lula no mundo é diretamente ligada à rejeição de Bolsonaro. Mas, segundo Lopes, da UFMG, deverá haver uma mudança, com a aproximação do Brasil com o Brics, que tem China e Rússia como membros.

"Lula vai começar a navegar nas relações internacionais com menos vento a favor a partir de agora. Ele vai necessitar de mais perícia, que ele já mostrou ter no passado, mas agora haverá naturalmente um reequilíbrio e endurecimento do jogo", considera o professor.

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Articulação no Legislativo - e fora dele

Em casa, Lula buscou reeditar o presidencialismo de coalizão com uma reforma ministerial que criou 14 ministérios a mais do que tinha o governo Bolsonaro para acomodar siglas de diferentes espectros políticos na busca por apoio no Legislativo. A volta do mecanismo foi possível com o fim do orçamento secreto, considerado ilegal pelo STF, e que acabou por retirar poderes do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Lira também acabou enfraquecido ao tentar atropelar a Constituição, num embate direto pela tramitação de Medidas Provisórias com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), aponta Beatriz Rey, cientista política da UERJ e da Fundação POPVOX. Ela diz que, apesar disso, o governo tem sido pouco presente em relação ao Congresso, com Lula deixando as conversas na mão do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT).

Segundo Rey, a incerteza quanto ao tamanho da base pode dificultar a tramitação de matérias importantes para o governo, como a reforma tributária ou o próprio arcabouço fiscal que, como ela destaca, enfrentam divisões dentro do próprio PT. "O Congresso de hoje é muito diferente do que o que Lula encontrou em 2003. Além de ser teoricamente mais conservador, é muito mais empoderado", complementa.

Segundo Graziella Testa, da FGV, a cessão ministerial e as emendas são armas importantes, mas não garantem a governabilidade. "Agora, temos atores que estavam se comportando de outra forma no Congresso. Ainda não foi testada essa governabilidade do Lula, principalmente com relação à parte econômica", pontua a cientista política.

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Declarações polêmicas

Na avaliação de Rey, Lula está mais concentrado em enxergar a eleição de 2022 como um movimento que garantiu a democracia brasileira e, por isso, não tem atuado diretamente nos bastidores.

"Tem-se buscado muita explicação em relação a por que ele está agindo do jeito que age, por que ele dá tiro no pé com declarações sobre o Banco Central, dizendo que 'impeachment foi golpe' ou sobre a ditadura na Nicarágua - o que teoricamente alimenta a base bolsonarista", avalia.

Além do enfrentamento público com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pela diminuição da taxa de juros, Lula também deu declarações controversas sobre o senador e ex-juiz Sergio Moro, responsável pela prisão do petista na Lava Jato. Recentemente, Lula disse que o plano do PCC de sequestrar o ex-juiz era "armação" de Moro, mesmo com uma operação da Polícia Federal que impediu o crime.

"Algumas pessoas esqueceram, mas o Lula sempre foi de falar demais e 'escorregar'. Acho que, no caso do atual governo, você tem uma oposição que passou por um processo de tentativa de inviabilizar não só a candidatura do Lula, mas a eleição, e isso torna o ambiente político muito mais tenso", conclui Paulo Henrique Cassimiro, da UERJ.

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