Em dez meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem sofrido desgaste político por causa de medidas que deveriam ser populares, mas que, por causa do alcance restrito, são alvo de críticas de quem deveria se beneficiar delas.
Um desses casos foi a Medida Provisória (MP) 894/2019, que concedeu pensão a crianças com a síndrome do vírus zika. Diante da expectativa criada antes de sua divulgação, a MP foi vista como muito limitada. As famílias reclamaram que, para receber o benefício, seria preciso desistir de ações na Justiça. Além dessa condição, o benefício ficou restrito a pessoas de baixa renda.
"A medida provisória é restritiva e injusta, pois não assegura a universalidade do acesso das crianças acometidas pela síndrome", afirmou nota da Frente Nacional na Luta pelos Direitos da Pessoa com a síndrome congênita do vírus zika. No dia seguinte à edição da norma, Bolsonaro reclamou com jornalistas da recepção negativa. "Como vocês só querem notícia ruim, vão arranjar em outro lugar, não vai ser comigo", disse.
Em outro caso, no último dia 15, o presidente fez uma cerimônia no Planalto para lançar a MP 898/19, prevendo o pagamento da 13.ª parcela do Bolsa Família. A iniciativa vinha para cumprir uma promessa feita durante a campanha eleitoral do ano passado. No entanto, o texto garantiu o benefício apenas para 2019. Questionado, o Planalto prometeu estender a parcela extra para os próximos anos, mas não há previsão dentro do Orçamento nem mesmo para 2020.
Além de frustrar a expectativa sobre a continuidade da 13.ª parcela, a MP do Bolsa Família rendeu discussões nas redes sociais — um lugar onde governistas gostam de ocupar posições. Na ocasião, Bolsonaro foi ao Twitter atacar o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), chamando-o de "espertalhão" por fazer propaganda da versão estadual da 13.º salário do programa. Em resposta, também nas redes, o governador desmentiu o presidente. Câmara afirmou que a proposta estadual é anterior à que foi feita pelo Planalto. O governador ainda aproveitou o ataque para devolver a crítica, ao cobrar soluções contra o avanço de mancha de óleo em praias do Nordeste.
Em agosto, Bolsonaro tentou se aproximar do eleitorado mais jovem com a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de jogos eletrônicos.
A medida, que reduziu apenas as alíquotas relativas aos consoles e acessórios, foi considerada tímida pelo setor. Segundo o movimento Jogo Justo, que pleiteia a redução da carga tributária sobre esse tipo de produto, "lugares que vendem ilegalmente ainda serão mais atrativos, mesmo com a redução".
O presidente reconheceu que a queda do importo ficou abaixo do esperado e prometeu ampliar a medida no próximo ano.
Houve também expectativa frustrada em relação à promessa de liberar saque no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Após prometer a retirada de até 35% das contas ativas do fundo, o governo liberou um limite, neste ano, de até R$ 500. O recuo se deu por pressão do setor da construção civil e fez, inclusive, com que o anúncio da medida fosse adiado.
Originalmente, ela seria apresentada em solenidade de 200 dias do governo Bolsonaro. Construtoras tinham medo de que, ao autorizar o trabalhador a fazer o resgate total dos valores de suas contas, haveria redução da disponibilidade de recursos do FGTS para financiamentos dos setores imobiliário, de saneamento básico e de infraestrutura. "Fizemos o que era possível ser feito. Quem acha pouco, é só não retirar", disse Bolsonaro em julho, em resposta a quem criticou a limitação do valor.
Cientistas políticos apontam 'falta de foco'
Para o cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Carlos Melo, o tom da retórica do presidente ofusca a agenda do governo. "Bolsonaro parece não ter foco. Não há estratégia que resista. Quem se transforma em franco-atirador acaba perdendo o alvo", disse.
Melo afirmou ainda que o governo erra ao criar expectativas intangíveis. "Mesmo se tudo fosse feito corretamente, com muita prudência e articulação política, levaria um tempo para as mudanças terem efeitos mais consistentes", disse.
Para o professor Alvaro Martim Guedes, especialista em administração pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o governo não demonstra preocupação com reformas mais estruturais.
"Em particular nesta situação de crise, o Planalto precisa sugerir medidas que atinjam questões estruturais, de longo prazo e mais estratégicas", disse. Para ele, há um desgaste político quando a realidade fica aquém da promessa. Os ministérios responsáveis pelas MPs foram procurados, mas não quiseram comentar o assunto. O Planalto também não falou sobre o tema.