A relação de Bolsonaro com oficiais que podem incriminá-lo no inquérito sobre tentativa de golpe

Generais que dividiram caserna com o ex-presidente na década de 1970 e ex-comandantes que foram indicados para cargos de confiança podem incriminar o ex-presidente por tentativa de golpe de Estado

11 mar 2024 - 14h49

BRASÍLIA - Sete militares da alta cúpula das Forças Armadas estão no centro da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) após as eleições de 2022. Cinco deles são investigados por participarem de uma organização criminosa que buscava impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros três prestaram depoimentos para a Polícia Federal (PF) que podem trazer complicações para a situação jurídica para o ex-presidente.

Generais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que foram alvos da Operação Tempus Veritatis eram próximos do ex-chefe do Executivo
Generais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que foram alvos da Operação Tempus Veritatis eram próximos do ex-chefe do Executivo
Foto: Marcos Correa/Presidência da República / Estadão

Os militares, que dividiram a caserna com o ex-chefe do Executivo na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na década de 1970, agora podem se tornar peças cruciais para um possível indiciamento de Bolsonaro.

No dia 8 de fevereiro, Bolsonaro e quatro generais do Exército foram alvos da Operação Tempus Veritatis, que investiga a participação da cúpula do governo Bolsonaro para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A operação foi deflagrada a partir de informações da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro durante a gestão passada. Além das informações ditas por Cid, materiais encontrados no celular e no computador do tenente-coronel também se tornaram provas para os investigadores.

Três militares investigados assumiram ministérios durante o governo. Foram eles: o general Augusto Heleno, que comandou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Paulo Sérgio Nogueira que foi ministro da Defesa e comandante do Exército, e o general Walter Braga Netto, que chefiou a Casa Civil e a Defesa e foi vice na chapa do ex-presidente em 2022.

A lista de generais investigados também inclui Estevam Theóphilo, que era o chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter) durante o fim do governo anterior.

Outros dois membros da alta cúpula das Forças Armadas foram convocados pela PF para depor como testemunhas. Para os investigadores, o ex-comandante do Exército general Marco Antonio Freire Gomes e o ex-comandante da Aeronáutica tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior confirmaram que Bolsonaro apresentou uma minuta que previa um estado de sítio e a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

O ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, também foi alvo da Tempus Veritatis. Segundo a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, o almirante foi o único comandante das Forças Armadas que aderiu ao planejamento golpista. Assim como os outros investigados, ele teve o passaporte retido e está proibido de deixar o País.

Mauro Cid

Mauro César Barbosa Cid é filho do general Mauro César Lourena Cid, que foi amigo de Bolsonaro nos tempos da Aman. Durante o governo do ex-presidente, o tenente-coronel teve livre acesso ao gabinete presidencial, às reuniões ministeriais, ao Palácio da Alvorada e até mesmo às salas de cirurgia que eram ocupadas pelo ex-chefe do Executivo.

Cid foi preso em maio do ano passado, em uma operação da PF que investiga o fraude de cartões de vacina da família do ex-presidente. Em setembro, ele fechou um acordo de delação premiada com a PF, que foi homologada por Alexandre de Moraes. Com a medida, ele foi posto em liberdade provisória, devendo seguir medidas cautelares.

Na delação premiada, Cid deu informações importantes para a Polícia Federal nos casos em que Bolsonaro é uma figura central nas investigações: a venda ilegal das joias sauditas, a fraude nos cartões de vacina no sistema do Ministério da Saúde, a tentativa de golpe de Estado e o funcionamento do "gabinete do ódio".

Foi Cid que declarou que Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas, após o segundo turno das eleições presidenciais, para discutir a possibilidade de uma intervenção militar para reverter o resultado que elegeu Lula para a Presidência. No computador do ex-ajudante de ordens, foi encontrada a gravação da reunião ministerial de julho de 2022, onde o ex-presidente se reuniu com os membros do seu gabinete para discutir formas de questionar a lisura do processo eleitoral.

Aliado de Augusto Heleno, Freire Gomes culpou Bolsonaro em depoimento

Freire Gomes ingressou na Aman em 1977, ano em que Bolsonaro se formou na colégio militar. Bem relacionado com generais e com Augusto Heleno, ele foi indicado por aliados do ex-presidente para suceder Paulo Sérgio no comando do Exército.

No depoimento à PF, Freire Gomes disse aos policiais federais que não ordenou o desmonte do acampamento golpista que se formou na frente do Quartel-General do Exército por causa de Bolsonaro. Foi do local onde extremistas marcharam para a depredação dos prédios dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023.

