O ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim afirmou em mensagem que desconfia que uma "ação satânica" tenha sido responsável pela sua demissão. Alvim foi demitido na última sexta-feira (17), após uma onda de repúdio por causa de um discurso no qual ele fez uso de trechos plagiados de uma fala do antigo ministro nazista Joseph Goebbels (1897-1945).
Em mensagem distribuída para uma lista de contatos no Whatsapp neste domingo, Alvim assumiu responsabilidade pelo discurso, que foi gravado e distribuído por sua pasta na semana passada. Ele afastou uma teoria conspiratória que vem sendo propagada por militantes de extrema-direita de que ele teria sido vítima de uma "sabotagem" de assessores "esquerdistas". A mensagem de Alvim foi compartilhada pelo cineasta Josias Teófilo.
"Eu, Roberto Alvim, afirmo a quem interessar possa: eu escrevi o texto do meu discurso no vídeo, a partir de várias fontes e ideias, que me chegaram de muitos lugares. Meus assessores (...) não têm NADA a ver com a escritura", escreveu o ex-secretário.
Alvim ainda afirmou que não desconfiou que o trecho plagiado de Goebbels tivesse alguma coisa relacionada com nazismo. "Afirmo que não sabia que aquela frase tinha uma origem nazista, porque a frase em si não tinha nenhum traço de nazismo, por isso não percebi nada errado ali", prosseguiu.
Ele ainda disse que decidiu usar no vídeo de uma ópera do compositor Richard Wagner - um favorito dos nazistas - por achar a peça musical "linda". Mesmo antes de o plágio ter sido identificado, a combinação do tom ultranacionalista do discurso com a música associada aos nazistas já havia levantado acusações de que o discurso parecia uma encenação típica do fascismo.
"Acho a ópera linda, e a coloquei por se tratar da ópera escrita após a conversão de Wagner ao cristianismo", disse. "O que quero dizer é que não houve NENHUMA má-intenção da minha parte", completou.
Ao final da mensagem, Alvim afirma que tudo foi "uma série terrível de eventos e coincidências que levaram a essa catástrofe". O ex-secretário, que destaca ser um "cristão", disse também desconfiar de que tenha sido vítima de uma "ação satânica".
"Estou orando sem parar, e começo a desconfiar não de uma ação humana, mas de uma ação satânica em toda essa horrível história."
Alvim, no entanto, não abordou outras falas que adicionaram mais componentes ao escândalo, como a entrevista que concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo na qual disse que se identificava com alguns aspectos da biografia de Goebbels. "A filiação de Joseph Goebbels com a arte clássica e com o nacionalismo em arte é semelhante à minha", disse ele ao jornal, pouco antes de ser demitido. Ele também havia dito que a ideias contidas na frase plagiada do nazista "são absolutamente perfeitas e eu assino embaixo".
Repúdio e demissão
O dramaturgo de extrema-direita Roberto Alvim - nome artístico de Roberto Rego Pinheiro - havia sido nomeado para a Secretaria de Cultura do Brasil em novembro.
Antes mesmo, quando ocupava um cargo menor na Funarte, ele já fora alvo de críticas após lançar ataques públicos contra a atriz Fernanda Montenegro. Ainda investigado por tentar empregar sua esposa em projeto da fundação, ele também foi responsável pela indicação do novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, que se notabilizou por desatinos como uma declaração que associou o rock a uma absurda conspiração soviética para promover o aborto e o satanismo.
Mas foi o discurso com referências claras ao nazismo que acabou custando a cadeira de Alvim. No vídeo, ao som de uma ópera de Richard Wagner, Alvim parafraseou um trecho completo de um discurso de Goebbels proferido em 1933 para a classe teatral da Alemanha. "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...] ou então não será nada", disse Alvim.
Goebbels, em seu discurso havia dito: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa [...] ou então não será nada".
Inicialmente, as semelhanças foram notadas pela usuária do Twitter Manuela Lourenção. O assunto ganhou ainda força nas redes sociais após as primeiras reportagens sobre o vídeo, que também destacaram os pontos de encontro entre os discursos e o uso de recursos estéticos que combinados remetem ao nazismo.
Inicialmente, mesmo com o escândalo tomando as redes sociais, Alvim agiu como se tudo estivesse bem. Antes de sua demissão, ele disse a jornal O Estado de S.Paulo que havia convencido o presidente Jair Bolsonaro de que a frase praticamente completa de Goebbels não passava de uma "coincidência retórica". Ele não explicou a escolha da música de Wagner e de outros recursos estéticos associados ao nazismo.
Mais tarde, Alvim ainda tentou argumentar em sua página que não tinha noção da origem nazista de algumas de suas frases. "Se eu soubesse, jamais a teria dito. Tenho profundo repúdio a qualquer regime totalitário, e declaro minha absoluta repugnância ao regime nazista."
Mas era tarde. A atitude de Alvim fez com que até figuras como o ideólogo de extrema-direita Olavo de Carvalho, espécie de filósofo oficial do governo, se distanciassem durante o pico do escândalo. "É cedo pra julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça", escreveu Olavo no Facebook.
O cineasta Josias Teófilo, outro personagem da cena cultural da extrema-direita, também sugeriu que o ex-secretário estaria descompensado por problemas pessoais. "Venho notando há um bom tempo que Roberto Alvim está passando por problemas de ordem pessoal seríssimos", escreveu no Twitter.
Após a demissão de Alvim, extremistas como Olavo mudaram um pouco o discurso para tentar aproveitar algo do caso, atribuindo - sem provas - o escândalo todo a uma suposta sabotagem de assessores "esquerdistas" da secretaria, mas sem conseguir elaborar uma versão que explicasse as declarações que o próprio ex-secretário deu à imprensa na sexta-feira após a publicação do vídeo.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro foi pressionado a demitir Alvim após uma reclamação do embaixador de Israel, Yossi Shelley, que mantém uma relação de proximidade com o Planalto. Houve também críticas da Embaixada da Alemanha.
No meio político, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado o Davi Alcolumbre (DEM-AP) também pediram a demissão. Em nota, Alcolumbre, primeiro judeu a presidir o Senado, disse que o discurso foi "acintoso, descabido e infeliz".
Na quinta-feira, mesmo dia em que o vídeo de Alvim foi ao ar, Bolsonaro havia elogiado o então secretário em sua live semanal nas redes sociais. "Depois de décadas, agora temos sim um secretário de Cultura de verdade, que atende o interesse da maioria da população brasileira", disse Bolsonaro na ocasião.
Na última sexta-feira, depois da repercussão do vídeo, o presidente declarou, em nota, que a permanência de Alvim, havia se tornado "insustentável".
"Um pronunciamento infeliz, ainda que tenha se desculpado, tornou insustentável a sua permanência", postou o presidente no Facebook. "Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum." A secretaria excluiu o vídeo nesta sexta-feira.
Esse não foi o primeiro escândalo que envolveu o governo Bolsonaro e o nazismo. Em 2019, o próprio presidente e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, alegaram, sem qualquer base histórica, que o nazismo era um "movimento de esquerda". A fala provocou repúdio de historiadores, de partidos políticos da Alemanha e até do Museu do Holocausto em Israel. Também em 2019, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que a aspirina foi inventada pelos nazistas durante mais uma fala para atacar o educador Paulo Freire. Na verdade, a aspirina foi inventada mais de três décadas antes da ascensão do nazismo.