A assistente parlamentar Rosimery Cardoso Cordeiro, que emprestou por 10 anos seu cartão de crédito para a ex-primeira-dama e sua amiga pessoal Michelle Bolsonaro (PL), trabalhou no gabinete de um ex-deputado federal do Maranhão que é réu por suposta rachadinha em seu gabinete na Câmara. O esquema teria ocorrido na mesma época em que Rosi, como é conhecida, emprestou o cartão para a esposa de Jair Bolsonaro (PL).
Rosimery não é citada nominalmente no processo, mas o relatório da Polícia Federal e a denúncia do Ministério Público Federal, obtidos pelo Estadão, acusam o ex-deputado federal Pinto Itamaraty (PSDB) e seu então assessor Antônio Marcelo Rodrigues da Silva, conhecido como Marcelo Minard, de se apropriarem "de verbas públicas federais destinadas a remuneração de servidores do gabinete da Câmara dos Deputados".
A manutenção do suposto esquema criminoso coincide com o período em que a amiga de Michelle Bolsonaro esteve lotada no gabinete. Rosimery trabalhou com Pinto Itamaraty de fevereiro de 2007 a fevereiro de 2015, segundo registros da Câmara. Antes disso, atuou no gabinete do deputado Vanderlei Assis, onde conheceu e se tornou amiga da esposa de Bolsonaro.
Rosi passou a figurar no bojo de uma outra investigação da Polícia Federal que apura desvios de recursos públicos do Palácio do Planalto para bancar despesas de Michelle Bolsonaro. Os investigadores levantaram que o cartão de crédito emprestado à ex-primeira dama era pago com dinheiro vivo, o que dificulta a identificação da origem dos recursos. Transcrições de áudios mostram que o então ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, se preocupava que a prática fosse caracterizada como um esquema de rachadinha.
Ao Estadão, Rosi negou irregularidades. "[Emprestei o cartão] porque eu quis. Qual o problema? Normal. Não tem nada de errado. Ela [Michelle Bolsonaro] não tinha um limite suficiente na época, ganhava pouco e ela precisava ajudar a família dela. E eu ofereci", disse.
Ela tinha um salário de R$ 2.404,31 (o equivalente a R$ 4.745,43 em valores corrigidos pelo IPCA) quando emprestou o cartão à ex-primeira dama.
Rachadinha do Pinto
A investigação da rachadinha no gabinete de Pinto Itamaraty surgiu a partir de documentos apreendidos em 2017 no âmbito da Operação Turing, da Polícia Federal. Foram encontrados oito depósitos bancários, realizados entre dezembro de 2008 a fevereiro de 2009, que somam R$ 337,3 mil. Seis beneficiavam o então deputado, num total de R$ 237,3 mil. Os outros dois tinham como destinatário o assessor, no valor de R$ 100 mil.
Pinto Itamaraty e Marcelo Minard foram indiciados pelo crime de peculato pela Polícia Federal. Em fevereiro deste ano, o juiz federal substituto da 2ª Vara Criminal do Maranhão, Pedro Alves Dimas Júnior, recebeu a denúncia e tornou os dois réus.
O MPF chegou a propor um acordo de não persecução penal caso confessassem a autoria do crime. Ambos negaram.
No processo, a defesa de Pinto Itamaraty relacionou as transferências a negócios pessoais do ex-deputado. Explicou que o político é dono da radiola de reggae Itamaraty e um dos maiores produtores de shows e festivais de reggae do País. "Assim, a empresa movimenta semanalmente consideráveis quantias de dinheiro referentes a contratos, patrocínios, apuração de venda de ingressos e bebidas".
A defesa afirmou também que, quando necessário, a empresa do ex-deputado era socorrida com o "apoio de terceiros de confiança", como Marcelo Minard. O assessor trabalhou com o Pinto Itamaraty na Câmara dos Vereadores de São Luís de 2001 a 2006 e, depois, na Câmara dos Deputados de 2007 a 2011. O ex-deputado não comprovou sua alegação com documentos.
Já a defesa do assessor destacou que Minard conhece Pinto Itamaraty desde o início dos anos 1990, quando o ajudava com a parte de marketing em rádio e tv, na produção de diversos shows e eventos de reggae.
Histórico
Ao Estadão, Pinto Itamaraty disse que conheceu Rosimary quando iniciou seu mandato na Câmara e que, na época, ele não tinha nem ouvido falar em Bolsonaro.
Após o encerramento do mandato, Rosi passou a trabalhar no gabinete do ex-senador Roberto Rocha (PTB-MA), cujo suplente era justamente Pinto Itamaraty. Lotada na Câmara desde 2001, seu salário variou entre R$ 2 mil e R$ 6 mil, até que no governo Bolsonaro sua remuneração disparou e chegou a R$ 17,2 mil. Hoje ela ganha R$ 7,1 mil no gabinete da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Bolsonaro.
Rosi trabalha no Congresso como comissionada há mais de duas décadas. Ela iniciou os trabalhos com o ex-deputado Osvaldo Reis. "Foi quem abriu as portas para mim na época", relatou a assistente ao Estadão.
Mas quem primeiro abriu as portas para Rosi na Câmara, na verdade, foi seu então companheiro. O pai de seu filho, Natanael Carneiro Filho, trabalhou com Reis por todo o mandato do parlamentar, de 1991 a 2015, segundo registros da Câmara analisados pelo Estadão.