Baptista Júnior era interlocutor de Bolsonaro na Aeronáutica

Também na década de 70, Baptista Júnior se formou na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), em Barbacena (MG). O ex-comandante da Aeronáutica era um dos oficiais mais próximos de Bolsonaro desde a campanha presidencial de 2018. Antes de comandar a FAB, ele foi um importante interlocutor do ex-presidente e a Aeronáutica, sendo exaltado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pela sua proximidade com o ex-chefe do Executivo.

De acordo com a PF, os alvos da operação estavam planejando a execução de um golpe de Estado em uma organização formada por, pelo menos, seis diferentes tipos de atuação. As tarefas das frentes tinham três objetivos: desacreditar o processo eleitoral, planejar e executar o golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, para manter a permanência de seu grupo no poder.

Filho e mulher de Almir Garnier ganharam cargos no governo após a posse de Bolsonaro

Na Marinha, o almirante Almir Garnier Santos era o oficial que mais esbanjava a confiança do ex-presidente. Ele assumiu o comando da força naval após a queda do almirante Ilques Barbosa, que foi demitido em março de 2021 por não concordar com a politização das Forças Armadas.

Garnier por sua vez, adotou uma outra postura e buscou espalhar o bolsonarismo a partir da direção da Marinha. Em 2021, quando o Congresso Nacional derrubou a PEC que implementava o voto impresso nas eleições de 2022, o ex-comandante desfilou em blindados dos fuzileiros navais na Praça dos Três Poderes.

Logo no início da gestão de Bolsonaro, Garnier foi nomeado secretário-geral do Ministério da Defesa. A sua mulher, Selma Foligne Crespio de Pinho, e o seu filho, Almir Garnier Santos Junior, também ganhariam cargos no governo - ela na secretaria-geral da Presidência e ele no Emgepron, a empresa estatal da Marinha.

Estevam Theópilo foi promovido por Bolsonaro no início do governo anterior

Respeitado pelos oficiais das Forças Armadas, o general Estevam Theophilo chegou a ser cotado para o comando do Exército pelo governo Lula e faz parte de uma família tradicional do conservadorismo cearense. Dos generais do Exército que estão envolvidos com o plano golpista, ele é o único que não estava na Aman nos anos 70. Ele foi promovido ao posto de general no início do governo Bolsonaro e recebeu a oportunidade de chefiar o Comando Militar da Amazônia.

Estevam é irmão do ex-secretário do Ministério da Justiça, general da reserva Guilherme Theóphilo. Guilherme ocupou a pasta quando ela era chefiada pelo ex-juiz da Lava Jato e senador Sérgio Moro (União-PR) entre 2019 e 2020.

Para a PF, Estevam era o "responsável operacional" arregimentar as Forças Especiais do Exército, os chamados "Kids Pretos", para prender Alexandre de Moraes durante a intentona golpista.

Ex-ministros investigados estavam com Bolsonaro na Aman na década de 1970

Augusto Heleno é amigo de longa data de Bolsonaro desde o final da década de 1970 na Aman. Na época, Bolsonaro fazia um curso de paraquedismo e Heleno era instrutor de cadetes. Paulo Sérgio também estava na escola militar junto a Heleno e Bolsonaro mas, de acordo com fontes ligadas ao governo anterior ouvidas pelo Estadão, ele se aproximou do ex-chefe do Executivo após as eleições de 2018.

Braga Netto também estava na Aman no fim da década de 1970. Ele foi escolhido como vice da chapa de Bolsonaro em 2022 por ser considerado um "cumpridor de ordens" por aliados do ex-presidente. O ex-ministro chefiou a intervenção federal do Exército no Rio de Janeiro em 2018. No Estado, o ex-chefe do Executivo foi deputado federal por sete mandatos.

Assim como Bolsonaro, Paulo Sérgio, Augusto Heleno e Braga Netto também ficaram calados durante o depoimento prestado à PF no último dia 22. Outros investigados, como o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, quebraram o "pacto de silêncio".

Braga Netto é acusado de ser uma ponte entre manifestantes e militares, Heleno de instrumentalizar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar a campanha de Lula e Paulo Sérgio de utilizar as Forças Armadas para emparedar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Uma semana após a deflagração da Tempus Veritatis, os clubes militares do Exército, Marinha e Aeronáutica publicaram uma nota conjunta declarando que a investigação trouxe uma "apreensão" com a "exposição de distintos chefes" das Forças Armadas. De acordo com o texto, as suspeitas de envolvimento dos generais são insustentáveis se forem consideradas as "histórias de vida" dos oficiais.

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O ex-chefe do GSI general Augusto Heleno era um dos aliados mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro
Foto: Dida Sampaio/Estadão / Estadão
O almirante Almir Garnier Santos assumiu o comando da Marinha em março de 2021
Foto: Marcos Corrêa/Agência Brasil / Estadão
Generais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que foram alvos da Operação Tempus Veritatis eram próximos do ex-chefe do Executivo
Foto: Marcos Correa/Presidência da República / Estadão
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