'Abin paralela' de Bolsonaro tem de PMs a aliados

A rede de informantes cresceu vertiginosamente na última eleição, mas antes já tinha ajudado a eleger Bolsonaro e filhos no Legislativo

4 jun 2020 - 14h52
(atualizado às 15h04)

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar mais uma vez o número do telefone celular, a sexta mudança desde que assumiu o governo. Ele, no entanto, passou para o novo aparelho os antigos contatos. A lista do seu aplicativo tem mais de dez mil nomes, entre apoiadores civis e militares, políticos e simpatizantes.

Sem máscara protetora, o presidente da República, Jair Bolsonaro, acena e cumprimenta apoiadores que participavam de um ato diante do Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, neste domingo, 31 de maio de 2020
Sem máscara protetora, o presidente da República, Jair Bolsonaro, acena e cumprimenta apoiadores que participavam de um ato diante do Palácio do Planalto, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, neste domingo, 31 de maio de 2020
Foto: EDU ANDRADE/FATOPRESS / Estadão Conteúdo

A parte mais influente é formada especialmente por agentes de órgãos de inteligência e de tropas de elite das polícias. Trata-se de um abrangente serviço particular de informações impulsionado na campanha de 2018.

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Em reunião no Palácio do Planalto, a 22 de abril, Bolsonaro confirmou a seus ministros que mantinha o serviço próprio de informações e desdenhou do trabalho da ABIN, da Polícia Federal e dos centros de inteligência das Forças Armadas. "Sistemas de informações: o meu funciona. O meu, particular, funciona", disse. "Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho."

É comum o presidente encaminhar parte dessas denúncias filtradas a aliados ou mesmo publicar em suas redes socais, sem checagem. Vez ou outra ele apaga a postagem e pede desculpas. A maioria chega à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Um integrante do órgão afirmou ao Estadão que as denúncias repassadas, muitas sem fundamento, sobrecarregam o sistema de informações.

Ainda de madrugada, Bolsonaro costuma selecionar informações recebidas no WhatsApp entre aquelas que precisam ser "checadas" por seus assessores ou "cobradas" às respectivas áreas. O presidente costuma encaminhar as mensagens diretamente para ministros e auxiliares.

No tempo de deputado, ele recebia a ajuda do filho e vereador Carlos Bolsonaro (RJ). Agora, conta com assessores do gabinete, como o tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal Márcio Cavalcante de Vasconcelos e o coronel do Exército Marcelo Costa Câmara. Todos trabalham no 3.º andar do Palácio do Planalto, a poucos metros da sala de Bolsonaro.

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Todas as manhãs, o general reformado Augusto Heleno Ribeiro, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), cumpre um antigo ritual dos ocupantes do cargo de chefe do sistema de informações de receber o presidente na garagem do Planalto e subir com ele para o gabinete, repassando dados entregues pela Abin. Mas Bolsonaro já deixou claro que essas informações só "desinformam".

Numa entrevista recente na portaria do Palácio da Alvorada, o presidente disse que soube, por meio de seus informantes, amigos policiais civis e militares no Rio, que algo estava "sendo armado" contra ele e sua família. Afirmou ter sido avisado com antecedência da possibilidade de busca e apreensão nas casas de filhos dele e da "plantação" de provas contra a família, o que não se concretizou. Neste caso, atribuiu a ofensiva ao adversário e governador do Rio, Wilson Witzel (PSC).

Ao ser questionado sobre o sistema próprio de informação, Bolsonaro já afirmou em entrevista: "É um colega de vocês da imprensa que com certeza eu tenho, é um sargento no batalhão de operações especiais no Rio, um capitão do Exército de um grupo de artilharia em Nioaque, um policial civil em Manaus. É um amigo que eu fiz em um determinado local faz anos, que liga pra mim e mantém contato pelo zap", relatou. "Descubro muitas coisas, que lamentavelmente não descubro via inteligência oficial, que é a PF, a Marinha, a Aeronáutica e a Abin."

Um dos participantes do serviço de informações paralelo referidos pelo presidente é Aparecido Andrade Portela. Militar reformado do Exército, ele conheceu Bolsonaro nos anos 1970 em Nioaque, Mato Grosso do Sul, quando serviram juntos. Ele costuma transmitir ao presidente informações políticas locais e a situação na fronteira.

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Outro informante é o antigo assessor Waldir Luiz Ferraz, 67 anos. Ele foi convidado a trabalhar em Brasília, mas preferiu permanecer no Rio, especialmente depois que Witzel se tornou adversário do clã Bolsonaro. O auxiliar do presidente opera uma espécie de sucursal carioca da rede de informações.

Numa operação da Polícia Federal de busca e apreensão no Palácio das Laranjeiras, residência do governador, na madrugada de 26 de maio, Waldir estava na calçada em frente para repassar informações ao presidente, revelou a revista Veja. Com 2,4 mil contatos no WhatsApp, ele disse ao Estadão que recebe mais de 1.000 mensagens por dia, entre denúncias, críticas e apoios. Após uma filtragem, dez a 15 são repassadas a Bolsonaro.

Eleição

A rede de informantes cresceu vertiginosamente na última eleição, mas antes já tinha ajudado a eleger Bolsonaro e seus filhos a cargos no Legislativo. A capilaridade da rede do presidente lhe permite, inclusive, que ele receba informações muito semelhantes às que chegam às mesas dos governadores oposicionistas do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria, de suas respectivas seções de inteligência das polícias, as P-2.

Foi por meio da rede no WhatsApp que a família Bolsonaro recebeu um vídeo da autópsia do corpo do ex-agente do BOPE Adriano Magalhães da Nóbrega, ligado a milícias, morto, em fevereiro, num cerco da polícia no interior da Bahia. A imagem foi divulgada no Twitter pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que já condecorou o ex-policial. O parlamentar que acusou a polícia baiana de torturar Nóbrega antes da execução. Aparentemente surpreendido, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, chegou a dizer que o vídeo não foi feito dentro do IML, onde havia uma equipe reduzida. Mas não explicou a origem da imagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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