Aborto, 'saidinhas' e marco temporal: embate entre STF e Congresso vai além do porte de maconha

Autor da PEC das Drogas, Rodrigo Pacheco diz que STF 'invade competência' do Congresso; relembre os temas que contrapõem poderes Legislativo e Judiciário

26 jun 2024 - 12h01

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu nesta terça-feira, 25, que o porte de maconha para uso pessoal não é crime. O entendimento da Corte se choca com o do Congresso Nacional, onde tramita uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no sentido contrário. A "PEC das Drogas", aprovada no Senado e prestes a entrar na pauta da Câmara, criminaliza a posse e o porte de entorpecentes "independentemente da quantidade".

A PEC das Drogas ganhou tração no Senado à medida em que avançava o julgamento no STF. O texto é de autoria do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que manifestou insatisfação com o entendimento dos magistrados. Segundo o senador, o Supremo está "invadindo a competência legislativa que é própria do Congresso".

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A decisão sobre o porte de maconha não é a primeira a contrapor os poderes Judiciário e Legislativo. Enquanto o Congresso aprovou o fim das "saidinhas" com ampla margem de votos, uma ação em pauta no Supremo pode restituir o benefício aos detentos. É o que ocorreu com o marco temporal, aprovado pelo Congresso mas, por enquanto, com a vigência suspensa pela Corte. Também há uma ação no Supremo que, se julgada procedente, pode flexibilizar a legislação relativa ao aborto.

Aborto

Neste mês, a Câmara aprovou um requerimento de urgência para um projeto de lei que estende as restrições ao aborto legal no País. Pela legislação atual, o aborto é permitido em casos de gravidez resultante de estupro, malformação fetal, como anencefalia, ou perigo de morte à gestante. Nestas circunstâncias, não há prazo para que o procedimento seja requerido. Com a proposta em tramitação na Câmara, a solicitação do aborto deverá ser feita em até 22 semanas de gestação. Do contrário, o procedimento acarretará em pena equivalente ao crime de homicídio simples, de seis a vinte anos de reclusão. Com a repercussão negativa, os autores afirmaram que "revisarão" a proposta e o texto, por ora, saiu da pauta.

Por outro lado, no STF, há um julgamento pronto para ser pautado que pode descriminalizar o aborto. Trata-se de um pedido do PSOL para que sejam revogados do Código Penal os artigos sobre o "autoaborto", ou seja, quando a gestante induz o procedimento em si mesma.

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O ofício em debate é uma Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF), um dispositivo com o qual se questiona se uma lei anterior à Constituição Federal, de 1988, é compatível com as normas constitucionais. A lei do Código Penal, que restringe o aborto, é de 1940.

Fim das 'saidinhas'

No fim de maio, o Congresso derrubou os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que restringiu as saídas temporárias dos presos do regime semiaberto, as chamadas "saidinhas".

A tramitação contou com margem confortável nas duas Casas: entre os 81 senadores, foram 62 votos a favor, dois contra e um abstenção; na Câmara, a aprovação ocorreu em votação simbólica, com o apoio de todos os partidos.

Após a promulgação da lei, o texto se tornou alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Este tipo de ação é uma consulta ao STF para avaliar se uma determinada legislação fere um princípio garantido pela Constituição.

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O pedido é da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) e foi submetido diretamente ao plenário do Supremo por determinação do relator Edson Fachin, o que pode acelerar o julgamento do caso.

Marco temporal

A Lei do Marco Temporal foi aprovada pelo Congresso, mas, por ora, está com a vigência suspensa. O marco temporal é uma interpretação de um artigo da Constituição Federal. Esse entendimento prevê que uma terra indígena só pode ser demarcada com a comprovação de que os povos originários estavam no local requerido na data de promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

A Câmara aprovou o marco temporal em maio de 2023. Em setembro, o STF derrubou a tese e invalidou o argumento da linha de corte temporal. Mesmo assim, seis dias depois da decisão da Suprema Corte, o texto foi aprovado no Senado. Ao sancionar a lei, em outubro, Lula vetou o trecho que causaria o impasse jurídico, mas o Congresso derrubou o veto em dezembro.

'Contraofensiva' do Congresso

Além dos temas que contrapõem decisões do Legislativo e do Judiciário, é motivo de embate o próprio escopo de atuação do Supremo, ou seja, em quais situações os ministros da Corte podem ou não agir. O Congresso prepara um "pacotão" de medidas que, se aprovadas pelas Casas, limitarão as prerrogativas dos magistrados do STF.

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Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado / Estadão

É o caso de uma proposta que exige autorização do Legislativo para medidas judiciais contra parlamentares em exercício, como inquéritos e ordens de busca e apreensão da Polícia Federal (PF). A proposta do deputado federal Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) diz que só poderão ser deflagradas operações sem este aval nos crimes de "flagrante delito".

Além disso, em novembro de 2023, prestes a entrar em recesso, o Senado aprovou uma PEC que limita o poder de decisões monocráticas de ministros do STF. O texto, por enquanto, não foi pautado na Câmara.

Por fim, a delimitação de mandatos para magistrados do Supremo também é debatida pelos congressistas. Rodrigo Pacheco é entusiasta do tema, ao qual já qualificou como "apropriado" para entrar em discussão. Pela norma atual, o ministro do STF permanece no cargo até 75 anos, quando a aposentadoria é compulsória.

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