Na semana passada, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid transformou 14 testemunhas em investigados, por considerar que há indícios de que podem ter cometido crimes. A mudança permite medidas mais amplas de investigação sobre essas pessoas, como quebra de sigilos e busca e apreensão.
Mas esse tipo de medida poderia ser tomada sobre o presidente Jair Bolsonaro, caso ele seja também categorizado como investigado?
A CPI investiga os atos e omissões do governo federal durante a pandemia, mas isso não significa que o presidente seja considerado investigado individualmente. No requerimento para sua convocação feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Bolsonaro aparece como testemunha - o requerimento não chegou a ser apreciado pelo plenário e há dúvidas se o presidente poderia de fato ser convocado.
Em teoria, explica o criminalista David Tangerino, professor de direito da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), a CPI poderia considerar Bolsonaro investigado por um crime de responsabilidade, mas não tem competência para investigá-lo individualmente por um crime comum.
"A competência para investigar crime comum do presidente da República é do Procurador-Geral da República (Augusto Aras)", explica Tangerino.
Como um órgão de investigação, no entanto, a CPI pode investigar o governo federal de forma mais ampla, incluindo atos administrativos do presidente.
Isso quer dizer que os senadores podem, como têm feito, ouvir testemunhas sobre atos do presidente, requisitar documentos e dados do governo.
A CPI poderia quebrar o sigilo do presidente?
Mesmo se considerasse Bolsonaro individualmente investigado por crime de responsabilidade, a CPI não teria poderes de investigação ampliados nem poderia dar início a um processo de impeachment.
A CPI não poderia pedir a quebra de sigilo do presidente, embora possa pedir a de pessoas ligadas a ele, como ex-ministros, explica David Tangerino.
A comissão também não pode pedir operações de busca e apreensão contra Bolsonaro nem nenhum tipo de ação de investigação mais invasiva.
Além disso, se chegar à conclusão de que Bolsonaro cometeu um crime de responsabilidade, a única coisa que a CPI pode fazer é encaminhar um relatório com a conclusão para o presidente da Câmara dos Deputados, que tem a competência para iniciar um processo de impeachment. Atualmente o presidente da Câmara é Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo.
Após o recebimento do relatório, caberia a Lira dar prosseguimento ao processo de impedimento ou não.
Tangerino também explica que, apesar de não poder considerar Bolsonaro formalmente investigado por um crime comum, como crime contra a saúde pública, por exemplo, a CPI pode chegar à conclusão de que dá indícios de cometimento desse tipo de crime.
Nesse caso, o relatório seria encaminhado ao Procurador-Geral da República, que avaliaria se há material suficiente para encaminhar uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal.
O STF então encaminharia o pedido à Câmara dos Deputados, que também precisaria aprová-lo por dois terços dos votos. Em caso da abertura de um processo criminal, o presidente ficaria afastado por 180 dias.
"A CPI não pode punir ninguém, ela pode chegar a uma série de conclusões sobre fatos", explica Tangerino.
Ou seja, independentemente da conclusão, o caminho tomado depois vai depender de outros órgãos.
Impacto político
Para Tangerino, muitos dos fatos investigados que envolvem o presidente da República nem precisam de medidas como quebra de sigilo.
"Nem sempre você precisa de um tipo de quebra. No caso, não há investigação sobre recebimento de valores, por exemplo. Os senadores podem chegar a uma conclusão com base nos meios de investigação que eles têm disponíveis: testemunhas, documentos, emails", afirma.
E, mesmo sem ter o poder de punir, as conclusões da CPI têm um impacto político relevante.
"Um relatório da CPI enviado à Câmara ou a PGR vem com uma força particular. É um processo longo, com senadores de diversos partidos", afirma Tangerino.
A comissão também tem tido o efeito de pautar o debate público, como lembrou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos membros da CPI, em entrevista à BBC News Brasil.
Vieira disse que não acredita que Arthur Lira abriria um processo de impeachment e que, até mesmo por uma questão de tempo, a decisão de tirar Bolsonaro do poder deve ser da população.
"Particularmente, acho que os fatos que estamos comprovando são gravíssimos, mas que a gente talvez tenha que caminhar para uma eleição. O eleitor, devidamente informado, vai fazer sua escolha. Democracia é isso", afirmou Vieira, em entrevista à BBC News Brasil.